A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso de um comprador de imóvel que pleiteava abatimento no preço em razão de vício oculto, problema resolvido posteriormente pela publicação de legislação municipal. Os ministros aplicaram o entendimento de que a superveniência de fato capaz de sanar o vício afasta o direito à indenização.
O comprador também pedia no recurso indenização por danos morais e materiais pela compra de duas coberturas que, apesar de vendidas com direito de construção na área de laje, só puderam ser reformadas após autorização legislativa, três anos depois do ajuizamento da ação.
Vício sanado
Segundo o ministro relator, Luis Felipe Salomão, ficou claro nos autos o fato de que as duas coberturas, no momento em que foram vendidas, não apresentavam as reais condições da oferta, havendo limitação administrativa impeditiva do uso, gozo e fruição das lajes dos imóveis.
Salomão argumentou, porém, que, apesar de existir um vício oculto inicial, as coberturas não ficaram nem impróprias para o consumo nem tiveram o seu valor diminuído, justamente em razão da sanatória posterior – dada por legislação superveniente –, que permitiu o uso das lajes.
Por isso, de acordo com o relator, não se deve falar em direito de abatimento nos valores pagos, uma vez que o vício alegado foi sanado.
“Mesmo que em momento posterior ao ajuizamento da demanda e advindo de conduta de terceiro, fato é que o consumidor acabou recebendo o seu imóvel nos exatos moldes em que fora pactuado”, ressaltou o ministro.
Indenização
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) havia entendido que a construtora vendeu direito que não possuía e fixou indenização a título de dano moral em favor do comprador.
No entanto, o tribunal afastou a pretensão de abatimento no valor dos imóveis, afirmando que a sanatória do vício fez com que inexistisse dano material.
Ao negar o recurso especial, o ministro Luis Felipe Salomão confirmou o entendimento do TJRJ. “Perde fundamento o pedido estimatório inicial, notadamente por não ter a coisa perdido seu valor, já que recebeu a coisa em sua totalidade”, explicou o relator.
O ministro ponderou, no entanto, que o comprador dos apartamentos – se quiser – pode entrar com novo pedido de indenização pelo período em que não pôde usar a laje: “Não se olvide, por outro lado, que, em tese e se for o caso, a parte poderá pleitear eventual indenização pelos danos materiais decorrentes do período em que acabou ficando impedido de exercer seu direito de uso, gozo e fruição da laje.”
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. PRETENSÃO ESTIMATÓRIA (QUANTI MINORIS). NEGÓCIO JURÍDICO. VÍCIO REDIBITÓRIO. DIREITO DE USO, GOZO E FRUIÇÃO DA ÁREA DE LAJE DA COBERTURA. AUTORIZAÇÃO MUNICIPAL POSTERIOR. SANEAMENTO. AFASTAMENTO DA PRETENSÃO DE ABATIMENTO DO PREÇO. POSSIBILIDADE DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS, DECORRENTE DO PERÍODO EM QUE IMPEDIDO DE EXERCER O DIREITO DE USO, GOZO E FRUIÇÃO DA LAJE COBERTURA.
1. O art. 462 do CPC permite, tanto ao Juízo singular como ao Tribunal, a análise de circunstâncias outras que, devido a sua implementação tardia, não eram passíveis de resenha inicial.
2. Tal diretriz deve ser observada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, porquanto o art. 462 não possui aplicação restrita às instâncias ordinárias, conforme precedentes da Casa.
3. Apesar do fato de que o imóvel alienado não apresentava as reais condições da oferta, havendo limitação administrativa impeditiva quanto ao uso, gozo e fruição de sua laje, indiscutível nos autos, que, posteriormente, o autor acabou conseguindo exercer seu direito de construir na cobertura, o que acarretou a sanatória do vício anterior, conforme reconheceu o próprio recorrente.
4. Dispõe o Código Civil que “a coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor” (art. 441) e que “se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço” (art. 500).
5. No presente caso, apesar de realmente ter-se reconhecido um vício oculto inicial, a coisa acabou por não ficar nem imprópria para o consumo, nem teve o seu valor diminuído, justamente em razão do saneamento posterior, que permitiu a construção do gabarito nos termos em que contratado. Ademais, não houve a venda de área em extensão inferior à prometida, já que o direito de uso de dois pavimentos – inferior e cobertura -, acabou sendo efetivamente cumprido, perdendo fundamento o pedido estimatório inicial, notadamente por não ter a coisa perdido seu valor, já que recebida em sua totalidade.
6. Revelam-se flagrantemente irrisórios os honorários advocatícios do recorrentes adesivos fixados pela sentença e mantidos pela Corte local, tendo-se em conta que a atribuição da verba honorária há de ser feita com base em critérios que guardem correspondência com a responsabilidade assumida pelo advogado, sob pena de violação do princípio da justa remuneração do trabalho profissional, devendo ser majorados .
7. Recurso especial não provido. Recurso adesivo parcialmente provido.