Falta de realização de audiência de custódia não é suficiente para anular prisão

De forma unânime, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou pedido de habeas corpus a um homem preso em flagrante, pela prática do crime de estelionato.

O pedido de liberdade se baseou, principalmente, no fato de o acusado não ter passado por uma audiência de custódia e ter a previsão preventiva transformada em cautelar. A defesa do réu alegou que a audiência de custódia é procedimento obrigatório, pela qual toda pessoa presa em flagrante deverá ser apresentada em até 24 horas da prisão à autoridade judicial competente e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão. Além disso, destacou que o acusado colaborou com a investigação e não possui condenação.

O relator do caso, desembargador federal Ney Bello, ao analisar a questão constatou que ficaram caracterizados não só indícios de materialidade, mas também de autoria. “Segundo apurado nos autos, o réu tinha atuação destacada na organização criminosa, pelo que se afigura imperiosa a manutenção de sua prisão preventiva, a fim de que haja garantia da ordem pública”, avaliou o magistrado.

Quanto à alegação de que a prisão deveria ser anulada pela falta da audiência de custódia, o relator citou jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo a qual “‘a não realização de audiência de custódia não é suficiente, por si só, para ensejar a nulidade da prisão preventiva, quando evidenciada a observância das garantias processuais e constitucionais”.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. ESTELIONATO MAJORADO. USO DE DOCUMENTO FALSO. ARTIGOS 171, § 3º, E 304 C/C 299, TODOS DO CÓDIGO PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS DA SEGREGAÇÃO CAUTELAR. ALEGADAS CONDIÇÕES FAVORÁVEIS DA PACIENTE. INSUFICIÊNCIA PARA CONCESSÃO DO WRIT. MEDIDAS ALTERNATIVAS. IMPOSSIBILIDADE. COVID-19. GRUPO DE RISCO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. ILEGALIDADE. INEXISTÊNCIA. EXCESSO DE PRAZO. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA.

1. In casu, afigura-se devidamente fundamentada a decisão que decretou e manteve a prisão preventiva decretada em desfavor do ora paciente, para garantir a ordem pública, por conveniência da instrução criminal e com vistas a garantir a aplicação da lei penal, em face da própria conduta a ele atribuída, além da existência de diversos registros penais contra si, a indicar propensão à reiteração delitiva.

2. Conquanto a prisão preventiva seja exceção no ordenamento jurídico, sua decretação é possível como na espécie, para garantia da ordem pública, pois há nos autos evidências de que o custodiado, ora paciente, possa concretamente reiterar a conduta criminosa.

3. Estão caracterizados não só indícios de materialidade, mas também de autoria. Ademais, a paciente, segundo apurado nos autos, tinha atuação destacada na ORCRIM, pelo que se afigura imperiosa a manutenção de sua prisão preventiva, a fim de que haja garantia da ordem pública.

4. As condições subjetivas favoráveis alegadas pela parte impetrante em favor do inculpado, tais como primariedade, bons antecedentes, residência fixa e trabalho lícito, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva.

5. Pela análise da situação do paciente – possibilidade concreta de reiteração criminosa –, verifica-se ser incabível a aplicação das medidas alternativas à prisão, nos termos do art. 282 c/c o art. 319, ambos do Código de Processo Penal.

6. Ao contrário do consignado no presente writ, constato que o custodiado, ora paciente, não se enquadra no denominado “grupo de risco”, o que possibilitaria a conversão de sua prisão preventiva em segregações domiciliar, em face da vigência da pandemia – Covid19 –, nos termos da Recomendação n. 62/CNJ, eis que ele tem menos de 35 (trinta e cinco) anos de idade, não foi sequer mencionado ser ele portador de deficiência crônica ou de doença autoimune.

7. Nada obstante a necessidade de realização da audiência de custódia, o Juízo de origem, justificou a excepcional não realização na decisão, com fulcro no art. 8º da Resolução 62/2020 do CNJ, ante o grave risco à saúde dos participantes de eventual audiência de custódia presencial.

8. O entendimento exarado pelo magistrado a quo está em conformidade com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual “‘a não realização de audiência de custódia não é suficiente, por si só, para ensejar a nulidade da prisão preventiva, quando evidenciada a observância das garantias processuais e constitucionais (…). Ademais, a posterior conversão do flagrante em prisão preventiva constitui novo título a justificar a privação da liberdade, restando superada a alegação de nulidade decorrente da ausência de apresentação do preso ao Juízo de origem. (…)”. (STJ. HC 492.781, Sexta Turma, Rel. Ministro Antônio Saldanha Palheiro, DJe de 12/12/2019).

9. Na ausência de indicativo concreto de eventual desídia dos órgãos de persecução penal e da complexidade do caso, prematura e injustificável se mostra a soltura da paciente, sob a vazia alegação de excesso de prazo na tramitação do feito. Além do que, na espécie, a mora na marcha processual se deu com a contribuição comprovada do próprio paciente.

10. O princípio da razoabilidade admite a flexibilização dos prazos estabelecidos pela Lei Processual Penal para a prática de atos em ações penais que envolvam réus presos, quando existente motivo que justifique.

11. Do bem lançado parecer ministerial, extrai-se que “não restou minimamente demonstrado pelo impetrante nenhum prejuízo concreto que tenha o paciente eventualmente sofrido pela ausência da audiência de custódia, uma vez que sua prisão foi devidamente analisada na decisão impugnada, sem qualquer vício. Ademais, como bem salientado pelo d. relator em sua decisão liminar, a conversão da prisão representa um novo título que justifica a privação da liberdade, sobretudo diante dos elementos trazidos pela decisão impetrada. Nesse sentido, importa destacar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é na direção de que eventuais vícios ficam superados pela decretação da prisão preventiva, que se constitui em novo título executivo”.

12. Ordem de habeas corpus denegada.

À decisão foi unânime.

Processo 1013576-43.2021.4.01.0000

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