Para a 2ª Turma, é do empregador a responsabilidade de garantir normas, independentemente da natureza externa do trabalho
A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou recurso da Viação Anchieta, de Belo Horizonte (MG), contra a condenação ao pagamento de indenização de R$ 300 mil por danos morais coletivos em razão de condições sanitárias e de conforto inadequadas para os motoristas de ônibus nos estabelecimentos fornecidos nos pontos de controle das rotas em que opera.
A decisão seguiu a jurisprudência predominante do TST de que a prática desses atos ilícitos, desvirtuando o que preconiza a legislação, além de causar prejuízos individuais aos trabalhadores, representa ofensa ao patrimônio moral coletivo.
Sem acordo
Os empregados da Viação Anchieta, segundo denúncia apresentada ao Ministério Público do Trabalho (MPT), tinham de fazer as refeições em local sem limpeza, arejamento, iluminação e água potável. Os banheiros também apresentavam irregularidades como mofo nas parede, vasos sanitários sem descarga e falta de material para limpeza e higienização das mãos.
A Anchieta, então, foi autuada pelas irregularidades e intimada pelo MPT a comparecer a audiência coletiva com outras 16 empresas do setor, com a finalidade de firmar Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para corrigir as ilegalidades identificadas. Na ocasião, porém, o empregador não teve interesse em firmar o TAC, que previa obrigações como instalar sanitários separadas por sexo e outras previstas na Norma Regulamentadora 24 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que trata das condições sanitárias e de conforto nos locais de trabalho.
Com a negativa, o MPT ajuizou a ação civil pública.
“Pequenas irregularidades”
A empresa, em sua defesa, disse que a situação encontrada pela perícia era esporádica e que o laudo revelava apenas “pequenas irregularidades”.
Recorrência
A Constituição Federal estabelece, como direito fundamental do empregado, a redução dos riscos inerentes ao trabalho (artigo 7°, inciso XXII), assegurando a todos um ambiente sadio (artigo 225). De acordo com a decisão da 39ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte (MG), esse ponto foi descumprido pela empresa.
O perito encarregado da inspeção nos locais de trabalho da Anchieta confirmou as conclusões dos auditores fiscais sobre a precariedade das condições de higiene e conforto nos pontos de controle das linhas de ônibus. Assim, o juízo de primeiro grau determinou que a empresa cumprisse as normas e a condenou ao pagamento da indenização. A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG), que entendeu que a condenação serviria para evitar novas violações e desestimular condutas semelhantes por outros empregadores.
Dano moral coletivo
A relatora do recurso da Anchieta, ministra Maria Helena Mallmann, explicou que, de acordo com o TRT, ficou comprovado que a empresa não observou as normas de higiene e proteção da saúde do trabalhador, previstos na NR 24 e não conseguiu desconstituir as conclusões dos auditores fiscais, do engenheiro de segurança do MPT e da perita judicial.
Segundo a relatora, a jurisprudência do TST prevê que é responsabilidade do empregador garantir meio ambiente ecologicamente equilibrado, além de outros direitos que visem à melhoria da condição social do trabalhador, independentemente da natureza externa do trabalho prestado, como no caso dos motoristas de ônibus.
O recurso ficou assim ementado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.015/2014. PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ART. 896, § 1 . º-A, IV, DA CLT . Nos termos do art. 896, § 1 . º -A, IV, da CLT, sob pena de não conhecimento, é ônus da parte transcrever na peça recursal, no caso de suscitar preliminar de nulidade de julgado por negativa de prestação jurisdicional, o trecho dos embargos declaratórios em que foi pedido o pronunciamento do tribunal sobre questão veiculada no recurso ordinário e o trecho da decisão regional que rejeitou os embargos quanto ao pedido, para cotejo e verificação, de plano, da ocorrência da omissão. No caso, a parte não transcreveu o trecho da petição de embargos de declaração, tampouco o trecho do respectivo acórdão de modo a viabilizar o cotejo e a verificação da omissão alegada, pelo que, à luz do princípio da impugnação específica, não se desincumbiu do seu ônus de comprovar a negativa de prestação jurisdicional. Agravo de instrumento a que se nega provimento .
