Goiás E. C. não é responsável por dívidas do Botafogo com atleta emprestado

Para a 4ª Turma, a imposição de responsabilidade ao clube cessionário não tem amparo em lei ou em convenção coletiva.

A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho afastou a responsabilidade do Goiás Esporte Clube por obrigações trabalhistas assumidas pelo Botafogo de Futebol e Regatas com o lateral esquerdo Lucas Pedro Alves Lima, cedido para o Goiás em 2014. Por unanimidade, o colegiado entendeu que a imposição da responsabilidade ao clube cessionário não tem amparo em lei ou em convenção coletiva.

Empréstimo

O atleta firmou contrato de trabalho desportivo com o Botafogo de julho de 2012 a julho de 2017, mas foi cedido ao Goiás por um ano. Pelo contrato com o alvinegro, o salário inicial era de R$ 46 mil, com cláusula de evolução que poderia chegar a R$ 58 mil no prazo de três anos, além do pagamento de um salário anual a título de luvas. O instrumento de cessão previa o depósito de 13 parcelas mensais de R$ 30 mil pelo Goiás diretamente para o jogador, ficando o clube carioca responsável pela complementação do salário.

Parcelas não pagas

Em janeiro de 2015, o jogador ajuizou a reclamação trabalhista contra os dois clubes. Segundo informou, o Botafogo jamais havia depositado o FGTS ou quitado as luvas referentes a 2013, e o Goiás teria se limitado a registrar o valor total das 13 parcelas na sua carteira de trabalho. O atleta sustentou ainda que o Goiás também não teria quitado luvas, férias e 13º de 2014 e que os clubes deixaram de pagar o salário integral previsto no contrato, ignorando a cláusula de evolução.

Defesa

Em defesa, o Goiás garantiu que havia cumprido tudo o que fora determinado no contrato e disse que não entendia por que deveria ser condenado por obrigações que eram de responsabilidade do Botafogo. Segundo os advogados do clube, não há no processo qualquer documento que indique a vontade das partes em serem solidárias pelos débitos.  O Botafogo, por sua vez, afirmou que a cessão temporária tipifica efetivamente novo contrato de trabalho e que, por essa razão, resulta na responsabilidade exclusiva do clube cessionário, que no período se encontrava na condição de empregador.

Ônus contratual

O juízo de primeiro grau declarou a responsabilidade solidária dos clubes, por entender que o Goiás havia dividido o ônus contratual com o Botafogo ao se beneficiar da força de trabalho do jogador. De acordo com a sentença, tanto o detentor dos direitos econômicos, com o qual se estabeleceu o vínculo original, quanto o detentor dos direitos federativos, beneficiário direto da prestação dos serviços, respondem pelas parcelas trabalhistas devidas ao jogador no período de cessão. O juízo considerou ainda que o contrato de trabalho celebrado entre o clube e o atleta emprestado não dissolve o vínculo anterior, instaurado entre este e o clube cedente.

Convivência

O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ) manteve a sentença, mas limitou a condenação do Goiás ao período do empréstimo. Na avaliação do TRT, trata-se de sobreposição dos  contratos, pois os dois permanecem nos planos da existência e da validade, e a responsabilização leva em conta que ambos os clubes se beneficiaram mútua e concomitantemente da força de trabalho do empregado. “É desta convivência de ambos os contratos que resulta a responsabilidade solidária das empresas”, destacou.

Vínculo desportivo

O relator do recurso de revista do Goiás, ministro Alexandre Ramos, assinalou que não subsiste qualquer responsabilidade do Goiás por cláusulas firmadas exclusivamente com o Botafogo. Segundo ele, é preciso distinguir o vínculo ou a relação de emprego do vínculo desportivo. “Nas relações desportivas entre clubes, o que se negocia, compra, vende e empresta é sempre o vínculo desportivo, nunca a relação de emprego”, explicou.

Diferentemente dos casos de intermediação de mão de obra, situação em que cada empresa usufrui da força de trabalho do empregado concomitantemente, o ministro observou que, na cessão temporária do atleta profissional, apenas o cessionário se beneficia, pois o vínculo desportivo estabelece uma relação de exclusividade na prestação dos serviços. Ainda de acordo com o relator, as partes não ajustaram qualquer espécie de responsabilidade do Goiás, a não ser a celebração de novo contrato especial de trabalho desportivo e da obrigação de pagar a quantia de R$ 30 mil diretamente ao jogador. As demais obrigações contratuais expressamente ajustadas seriam cumpridas integralmente pelo Botafogo.

O recurso ficou assim ementado:

A) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO PRIMEIRO RECLAMADO (BOTAFOGO DE FUTEBOL E REGATAS). ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014.

 

RECURSO DE REVISTA. NÃO ATENDIMENTO DO REQUISITO DO ART. 896, § 1º-A, I, DA CLT. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. NÃO CONHECIMENTO.

Na hipótese de agravo de instrumento, cabe à parte Agravante impugnar especificamente os fundamentos adotados pela Autoridade Regional para denegar seguimento a seu recurso de revista. II. Não impugnados os fundamentos da decisão agravada, nos termos em que foi proferida, não há como se conhecer do agravo de instrumento. Incidência da Súmula nº 422, I, do TST. III. Agravo de instrumento de que não se conhece.

 

B) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO SEGUNDO RECLAMADO (GOIÁS ESPORTE CLUBE). ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014.

 

 

Consoante o disposto no art. 265 do Código Civil, a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes. II. Acórdão regional que impõe responsabilidade solidária a uma das partes, sem amparo legal ou convencional, viola o disposto no art. 265 do Código Civil. III. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se dá provimento, para determinar o processamento do recurso de revista, observando-se o disposto na Resolução Administrativa nº 928/2003 do TST.

 

C) RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO SEGUNDO RECLAMADO (GOIÁS ESPORTE CLUBE). ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014.

 

ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. CESSÃO TEMPORÁRIA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO CLUBE CESSIONÁRIO. CONHECIMENTO E PROVIMENTO.

Na cessão temporária de um atleta profissional entrevê-se duas relações jurídicas distintas, com efeitos particulares: (a) em relação ao cedente, haverá a suspensão dos efeitos do contrato de emprego, que poderá ser total ou parcial, consoante as obrigações assumidas no contrato de cessão, e que se restabelece ao término do prazo da cessão; (b) em relação ao cessionário, haverá a negociação e a assinatura de um novo contrato de emprego, independente e que se sobrepõe temporariamente ao anterior, com novo empregador, prazo de duração (igual ou inferior ao contrato mantido com o cedente), com livre pactuação das condições financeiras, como salário, luvas, premiações etc. II. A rigor, salvo disposição contratual em sentido contrário e a responsabilidade solidária do cedente prevista no art. 39, caput, da Lei nº 9.615/98, a responsabilidade trabalhista na cessão temporária de atleta profissional é limitada às partes que participam de cada contrato de emprego individualmente considerado. III. Na medida em que afirmado pelo segundo Reclamado e não negado pelo Reclamante, de que cumpriu com o contrato de cessão, mediante o pagamento das 13 (treze) parcelas de R$30.000,00, não subsiste qualquer responsabilidade do segundo Reclamado (Cessionário), no adimplemento de cláusulas firmadas exclusivamente com o primeiro Reclamado (Cedente), integrantes do primeiro CETD. IV. À falta de amparo legal ou disposição contratual, a decisão regional que mantém responsabilidade solidária a uma das partes, viola o disposto no art. 265 do Código Civil. V. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.

A decisão foi unânime.

Processo: ARR-10007-55.2015.5.01.0072

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