No intuito de ser reembolsado do valor pago na aquisição de endoprótese, um paciente acionou a Justiça Federal contra uma operadora de plano de saúde após o requerente ter o fornecimento do material recusado.
A operadora do plano justificou a recusa afirmando que o contrato não prevê a cobertura da prótese, não podendo, dessa forma, a empresa arcar com equipamento não previsto no instrumento contratual.
Para a 6ª Turma do TRF1, a cláusula que restringe o custeio de prótese ou órtese é abusiva, tendo em vista que os equipamentos são indispensáveis para o êxito do procedimento médico ou cirúrgico coberto pelo plano de saúde.
“Sob a ótica dos princípios gerais dos contratos, a tese defensiva afronta a própria lógica do direito por ser inadmissível que operadoras de plano de saúde, instadas a custearem uma angioplastia, invoquem cláusula restritiva ao fornecimento de materiais e equipamentos para justificarem a negativa de utilização de dispositivo imprescindível para o sucesso do procedimento coberto pelo plano de saúde”, ressaltou a juíza federal Sônia Diniz Viana, relatora em regime de auxílio de julgamento a distância.
Nesses termos, o Colegiado reconheceu a nulidade da cláusula, determinando o ressarcimento dos valores utilizados pelo autor na aquisição da endoprótese.
O recurso ficou assim ementado:
APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. CLÁUSULA LIMITATIVA DE FORNECIMENTO DE PRÓTESES E ÓRTESES (STENT) INDISPENSÁVEIS AO ÊXITO DO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO COBERTO PELO CONTRATO. ABUSIVIDADE. RECUSA INDEVIDA. RESSARCIMENTO DO VALOR DESPENDIDO PELO PACIENTE NA AQUISIÇÃO DO MATERIAL DEVIDO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE A CAA/MG E A UNIMED-BH. ISENÇÃO DA CAA/MG QUANTO AO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS. RECONHECIMENTO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.
I. A parte autora pretende obter o reembolso do valor pago na aquisição de endoprótese (stent) utilizada em procedimento médico de angioplastia a que foi submetido, tendo em vista a negativa de cobertura pelas requeridas, no âmbito do contrato de plano de saúde firmado entre as partes.
II. Quanto à legitimidade ad causam, cumpre registrar que a Unimed-BH, por atuar contratualmente como prestadora de serviços médicos e hospitalares no âmbito do plano de saúde disponibilizado pela Caixa de Assistência dos Advogados de Minas Gerais, possui legitimidade para figurar no polo passivo da demanda, conforme precedentes deste Tribunal (TRF-1ª Região, Sexta Turma, Apelação Cível n. 0000171-95.2006.4.01.3810, Rel. Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro, publicado em 09/06/2016). Por outro lado, entendo que a Unimed Uberaba deve ser excluída do polo passivo da lide. Embora seja pessoa jurídica integrante do Sistema Unimed, a referida cooperativa não figurou como parte no contrato de plano de saúde acostado aos autos. Além disso, não foi responsável pela negativa de cobertura do fornecimento do stent, limitando-se a sua atuação, por razões de comodidade e proximidade do domicílio do autor, ao recebimento e encaminhamento do pedido de autorização por ele apresentado à Unimed-BH.
III. O Superior Tribunal de Justiça já se posicionou no sentido de que se mostra abusiva a cláusula restritiva de direito que prevê o não custeio de prótese ou órtese, imprescindível para o êxito do procedimento médico ou cirúrgico coberto pelo plano, sendo indiferente se o material é importado ou não.