TUTELA INIBITÓRIA. OBRIGAÇÕES DE FAZER. EMPRESA DE TRANSPORTE COLETIVO DE PASSAGEIROS. INADEQUAÇÃO DAS CONDIÇÕES SANITÁRIAS E DE CONFORTO NOS PONTOS DE CONTROLE. NORMA REGULAMENTAR 24 DO MTE. 1. A tutela inibitória, por meio da concessão de tutela específica (obrigação de fazer ou não fazer), é importante instrumento de prevenção de violação de direitos individuais e coletivos ou a reiteração dessa violação, com o fito de evitar a prática, a repetição ou continuação de ato ilícito. 2. No caso, o Tribunal Regional registrou que a reclamada, empresa de transporte público urbano, descumpre reiteradamente a Norma Regulamentar 24 do MTE, o que foi constatado pelos Auditores Fiscais do Trabalho, pelo Engenheiro de Segurança e pela perita do juízo. Segundo se verifica do acórdão, a prova produzida revelou a precariedade das instalações sanitárias e locais para refeição, tais como instalações sanitárias não separadas por sexo, ausência de higienização permanente nas instalações sanitárias, ausência de lavatórios e/ou material de limpeza e secagem das mãos, ausência de bebedouro de jato inclinado, utilização de copos coletivos, ausência de local adequado para refeições e equipamento para aquecê-las. 3. Cumpre ressaltar que o s elementos de prova colhidos nos autos do inquérito civil público possuem valor probante relativo, cabendo ao juiz confrontá-los com as demais provas produzidas nos autos. Na hipótese, todavia, segundo consignou o Tribunal Regional, a reclamada não logrou produzir contraprova hábil a desconstituir as conclusões exaradas pelos Auditores Fiscais do Trabalho, pelo Engenheiro de Segurança do MPT e pela perita do juízo. 4. Nesse contexto, mostra-se útil e necessário o provimento inibitório concedido nas instâncias ordinárias a fim de compelir a reclamada ao cumprimento de normas regulamentares atinentes ao conforto e higiene no ambiente de trabalho, pois é justificado o receio de que os atos ilícitos já praticados venham a se repetir. 5. Por fim, registre-se que para aferir a tese da reclamada, no sentido de que cumpre com as normas de segurança previstas na NR 24 do MTE, necessário seria o revolvimento do conteúdo fático-probatório, procedimento defeso nesta fase recursal, nos termos da Súmula 126/TST. Agravo de instrumento a que se nega provimento .
DANO MORAL COLETIVO. INADEQUAÇÃO DAS CONDIÇÕES SANITÁRIAS E DE CONFORTO NOS POSTOS DE TRABALHO. NORMA REGULAMENTAR 24 DO MTE. 1. Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo MPT com pedido de indenização por danos morais coletivos em razão da inobservância de normas de higiene e conforto no ambiente de trabalho. 2. Segundo consta do acórdão, ficou comprovado nos autos, que a ré não observou os ditames legais no que concerne à higiene e proteção da saúde do trabalhador, previstos na Norma Regulamentadora 24, que trata das condições sanitárias e de conforto nos locais de trabalho. 3. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, independentemente da natureza externa do trabalho prestado, como nos casos de motorista de ônibus, é do empregador, seja diretamente ou por meio de parceria, a responsabilidade de garantir meio ambiente ecologicamente equilibrado, além de outros direitos que visem à melhoria da condição social do trabalhador, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, em face do disposto nos artigos 6 º, 7 º, XXII, e 225, V, da CR e 157, I, da CLT e da própria NR-24. Precedentes. 4. O entendimento jurisprudencial predominante desta Corte Superior é o de que a prática de atos antijurídicos, em completo desvirtuamento do que preconiza a legislação, além de causar prejuízos individuais aos trabalhadores, configura ofensa ao patrimônio moral coletivo, sendo, portanto, passível de reparação por meio da indenização respectiva, nos termos dos artigos 186 do Código Civil, 5 . º, inciso V, da Constituição Federal e 81 da Lei n.º 8.078/1990. Agravo de instrumento a que se nega provimento .
DANO MORAL COLETIVO. QUANTUM ARBITRADO . A jurisprudência do TST é no sentido de que a mudança do quantum indenizatório a título de danos morais somente é possível quando o montante fixado na origem se mostra ínfimo ou exorbitante, em flagrante violação aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Todavia, tal situação não se verifica no caso concreto, pois, considerando o porte econômico da ré, a gravidade dos atos ilícitos, o grau de culpa e o caráter pedagógico, a condenação em R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) observa os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Agravo de instrumento a que se nega provimento .
A decisão foi unânime.
Processo: AIRR-11189-78.2016.5.03.0139