A cota deve ser calculada pelo número total de empregados vinculados ao seu CNPJ
A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o exame do recurso da GR Serviços e Alimentação Ltda., de Manaus (AM), contra condenação de R$ 100 mil por descumprir a cota legal de contratação de aprendizes. Segundo o colegiado, o critério adotado para a base de cálculo deve ser o número de empregados vinculados ao CNPJ da empresa, e não aos estabelecimentos para os quais ela presta serviços.
Cotas
Segundo o artigo 429 da CLT, as empresas de qualquer natureza são obrigadas a contratar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem um número de aprendizes entre 5% a 15%, com idade entre 14 e 24 anos. O percentual leva em conta o número de pessoas em cada estabelecimento pertencente à empresa em funções que demandem formação profissional.
Nenhum aprendiz
Na ação civil pública, o Ministério Público do Trabalho (MPT) requereu o cumprimento da cota e pediu a condenação da empresa ao pagamento de indenização de R$ 100 mil por dano moral coletivo. Como fundamentação, apresentou auto de infração que, com base no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) de 2019, registrou que, embora tivesse 588 empregados vinculados a seu CNPJ, a empresa não havia contratado nenhum aprendiz, quando deveria ter no mínimo 30.
Ainda segundo o MPT, a GR havia sido convocada a participar de audiências públicas e coletivas para receber orientações sobre como proceder para a contratação dos aprendizes. Por ter se mantido inadimplente quanto ao cumprimento da cota legal, passou a ser fiscalizada, e o descumprimento motivou a ação.
Base de cálculo
Em defesa, a empresa sustentou que não contratava aprendizes porque não havia cursos de capacitação voltados para a produção de alimentos nos Serviços Nacionais de Aprendizagem de Manaus. Argumentou, ainda, que o número de funções indicadas na base de cálculo (588) estaria equivocado, pois deveriam ser excluídas as funções de chefe de cozinha, supervisor de operações e técnico de meio ambiente.
Unidades autônomas
O terceiro argumento foi o de que a quantidade de funções dizia respeito a empregados de estabelecimentos distintos, que não poderiam ser reunidos. Segundo esse raciocínio, a GR fornece refeições ou lanches a 34 clientes, e cada um seria um estabelecimento independente, com equipe, equipamentos e matéria-prima próprios. Assim, a cota de aprendizagem deveria ter sido calculada em cada um desses 34 estabelecimentos, em vez de se somar a totalidade dos empregados contratados pelo mesmo CNPJ.
Extinção do processo
O juízo de primeiro grau extinguiu o processo, sob a justificativa de que o auto de infração não havia contabilizado os profissionais lotados por unidade e com as respectivas funções, o que teria gerado erro no cálculo da cota.
Indenização
Contudo, o Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (AM/RR) concluiu que, no cálculo, devem ser considerados apenas os estabelecimentos que pertencem à empresa, e não os locais das empresas tomadoras de serviço. Quanto ao critério para a exclusão de postos, entendeu que o que deve ser levado em consideração é o fato de a função não demandar formação profissional, situação em que não se enquadram as de chefe de cozinha, supervisor de operações e técnico de meio ambiente.
O TRT, então, condenou a empresa a pagar indenização por danos morais coletivos de R$100 mil, em favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), além de contratar aprendizes observando a cota.
Relevância
O relator do recurso de revista da GR, ministro Augusto César, destacou a relevância jurídica do tema, que, segundo ele, ainda não foi enfrentado no TST. Ele observou que, de acordo com o TRT, esse debate a respeito de vários estabelecimentos é impertinente, porque a empresa só tem um estabelecimento. “Ela não pode se valer do fato de que terceiriza para vários locais da Amazônia para querer que o artigo 429 seja levado em consideração no tocante a cada estabelecimento das tomadoras de serviço”, explicou.
De acordo com o ministro, isso reduziria em muito a obrigação de contratar aprendizes. “A empresa poderia ter mil empregados e não precisar cumprir cota porque, em cada tomadora, tem uma quantidade pequena”, explicou. “Tem de levar em consideração todos os empregados atrelados a ela”.