IV. O contrato de plano de saúde possui, em regra, natureza de relação jurídica de consumo, a teor do disposto nos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor. Ademais, a jurisprudência pátria consolidou o entendimento de que a tal espécie contratual aplica-se o diploma consumerista, salvo se administrado por entidade de autogestão, tendo sido editado, a propósito, o enunciado da súmula 608 do Superior Tribunal de Justiça. O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, adotou concepção ampla de fornecedor, de maneira a alcançar todos aqueles que constem da cadeia de consumo, ainda que não prestem diretamente os serviços contratados, bastando haver, em qualquer caso, remuneração. Ainda que o papel da CAA/MG fosse de mera intermediação do plano de saúde, não se pode desconsiderar a Cláusula n. 7.10, do contrato firmado entre ela e a Unimed-BH, que assim dispõe: “Fica acertado, outrossim, que a 1ª (primeira) parcela da mensalidade dos planos novos que vierem a ser vendidos pela OPERADORA ser-lhe-ão creditadas a título de comissão de vendas.” (fl. 141). Logo, ainda que a CAA/MG, ao fornecer o serviço de assistência, via plano de saúde operado pela Unimed-BH, não possua intuito lucrativo, é remunerada pela consecução da mencionada atividade, motivo pelo qual pode ser considerada fornecedora, ainda que não seja considerada pela ANS como operadora de plano de saúde, o que de fato não é, já que contratou a prestação de serviços da Unimed-BH com tal intento.
V. Ainda que se afirme que a cláusula 5.1 preveja que “as autorizações dos procedimentos solicitados pelos médicos cooperados da PRESTADORA serão efetuados pela OPERADORA”, ou seja, pela CAA/MG, o fato é que os documentos acostados aos autos indicam, em termos práticos, que tais autorizações eram feitas pela Unimed-BH, após avaliação de seu corpo médico. Tendo em vista sua condição de prestadora de serviço de plano de saúde, e, em se tratando este de relação de consumo, como já afirmado anteriormente, recebendo a devida remuneração para prestá-lo, deve responder solidariamente pelas falhas na sua prestação, a teor do próprio artigo 14 do CDC. Vale lembrar que as requeridas podem discutir, entre si, a extensão da culpa de cada qual e os efeitos da respectiva atribuição de responsabilidades no rateio do quantum indenizatório. Contudo, tal prerrogativa não é oponível ao autor, que tem direito de exigir de ambas a integralidade da prestação.
VI. Não merece prosperar, também, o argumento de que a responsabilidade das rés ficaria afastada, pelo fato de o contrato ser anterior à Lei n. 9.656/1998 e não prever expressamente o fornecimento de stents. Ora, na realidade, a procedência do pedido de ressarcimento pecuniário impõe-se, mesmo que não apreciada a questão controvertida com base na Lei n. 9.656/1998 ou mesmo no Código de Defesa do Consumidor. Isso porque, sob a ótica dos princípios gerais dos contratos, a tese defensiva afronta a própria lógica do direito, por ser inadmissível que, instadas a custearem uma angioplastia, invoquem cláusula restritiva ao fornecimento de materiais e equipamentos para justificar a negativa de utilização de dispositivo (stent) imprescindível para o sucesso do procedimento coberto pelo plano de saúde.
VII. Esta E. Corte pacificou o entendimento no sentido de que é inaplicável a presunção de miserabilidade prevista no art. 4º da Lei nº 1.060/1950 às pessoas jurídicas, incluídas aquelas sem fins lucrativos, devendo ser demonstrada a incapacidade de pagamento das despesas processuais, o que não ocorreu no caso em apreço. Assim, não é possível deferir o pleito de gratuidade de justiça formulado pela CAA/MG. Por outro lado, tendo em vista que a Ordem dos Advogados do Brasil possui natureza jurídica autárquica e a CAA/MG nada mais é do que órgão da mencionada entidade profissional, nos termos do art. 45, IV da Lei nº 8.906/1994, é de ser-lhe reconhecida isenção de custas nos mesmos termos em que concedida a outras autarquias. Contudo, isso não exonera a CAA/MG de devolver os valores eventualmente recolhidos a título de custas pela parte autora, já que esta se sagrou vitoriosa na presente demanda, ou, ainda, do pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, a teor do que dispõe o art. 4º, § 1º, da Lei nº 9.289/1996.
VIII. Primeira apelação parcialmente provida. Segunda apelação desprovida. Terceira apelação provida.
Processo: 0004608-77.2004.4.01.3802