A Escola Agrotécnica Federal de Senhor do Bonfim (BA) foi condenada a implementar sistema educacional especial nos moldes definidos pelas Leis 7.853/89 e 9.349/96, estabelecendo currículos, métodos e técnicas de ensino, além de direcionar recursos a educandos com deficiência, criar programas de ensino destinado a superdotados, bem como realizar a contratação de professores especializados. A decisão da 5ª Turma do TRF 1ª Região confirma sentença da Subseção Judiciária de Campo Formoso (BA) no mesmo sentido.
Na apelação, a instituição de ensino alegou ser indevida sua condenação ao argumento de que não consta em seus registros nenhum aluno portador de necessidade especial que tivesse deixado de ser atendido. Ponderou que as determinações da sentença não poderiam ser cumpridas, uma vez que a contratação de professores especializados dependeria da aprovação de lei nesse sentido. Sustentou também que tal contratação dependeria da existência de recursos orçamentários.
A União também recorreu ao tribunal defendendo sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da ação. “A condenação só poderia ser exclusivamente direcionada à Escola Técnica Federal de Senhor do Bonfim, diante de sua autonomia administrativa, financeira e orçamentária”, argumentou. Além disso, “não haveria nenhuma alegação e comprovação de que a suposta ausência de medidas assecuratórias à educação básica decorreria de falta de dotação orçamentária”.
Todos os argumentos dos recorrentes foram rejeitados pelo relator, juiz federal convocado Gláucio Maciel. Para o relator, não há ilegitimidade passiva da União se o cumprimento da sentença está diretamente vinculado a recursos por ela administrados em matéria de educação, razão pela qual ela deve permanecer no polo passivo.
Ao citar a Constituição Federal e outros dispositivos legais que tratam da inclusão social das pessoas com deficiência, o magistrado ponderou que a mera inclusão no edital de destinação de vagas a portadores de necessidades especiais, por si só, não assegura a plenitude do direito à educação, a qual deve ser delimitada de forma mais abrangente.
“Se não há nos autos nenhuma prova de que medidas secundárias estariam sendo, pelo menos, planejadas, fica evidenciado o descumprimento, pelo poder público, de sua obrigação de tratar as crianças e adolescentes com necessidades especiais com prioridade na formulação e execução de políticas sociais públicas”, afirmou o relator. “Ademais, o argumento de que inexistiriam recursos para o cumprimento da sentença não se sustenta por si só, pois tais recursos ficarão a cargo da União e foram fixados de modo a garantir a instituição do sistema educacional requerido, mediante a competente inclusão orçamentária”, concluiu.
O recurso ficou assim ementado:
DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EDUCAÇÃO PARA ALUNOS ESPECIAIS. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO. LEI DE DIRETRIZES E BASES. DECRETO 6.949/09. NÃO APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL. NÃO VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. RECURSOS E REMESSA OFICIAL DESPROVIDOS. SENTENÇA CONFIRMADA. 1. Não há ilegitimidade passiva da União se o cumprimento da sentença está diretamente vinculado a recursos por ela administrados em matéria de educação, razão pela qual ela deve permanecer no polo passivo. 2. O direito à educação é difusamente assegurado pelos artigos 5º, 205 e 227 da Constituição. O direito das pessoas com deficiência, por sua vez, foi incorporado ao ordenamento jurídico pelo Decreto 6.949/09, com status de emenda constitucional. De acordo com o referido tratado, a plena e efetiva participação e inclusão social dessas pessoas e a promoção da igualdade material dependerá de medidas adotadas pelo poder público visando a garantir que a adaptação razoável seja ofertada segundo as necessidades individuais. Em harmonia com esses dispositivos, está o parágrafo único do art. 60 da Lei 9.394/1996 – a Lei de Diretrizes e Bases da Educação -, que manda o poder público adotar, como alternativa preferencial, a ampliação do atendimento aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação na própria rede pública regular de ensino. 3. A mera inclusão no edital de destinação de vagas a portadores de necessidades especiais, por si só, não assegura a plenitude do direito à educação, a qual deve ser delimitada de forma mais abrangente, sob pena de se fazer tábula rasa dos comandos legais. Se nenhuma prova veio aos autos de que medidas secundárias estariam sendo, pelo menos, planejadas, fica evidenciado o descumprimento, pelo poder público, de sua obrigação de tratar as crianças e adolescentes com necessidades especiais com prioridade na formulação e execução de políticas sociais públicas. 4. Não há ofensa ao princípio da separação dos poderes e nem necessidade de aplicação do princípio da reserva do possível pois a omissão estatal em relação a deveres que asseguram direitos sociais vinculados à dignidade dos indivíduos autoriza a intervenção do poder Judiciário, de forma a viabilizar tais prestações. 5. Apelações e remessa oficial desprovidas.
A decisão foi unânime.
Processo nº:
0000827-24.2006.4.01.3302
827-24.2006.4.01.3302