O recurso ficou assim ementado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA. Da leitura do acórdão recorrido extrai-se a manifestação expressa do TRT acerca das indagações da reclamada, dentre elas, as funções que deveriam ser incluídas no cálculo da cota de aprendizes. O TRT também explicitou as razões pelas quais entendeu que , na base de cálculo da cota de aprendizes, deveriam ser considerados o número de empregados vinculados ao mesmo CNPJ, expondo os fundamentos pelos quais rejeitou o argumento de que deveriam ser considerados o número de estabelecimentos da empresa reclamada. Por fim, o TRT pronunciou-se a respeito do argumento de inexistência de curso voltado à produção de alimentos no SENAC, registrando que “n ão há nos autos qualquer prova de que a recorrida efetivamente buscou o apoio de entidades de ensino”. Verifica-se, assim, que manifestação houve, ainda que contrária aos interesses da empresa. Tendo sido apresentado todos os fundamentos apontados, não se verifica a transcendência da matéria, tampouco a alegada negativa de prestação jurisdicional. Incólumes os artigos 93, IX, da Constituição Federal e 832 da CLT. Transcendência não reconhecida. Agravo de instrumento não provido.
AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMADA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTRATAÇÃO DE APRENDIZES. BASE DE CÁLCULO DA COTA: NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS x CNPJ DA RECLAMADA. TRANSCENDÊNCIA RECONHECIDA .
1. Tratam os autos de ação civil pública ajuizada com o objetivo de compelir a reclamada à obrigação de fazer consistente na contratação de aprendizes, de modo a cumprir a cota estabelecida no artigo 429 da CLT. Do acórdão regional é possível extrair a informação de que a reclamada é uma empresa do ramo alimentício que presta serviços para outras empresas e que para desenvolver sua atividade econômica, utiliza-se de mão de obra própria que executa suas atividades nos refeitórios situados nas empresas tomadoras de serviços. Consta da decisão recorrida que o auditor do trabalho verificou que nos quadros funcionais da empresa existem 588 (quinhentas e oitenta e oito) funções que demandam formação profissional, e que a cota de aprendizes a ser preenchida seria de trinta empregados.
2. Em razões recursais a reclamada se insurge contra a decisão do TRT que acolheu o pedido do Ministério Público. Argumenta que o número de funções indicadas pelo parquet estaria equivocado, haja vista que teria sido adotada uma base de cálculo que levou em conta o número de funções vinculadas ao CNPJ da empresa, sem considerar a existência de estabelecimentos distintos.
3 . Percebe-se, portanto, que a controvérsia cinge-se ao debate acerca do critério adotado no cálculo do número de aprendizes a serem contratados na cota estabelecida no artigo 429 da CLT, a saber: se o número de estabelecimentos da empresa ou se deveria ser considerado o CNPJ único da empresa. Verifico que a matéria apresenta relevância jurídica, uma vez que se trata de questão ainda não enfrentada no âmbito desta Corte Superior. Reconhece-se a transcendência jurídica.
4. A literalidade do artigo 429 da CLT não deixa dúvidas de que o percentual equivalente a 5%, no mínimo, e 15%, no máximo, deve incidir sobre o número de trabalhadores existentes em cada estabelecimento da empresa. No entanto, a Corte regional pontuou que, para efeito do cálculo da cota estabelecida no artigo 429 da CLT, devem ser considerados apenas os estabelecimentos pertencentes à própria reclamada, e não aqueles estabelecimentos das empresas tomadoras de serviço. Claro está que p ara desenvolver sua atividade econômica, a reclamada utiliza-se de mão de obra própria nos refeitórios situados nas empresas tomadoras de serviços. Por essa razão, no cálculo elaborado não devem ser considerados os trabalhadores que executam suas atividades nos refeitórios das tomadoras de serviço, haja vista que os estabelecimentos a que alude o artigo 429 da CLT só podem se referir àqueles pertencentes ao próprio empregador. Uma vez registrado que o único estabelecimento que a reclamada dispõe é aquele vinculado ao seu CNPJ, correta a decisão Regional que o considerou para fins de cálculo da cota prevista no artigo 429 da CLT. Transcendência reconhecida. Agravo de instrumento não provido.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTRATAÇÃO DE APRENDIZES. FUNÇÕES INCLUÍDAS NA BASE DE CÁLCULO DA COTA ESTABELECIDA NO ARTIGO 429 DA CLT. DECISÃO AMPARADA NA CLASSIFICAÇÃO BRASILEIRA DE OCUPAÇÕES – CBO. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA.
