Gol terá de pagar danos morais por cancelar volta de passageira que não embarcou na ida

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou decisão que condenou a Gol Linhas Aéreas a pagar indenização de R$ 25 mil por danos morais a uma passageira que teve o voo de volta cancelado após não ter se apresentado para embarque no voo de ida.

O ministro relator, Luis Felipe Salomão, afirmou que condicionar a validade do bilhete de volta à utilização do bilhete de ida fere a lógica da razoabilidade e gera enriquecimento indevido para a empresa aérea em detrimento do usuário dos serviços, que pagou previamente pelos dois trechos. Para ele, o cancelamento unilateral e automático de um dos trechos configura prática abusiva, capaz de gerar dano moral.

“Tenho por abusiva a prática comercial consistente no cancelamento unilateral e automático de um dos trechos da passagem aérea, sob a justificativa de não ter o passageiro se apresentado para embarque em voo antecedente, por afrontar direitos básicos do consumidor, tais como a vedação ao enriquecimento ilícito, a falta de razoabilidade nas sanções impostas e, ainda, a deficiência na informação sobre os produtos e serviços prestados”, ressaltou o relator.

Dano moral

A passageira comprou passagens de ida e de volta para o trecho Porto Velho – Rio Branco da Gol Linha Aéreas. No dia de voar o primeiro trecho, verificou que estava sem a documentação necessária para o embarque com seu filho, menor de idade.

Um dia antes da viagem de volta, ao tentar reservar os assentos na aeronave, verificou que sua reserva tinha sido cancelada pela empresa sob alegação de que, não havendo embarque em um dos trechos adquiridos, o voo posterior era automaticamente cancelado.

Na ação, a Gol foi condenada em primeira instância a indenizar a mulher em R$ 10 mil por danos morais. O Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) elevou o valor para R$ 25 mil. Segundo Salomão, o acórdão do TJRO reconheceu o caráter abusivo da conduta da empresa aérea e, consequentemente, o dano moral oriundo do ato ilícito.

Norma da Anac

Em sua defesa, a Gol alegou culpa exclusiva da vítima – que não teria observado informação contida no contrato sobre a possibilidade de cancelamento em caso de não haver o embarque – e que a prática do cancelamento estaria de acordo com as normas da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

Para o ministro, no entanto, ainda que o cancelamento automático de passagens tenha respaldo em documento da agência reguladora do setor, a análise do caso não pode se limitar a essa norma administrativa.

“Anoto o fato de não ter sido apresentado pela recorrente, nas oportunidades em que se manifestou nos autos, qualquer argumento razoável, de ordem técnica, que justificasse a adoção do cancelamento unilateral de um dos trechos da passagem adquirida pela recorrida”, frisou o relator.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC⁄1973. CONTRATO DE TRANSPORTE AÉREO DE PESSOAS. TRECHOS DE IDA E VOLTA ADQUIRIDOS CONJUNTAMENTE. NÃO COMPARECIMENTO DO PASSAGEIRO PARA O TRECHO DE IDA (NO SHOW). CANCELAMENTO DA VIAGEM DE VOLTA. CONDUTA ABUSIVA DA TRANSPORTADORA. FALTA DE RAZOABILIDADE. OFENSA AO DIREITO DE INFORMAÇÃO. VENDA CASADA CONFIGURADA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DEVIDA.

1. Não há falar em ofensa ao art. 535 do CPC⁄1973, se a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte recorrente.

2. É abusiva a prática comercial consistente no cancelamento unilateral e automático de um dos trechos da passagem aérea, sob a justificativa de não ter o passageiro se apresentado para embarque no voo antecedente, por afrontar direitos básicos do consumidor, tais como a vedação ao enriquecimento ilícito, a falta de razoabilidade nas sanções impostas e, ainda, a deficiência na informação sobre os produtos e serviços prestados.

3. Configura-se o enriquecimento ilícito, no caso, no momento em que o consumidor, ainda que em contratação única e utilizando-se de tarifa promocional, adquire o serviço de transporte materializado em dois bilhetes de embarque autônomos e vê-se impedido de fruir um dos serviços que contratou, o voo de volta.

4. O cancelamento da passagem de volta pela empresa aérea significa a frustração da utilização de um serviço pelo qual o consumidor pagou, caracterizando, claramente, o cumprimento adequado do contrato por uma das partes e o inadimplemento desmotivado pela outra, não bastasse o surgimento de novo dispêndio financeiro ao consumidor, dada a necessidade de retornar a seu local de origem.

5. A ausência de qualquer destaque ou visibilidade, em contrato de adesão, sobre as cláusulas restritivas dos direitos do consumidor, configura afronta ao princípio da transparência (CDC, art. 4º, caput) e, na medida em que a ampla informação acerca das regras restritivas e sancionatórias impostas ao consumidor é desconsiderada, a cláusula que prevê o cancelamento antecipado do trecho ainda não utilizado se  reveste de caráter abusivo e nulidade, com fundamento no art. 51, inciso XV, do CDC.

6. Constando-se o condicionamento, para a utilização do serviço, o pressuposto criado para atender apenas o interesse da fornecedora, no caso, o embarque no trecho de ida, caracteriza-se a indesejável prática de venda casada. A abusividade reside no condicionamento de manter a reserva do voo de volta ao embarque do passageiro no voo de ida.

7. Ainda que o valor estabelecido no preço da passagem tenha sido efetivamente promocional, a empresa aérea não pode, sob tal fundamento, impor a obrigação de utilização integral do trecho de ida para validar o de volta, pelo simples motivo de que o consumidor paga para ir e para voltar, e, porque pagou por isso, tem o direito de se valer do todo ou de apenas parte do contrato, sem que isso, por si só, possa autorizar o seu cancelamento unilateral pela empresa aérea.

8. Ademais, a falta de razoabilidade da prática questionada se verifica na sucessão de penalidades para uma mesma falta cometida pelo consumidor. É que o não comparecimento para embarque no primeiro voo acarreta outras penalidades, que não apenas o abusivo cancelamento do voo subsequente.

9. O equacionamento dos custos e riscos da fornecedora do serviço de transporte aéreo não legitima a falta de razoabilidade das prestações, tendo em vista a desigualdade evidente que existe entre as partes desse contrato, anotando-se a existência de diferença considerável entre o saneamento da empresa e o lucro excessivo, mais uma vez, às custas do consumidor vulnerável.

10. Constatado o ilícito, é devida a indenização por dano moral, arbitrado a partir das manifestações sobre a questão pelas instância de origem.

11. Recurso especial a que se nega provimento.

A decisão da Quarta Turma foi unânime.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1595731

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