Sexta Turma do TRF3 confirma sentença e condena União pelo erro
A Administração Pública deve ser responsabilizada pela emissão em duplicidade do mesmo número de Cadastro de Pessoa Física (CPF) para homônimos. Com esse entendimento, a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) confirmou sentença da 1ª Vara Federal de Osasco (SP) que havia concedido indenização por dano moral, no valor de R$ 20 mil, a um morador do município cujo documento emitido em duplicidade gerou transtornos durante catorze anos.
Para a relatora do processo no TRF3, desembargadora federal Diva Malerbi, a União deve ser responsabilizada, pois a conduta de um de seus órgãos de forma negligente e imprudente gerou graves transtornos ao autor da ação.
“O fato de ter sido impedido de praticar atos da vida normal de qualquer cidadão, como obter um cartão de crédito, e ter que registrar ocorrência policial para se resguardar de problemas ainda maiores, não é situação de mero dissabor, tampouco a aflição de saber que essa situação pode se repetir inúmeras vezes, enquanto o órgão público responsável leva quase catorze anos para resolver o problema”, ressaltou a magistrada.
Após a condenação de primeiro grau, a União ingressou com recurso, alegando que a situação não passou de mero dissabor e que os danos deveriam ser atribuídos a terceira pessoa, o homônimo.
No entanto, para a relatora do processo, a responsabilidade da União é objetiva, pois cabe exclusivamente a ela a inclusão, a exclusão, o controle e a fiscalização do Cadastro Pessoa Física. A magistrada acrescentou, como prevê Instrução Normativa SRF nº 864/2008, que o documento é único e exclusivo: “o número de inscrição no CPF é atribuído à pessoa física uma única vez, sendo de uso exclusivo desta, vedada, a qualquer título, a solicitação de uma segunda inscrição”.
No que se refere à alegação da União de que houve fato de terceiro, a magistrada salientou que, se terceira pessoa agiu em face do que constava de documento oficial expedido pela Receita Federal, a União deveria ter tomado as providências necessárias para coibir a irregularidade, tanto do ponto de vista administrativo como judicial, o que não exclui a sua responsabilidade.
A desembargadora federal acrescentou que os documentos demonstraram de forma incontestável o abalo moral que a situação acarretou ao autor, levando-o, inclusive, a adotar providências policiais para resguardar a sua imagem perante a sociedade. Ela lembrou que o dano moral ocorre justamente quando a conduta antijurídica do agente supera, de forma intolerável, os valores morais, causando transtorno e perturbação grave, que macula a imagem e a honra do ofendido.
Por fim, a Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação da União, para manter a sentença, por seus próprios fundamentos.
O recurso ficou assim ementado:
APELAÇÃO CIVIL. DANO MORAL. DUPLICIDADE DE NÚMERO DO CPF. IMPEDIMENTO PARA PRATICAR ATOS DA VIDA NORMAL DE QUALQUER CIDADÃO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CULPA EXCLUSIVA DE TERCEIRO. NÃO COMPROVADA. DANO, EVENTO DANOSO E NEXO DE CAUSALIDADE. DEMONSTRADOS. DEVER DE INDENIZAR, POR DANOS MORAIS. CARACTERIZADO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. SENTENÇA MANTIDA.
1. Cinge-se a controvérsia em apurar se a responsabilidade pelos transtornos e aflições suportadas pelo autor, em razão da duplicidade de número do Cadastro de Pessoa Física – CPF deve ser atribuída à ré, ensejando a condenação no dever de indenizar, por danos morais.
2. De plano há que se reconhecer que, de fato, ocorreu a duplicidade do número do CPF atribuído ao autor, uma vez que também pertencia outro contribuinte, conforme consta do conjunto probatório existente nos autos e reconhecido pela União Federal.
3. O CPF não é documento de identificação do cidadão, depende da análise conjunta de outros documentos para confirmar a identidade de seu titular. Portanto, a alegação da União de que o homônimo “era quase idêntico”, por ter o mesmo nome e a mesma data de nascimento não procede. O cadastro do CPF possui, obrigatoriamente e por determinação legal, outras inúmeras informações que são absolutamente suficientes para infirmar a distinção entre um contribuinte e outro, como dispõe a Instrução Normativa SRF nº 190, de 2002, e todas as demais que a sucederam, como a IN SRF nº 461, de 2004 e a IN SRF nº 864, de 2008.
4. No que se refere à alegação da ré de que houve fato de terceiro, cabe salientar que, se terceira pessoa agiu em face do que constava de documento oficial expedido pela Receita Federal e se esse fato atingiu o autor, compete à União as providências necessárias para coibir esse tipo de irregularidade, tanto do ponto de vista administrativo como judicial, o que não exclui a sua responsabilidade que, na espécie, é objetiva.
5. No que diz respeito à comprovação dos danos, esperar por quase 14 anos para que a Administração Pública regularize a situação de um cadastro que é único, exclusivo e alimentado, alterado, controlado e fiscalizado por ela administração, não é hipótese de mero dissabor.
6. O dano moral ocorre justamente quando a conduta antijurídica do agente supera, de forma intolerável, os valores morais, causando transtorno, perturbação grave que macula a imagem e honra do ofendido. Trata-se de dano que atinge a esfera subjetiva, o íntimo da personalidade humana com reflexo nos valores da sociedade em que vive e atua, podendo atingir a sua reputação e imagem. São agressões à parcela afetiva e social da personalidade do indivíduo. Assim, o fato de ter sido impedido de praticar atos da vida normal de qualquer cidadão, como obter um cartão de crédito, porque outra pessoa, com o mesmo número do CPF, já o tinha feito perante a mesma instituição, tendo que registrar ocorrência policial para se resguardar de problemas ainda maiores, não é situação de mero dissabor, tampouco a aflição de saber que essa situação pode se repetir inúmeras vezes, enquanto o órgão público responsável, uma vez notificado do problema, leva quase 14 anos para resolver o problema por ele mesmo criado. Diante disso, comprovado o dano, o evento danoso e o nexo de causalidade entre a omissão da União Federal e a ocorrência do evento danoso, configurada, portanto, a hipótese de condenação no dever de indenizar por danos morais.
7. No que diz respeito à correção monetária e a incidência de juros de mora, observe-se o disposto no Tema 905 e na Súmula 54, ambos do C. STJ.
8. Nega-se provimento à remessa necessária e à apelação da União, para manter a r. sentença, por seus próprios fundamentos.
Apelação/Remessa Necessária nº 0007482-92.2015.4.03.6130