Em razões recursais a reclamada requer a exclusão de algumas funções da base de cálculo da cota de aprendizes. No entanto, verifica-se que o TRT indeferiu a pretensão da reclamada ao fundamento de que ” d e acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações, as demais funções citadas demandam formação profissional e devem ser incluídas na base de cálculo para fins de contratação dos aprendizes .”. Longe de contrariar a jurisprudência desta Corte superior, o TRT assentou tese consonante, no sentido de que, as funções incluídas na base de cálculo devem exigir formação profissional, nos termos do artigo 429 da CLT, e não podem estar inseridas dentre as exceções previstas no artigo 10, § 1º, do Decreto 5.598/2005. Não existindo qualquer justificativa para excluir os empregados os quais exercem a mencionada função da base de cálculo do número de aprendizes a serem contratados, a decisão regional deve ser mantida. O exame prévio dos critérios de transcendência do recurso de revista revela a inexistência de qualquer deles a possibilitar o exame do apelo no TST. Transcendência não reconhecida. Agravo de instrumento não provido.
DANO MORAL COLETIVO – CONFIGURAÇÃO. DESCUMPRIMENTO DO ARTIGO 429 DA CLT. QUANTUM INDENIZATÓRIO. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA.
1. In casu , o TRT deu provimento ao recurso do Ministério Público para reconhecer que a reclamada descumpre o preceito contido no artigo 429 da CLT, referente à obrigatoriedade de contratação de aprendizes. Fixou em R$ 100.000,00 (cem mil reais) a indenização por danos morais coletivos.
2. O reconhecimento do dano moral coletivo não se vincula ao sentimento de dor ou indignação no plano individual de cada pessoa a qual integra a coletividade, mas, ao contrário, relaciona-se à transgressão do sentimento coletivo, consubstanciado no sofrimento e indignação da comunidade, grupo social, ou determinada coletividade, diante da lesão coletiva decorrente do descumprimento de preceitos legais e princípios constitucionais. Assim, a lesão a direitos transindividuais, objetivamente, se traduz em ofensa ao patrimônio jurídico da coletividade, que precisa ser recomposto.
3. A conduta deliberadamente irregular da empresa está demonstrada de forma incontroversa desde a petição inicial, havendo reconhecimento da própria empresa de que não promoveu a contratação de aprendizes. Portanto, fica claro o dano moral coletivo, em face do descumprimento do artigo 429 da CLT, em flagrante fraude às tutelas constitucionais, dentre elas o direito à profissionalização de jovens e adolescentes.
4 . A caracterização do dano moral coletivo, pois, independe de lesão subjetiva a cada um dos componentes da coletividade, mas sim à repulsa social a que alude o art. 6º do CDC. E mesmo em casos de ato tolerado socialmente – por tradições culturais ou costumes regionais, por exemplo -, é possível verificar a ocorrência do dano moral coletivo, decorrente de lesão intolerável à ordem jurídica. Assim, seja pela ótica da repulsa social, seja no âmbito da afronta à ordem jurídica, a caracterização do dano moral coletivo prescinde da análise de lesão a direitos individuais dos componentes da respectiva comunidade.
4. A jurisprudência desta Corte Superior segue no sentido de que a alteração do quantum indenizatório a título de danos morais, seja em ação coletiva, seja em ação individual, somente é possível quando o montante fixado na origem se mostra ínfimo ou estratosférico, em flagrante violação aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, circunstância que não se verifica no caso concreto.
5. O exame prévio dos critérios de transcendência do recurso de revista revela a inexistência de qualquer deles a possibilitar o exame do apelo no TST. A par disso, irrelevante perquirir a respeito do acerto ou desacerto da decisão agravada, dada a inviabilidade de processamento, por motivo diverso, do apelo anteriormente obstaculizado. Transcendência não configurada. Agravo de instrumento não provido.
ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONCEDIDA PELO JUÍZO ORDINÁRIO. In casu , é incontroverso que o preceito contido no artigo 429 da CLT foi descumprido pela reclamada. Logo, a decisão que a condena ao cumprimento de obrigação de fazer consistente na contratação da cota de aprendizes prevista no artigo 429 da CLT está em total consonância com a jurisprudência firmada no âmbito desta Corte Superior. A considerar os efeitos deletérios que o descumprimento do preceito contido no artigo 429 traz para a sociedade, espera-se do magistrado uma atuação que garanta a eficácia de suas decisões, aplicando as regras do Direito Processual que vise garantir efetividade às decisões judiciais, especialmente aquelas que buscam garantir à coletividade o cumprimento da Lei, e em consequência, a efetividade de seus direitos. O exame dos critérios de transcendência do recurso de revista revela a inexistência de qualquer deles a possibilitar o exame do apelo no TST. Transcendência não reconhecida e agravo de instrumento não provido.
A decisão foi unânime. Contra ela, a empresa opôs embargos de declaração, ainda não julgados.
Processo: AIRR-212-47.2020.5.11.0015