Em contrato de compra e venda de imóvel, é lícito às partes estipular correção monetária das parcelas pela Selic

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) que considerou abusiva a previsão de correção pela taxa Selic em contrato de compra e venda de imóvel. Segundo os ministros, se essa taxa estiver prevista para a correção das parcelas, nada impede que seja convencionada a incidência de juros de mora.

De acordo com os autos, foi ajuizada ação revisional de contrato de compra e venda de imóvel com pedido de indenização, sob o argumento de que algumas cláusulas contratuais seriam abusivas – entre elas, a que previa a Selic como índice de correção.

A sentença julgou abusiva a aplicação da taxa e determinou a sua substituição pelo IGP-M, além da restituição dos valores. Também foram reduzidos os juros de mora e a cláusula penal. O TJMS manteve a decisão.

No recurso especial, a empresa vendedora sustentou que não há ilegalidade na correção pela Selic, a qual visa recompor o valor da moeda e remunerar a concessão do parcelamento.

Juros remuneratórios e moratórios podem incidir em um mesmo contrato

A relatora, ministra Nancy Andrighi explicou que, enquanto a correção monetária serve para recompor o poder da moeda diante da inflação, os juros podem ter tanto a finalidade de recompensar o credor (remuneratórios ou compensatórios) quanto a de indenizar pelo atraso no pagamento da dívida (moratórios).

A ministra observou que, por terem finalidades distintas, os juros remuneratórios e os moratórios podem incidir em um mesmo contrato. Ela também destacou o entendimento da Segunda Seção do STJ no EREsp 670.117, de que é legal, na venda de imóvel na planta, a cobrança de juros compensatórios antes da entrega das chaves.

De acordo com Nancy Andrighi, a taxa Selic, por abranger juros e correção monetária, não pode ser cumulada com juros remuneratórios, mas isso não impede a cobrança de juros de mora, no caso de atraso no pagamento.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO C⁄C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. PACTUAÇÃO DE INCIDÊNCIA DA TAXA SELIC COMO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA DAS PARCELAS. ABUSIVIDADE. INEXISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE CUMULAÇÃO COM JUROS REMUNERATÓRIOS.
1. Ação revisional de contrato c⁄c indenização por danos materiais e morais ajuizada em 14⁄02⁄2019, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 30⁄05⁄2022 e concluso ao gabinete em 11⁄07⁄2022.
2. O propósito recursal consiste em definir se é possível a utilização da taxa Selic como índice de correção monetária das parcelas ajustadas em contrato de compra e venda de imóvel.
3. A correção monetária serve para recompor o poder aquisitivo original da moeda, corroído pelos efeitos da inflação, nada acrescentando ao seu valor.  Por sua vez, os juros têm a natureza de frutos civis e constituem obrigação acessória dos contratos onerosos, com fins de recompensar o credor ou de ressarcir a demora no pagamento do débito. Eles se subdividem em duas espécies: a) os remuneratórios ou compensatórios, cuja função é remunerar o credor pela privação do seu capital e b) os moratórios, que têm o papel de indenizar o credor pelo atraso no pagamento da dívida.
4. A taxa SELIC abrange juros e correção monetária. Em razão disso, não pode ser cumulada a nenhum outro índice que exprima tais consectários. Precedentes. Assim, se for pactuada a incidência da taxa Selic a título de correção monetária das parcelas contratuais, não será possível cumulá-la com juros remuneratórios, uma vez que os juros já estão englobados nesse índice. Isso não impedirá, contudo, a estipulação de juros de mora, já que possuem finalidade distinta dos juros remuneratórios.
5. Na espécie, o contrato de compra e venda celebrado entre as partes prevê a incidência da taxa Selic a título de correção monetária das parcelas do contrato, sem a incidência cumulativa de juros remuneratórios. A previsão contratual não é, portanto, abusiva. Somente haveria que se falar em abusividade se houvesse convenção de incidência simultânea de correção monetária das parcelas pela taxa Selic e de juros remuneratórios, pois se estaria diante de verdadeiro bis in idem.
6. Recurso especial conhecido e provido.

Para a magistrada, só se poderia falar de cláusula abusiva se houvesse incidência simultânea de correção monetária das parcelas pela taxa Selic e de juros remuneratórios, “pois se estaria diante de verdadeiro bis in idem“.

Leia o acórdão no REsp 2.011.360.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 2011360

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