Nos casos em que a Justiça determina a quebra de sigilo telemático de informações armazenadas em outro país – como o fornecimento de dados de uma conta de e-mail, por exemplo –, o cumprimento da ordem prescinde de acordo de cooperação internacional.
Com esse entendimento, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou um recurso da Yahoo Brasil, que alegava, entre outras razões, a impossibilidade de fornecer os dados requisitados pela Justiça, pois estariam armazenados no exterior.
A empresa justificou que o domínio solicitado (.com) pertence à Yahoo Incorporated, sediada nos Estados Unidos. De acordo com a recorrente, a Yahoo Brasil e a Yahoo Incorporated são provedores distintos, o que inviabilizaria o cumprimento da decisão judicial.
O relator do caso, ministro Joel Ilan Paciornik, citou recente julgado da Quinta Turma para refutar a tese da recorrente. Ele afirmou que, conforme o decidido, a pessoa jurídica multinacional que opera no Brasil submete-se, necessariamente, às leis nacionais, razão pela qual é desnecessária a cooperação internacional para a obtenção dos dados requisitados.
“A Yahoo Brasil não está isenta de prestar as informações solicitadas pelo juízo criminal sob a alegação de que se encontram armazenadas no exterior”, resumiu o relator.
O fato de o delito investigado ser anterior ao Marco Civil da Internet, segundo o ministro, também não é desculpa para o descumprimento da determinação.
“Não há qualquer ilegalidade no fato de o delito investigado ser anterior à vigência do Marco Civil da Internet. Isto porque a Lei 12.965/2014 diz respeito tão somente à imposição de astreintes aos descumpridores de decisão judicial, sendo inequívoco nos autos que a decisão judicial que determinou a quebra de sigilo telemático permanece hígida”, disse o ministro.
Joel Paciornik destacou que os fatos investigados são tipificados no Código Penal e na Lei de Interceptação, e não no Marco Civil da Internet.
Autoria contestada
Sobre outro ponto alegado pela Yahoo – o questionamento sobre os indícios de autoria do delito do investigado –, o relator lembrou que a jurisprudência do tribunal é sólida em não permitir a discussão a respeito de autoria em mandado de segurança.
Inviável, portanto, questionar se a conduta do usuário de e-mail caracterizou delito. Joel Paciornik afirmou que a decisão do tribunal de origem foi correta nesse ponto, e também ao não permitir a discussão de eventuais interesses de terceiros investigados em ação penal no mandado de segurança.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INQUÉRITO POLICIAL. QUEBRA DE SIGILO TELEMÁTICO. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. ALEGAÇÕES DE AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA DELITIVA E DE VIOLAÇÃO A DIREITO DE TERCEIRO. NÃO CABIMENTO. APLICAÇÃO DE MULTA DIÁRIA. EMPRESA SITUADA NO PAÍS. SUBMISSÃO À LEGISLAÇÃO NACIONAL. MARCO CIVIL DA INTERNET. INCIDÊNCIA.1. Consta dos autos ter sido instaurado o Inquérito Policial nº 58728-34.2012.4.01.3400 com o objetivo de investigar a prática dos crimes tipificados no art. 10 da Lei nº 9.296⁄1996 (Lei de interceptação) e art. 153, § 1º-A, do Código Penal – CP. Situação em A YAHOO! DO BRASIL INTERNET LTDA alega que o acórdão impugnado efetuou interpretação equivocada do art. 10, § 1º, do Marco Civil da Internet e que ela tem o direito líquido e certo de não ser obrigada a fornecer dados pelos quais não é responsável pela guarda.2. É incabível, em sede de mandado de segurança – que na sua essência visa preservar direito líquido e certo – discutir indícios de autoria delitiva, matéria afeta ao Juízo criminal, que, ademais, demanda a análise dos elementos de prova colhidos na investigação. Precedentes.Para a impetração do mandamus é imprescindível que a prova do direito seja pré-constituída, sendo inviável imiscuir-se em matéria fática, mormente no caso concreto, em que a investigação não recai sobre a impetrante, mas sobre terceiros. A propósito, esta Corte Superior já se manifestou no sentido de que a destinatária da interceptação de dados não pode invocar direitos fundamentais de terceiros para eximir-se se cumprir a decisão judicial. Precedente.3. Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça “por estar instituída e em atuação no País, a pessoa jurídica multinacional submete-se, necessariamente, às leis brasileiras, motivo pelo qual se afigura desnecessária a cooperação internacional para a obtenção dos dados requisitados pelo juízo” (RMS 55.109⁄PR, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 07⁄11⁄2017, DJe 17⁄11⁄2017)4. Observe-se, ainda, que não há qualquer ilegalidade no fato de o delito investigado ser anterior à vigência do Marco Civil da Internet. Isto porque a Lei n.º 12.965⁄2014 diz respeito tão somente à imposição de astreintes aos descumpridores de decisão judicial, sendo inequívoco nos autos que a decisão judicial que determinou a quebra de sigilo telemático permanece hígida. Com efeito, a data dos fatos delituosos é relevante para se aferir apenas a incidência da norma penal incriminadora, haja vista o princípio da anterioridade penal, sendo certo que o inquérito policial investiga condutas que se encontram tipificadas no art. 10 da Lei nº 9.296⁄1996 (Lei de interceptação) e art. 153, § 1º-A, do Código Penal – CP e não na Lei n. 12.965⁄2014.5. Recurso ordinário em mandado de segurança ao qual se nega provimento.
Leia o acórdão.