Dispensa de trabalhadora com câncer logo após retorno de licença é considerada discriminatória

A 15ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região condenou uma empresa do setor do varejo a pagar indenização de cerca de R$ 6 mil por danos morais a uma trabalhadora demitida pouco após retornar de tratamento de câncer. Além disso, a autora deverá ser reintegrada, com o pagamento de salários do período desde a dispensa até a efetiva reintegração.

Em sua defesa, a reclamada alegou que não houve configuração de dispensa discriminatória, pois a doença em questão não tinha a ver com o trabalho. Argumentou também que a doença não era grave, nem estigmatizante. Mas o colegiado levou em consideração o fato de que a trabalhadora passou por cirurgia, quimioterapia e afastamento previdenciário superior a dois anos, tendo sido dispensada cerca de um mês após o seu retorno.

Segundo o juiz-relator, Marcos Neves Fava, “alguém acometido de câncer de gravidade tal a exigir cirurgia, quimioterapia e afastamento médico previdenciário superior a dois anos está, indisfarçavelmente, vitimado de doença grave e estigmatizante”. Acrescentou, ainda, que o obreiro que passa por situação parecida não retorna integralmente apto para a integralidade dos seus esforços, tendo risco das recidivas da doença.

O magistrado também negou recurso da reclamada contra a condenação ao pagamento por dano moral e relacionou os requisitos para a atribuição dessa responsabilidade à empresa: a dispensa ilícita de pessoa gravemente adoentada, o dano pela perda da fonte de subsistência em momento delicado e o nexo entre os dois fatos.

O recurso ficou assim ementado:

DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. CÂNCER. NECESSIDADE DE CIRURGIA, QUIMIOTERAPIA E AFASTAMENTO PREVIDENCIÁRIO SUPERIOR A DOIS ANOS. CONFIGURAÇÃO. PERÍCIA MÉDICA. DESNECESSIDADE. ORIGEM LABORAL. IRRELEVÂNCIA. HORIZONTALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. REINTEGRAÇÃO DEVIDA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. EMBARGOS PROCRASTINATÓRIOS. MULTA MANTIDA. Beira o cinismo a alegação patronal de que a empregada que, por acometimento de neoplasia maligna agressiva, afasta-se para cirurgia e quimioterapia por mais de dois anos, não se encontra vitimada por doença grave e estigmatizante. Perícia médica, na hipótese, é irrelevante. A origem não laboral da moléstia, também. Já se conta em décadas a formação do conceito de horizontalização dos direitos humanos, segundo o qual o homem os exige não apenas do Estado (verticalmente), mas de seus iguais (horizontalmente). No Brasil, a previsão positiva está, entre outros, na função social da propriedade, que constitui, inclusive, um atributo condicionante de sua existência. Dispensada a empregada um mês depois do retorno, “sem justa causa”, configura-se o ato ilícito a sugerir incidência da diretriz da súmula 443, do TST, com reintegração. O dano moral nota-se indisfarçável, pois que a pessoa já gravemente adoentada, que perde sua fonte primária de subsistência vê-se lançada em condição humilhante e angustiante. Presentes os elementos da responsabilidade civil, importa deferir a indenização por danos morais. A respeitável sentença concedeu tutela de urgência para cumprimento das obrigações de fazer, estipulando-as literalmente. A reclamada apresenta embargos por “omissão/obscuridade”, para ter certeza de que a antecipação dos efeitos da tutela não abrange a obrigação de pagar salários vencidos. A tão só exposição dos elementos recursais já autoriza concluir que os embargos foram inúteis e, por isso, procrastinatórios, a atrair a correta punição que impôs à recorrente a origem. Recurso patronal não provido.

Processo nº 1000184-32.2021.5.02.0321

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