Indústria alimentícia é condenada ao pagamento de compra internacional

Decisão levou Convenção das Nações Unidas em consideração.

A 32ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou indústria alimentícia ao pagamento de compra internacional de kiwis. A decisão levou em conta a Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias de 1980, em vigor no Brasil desde 2014, bem como jurisprudência de diversos países.

Segundo os autos, a autora da ação vendeu à requerida duas cargas de 2.520 caixas de kiwis cada uma, nos valores de €26.010 e €27.480. As mercadorias foram embarcadas no porto de Gênova, na Itália, e descarregadas no porto de Santos. A apelante notificou extrajudicialmente a outra parte para que pagasse as faturas em atraso, mas esta alegou que desconhecia as transações.

Para o relator do recurso, desembargador Rodolfo Cesar Milano, o negócio jurídico, apesar de não ter sido formalizado por escrito, está de acordo com o costume internacional, incluindo o artigo 11 da Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias de 1980, segundo o qual “o contrato de compra e venda não requer instrumento escrito nem está sujeito a qualquer requisito de forma”. O magistrado, em seu voto, citou jurisprudência internacional que confirma a exigibilidade da dívida. “Conquanto os julgados internacionais não tenham eficácia jurídica no Brasil, aplica-se o princípio da cortesia internacional (international comity), segundo o qual Estados e entidades estatais, incluídas as cortes nacionais, reconhecem-se mutuamente uns aos outros enquanto autoridades em seus respectivos países, respeitam suas decisões e, no caso das cortes, veem-se como iguais no desempenho da tarefa universal de julgar”, escreveu.

De acordo com o relator, os documentos apresentados pela credora são suficientes para evidenciar a contratação havida entre as partes. “O conhecimento de transporte é um documento que, por sua própria natureza, é unilateral. Todavia, as informações nele constantes, em cotejo com o restante do conjunto probatório constante dos autos, permite concluir pela celebração do contrato de compra e venda de kiwis entre a apelante e a apelada”, afirmou. Ainda de acordo com o desembargador, diante da existência de documentos oficiais, como os do transporte, emitidos por terceiros, “não há que se falar em insuficiência de provas sobre a celebração e a execução do contrato internacional de compra e venda de mercadorias”.

O recurso ficou assim ementado:

Bem móvel. Ação de cobrança. Compra e venda internacional de kiwis. Ausência de contrato escrito. Arguição pela apelada de que não adquiriu nem recebeu a mercadoria. Improcedência. Natureza unilateral do conhecimento de transporte. Contratação suficientemente comprovada por documentos emitidos por terceiros a respeito da remessa e da entrega das mercadorias. Aplicação enquanto soft law da Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias de 1980, introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº 8.327/2014, pouco tempo depois da celebração do negócio jurídico. Incidência do artigo 11. Estados de origem do comprador e do vendedor que não afastaram a aplicação do artigo 11 por meio da declaração prevista no artigo 12. Precedentes. Princípio da cortesia internacional (international comity). Vendedor que provou o fato constitutivo de seu direito. Comprador que não apresentou fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do vendedor. Mercadorias recebidas e não devolvidas. Manifestação de consentimento do destinatário, nos termos do artigo 18(3) da Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias. Incidência dos artigos 113 e 432 do Código Civil. Possibilidade de celebração de contratos de importação e exportação de mercadorias em moeda estrangeira, nos termos do artigo 2º, inciso I do Decreto-Lei nº 857/1969. Comprador que pretende que a data do câmbio seja a do recebimento da mercadoria. Impossibilidade. Entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a data do câmbio aplicável é aquela do pagamento. Litigância de má-fé não caracterizada. Sentença de improcedência reformada. Recurso provido

O julgamento, de votação unânime, teve a participação dos desembargadores Mary Grün e Caio Marcelo Mendes de Oliveira.

Apelação nº 1017219-07.2017.8.26.0004

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