Direito de ação quase 20 anos depois da demissão

Por unanimidade de votos, a 2ª Turma do TST afastou a prescrição do pedido de indenização por danos morais e materiais decorrente de acidente de trabalho feito por ex-mestre cervejeiro da Ambev e determinou que o caso seja julgado pelo TRT-1.
O empregado alega que adquiriu doença profissional (alcoolismo) porque tinha a função de degustar a cerveja em todas as etapas de produção na empresa, e a doença equipara-se a acidente de trabalho para fins de ação de indenização. Sustenta ainda que, durante o seu contrato de trabalho, entre 05/01/1976 e 30/12/1991, a Ambev não tomou os cuidados necessários para evitar o problema.
Nessa fase, o relator do acórdão, ministro José Roberto Freire Pimenta, ao julgar o recurso de revista do empregado no TST, não analisou o direito do trabalhador à indenização, mas apenas se a ação tinha sido proposta dentro do prazo legal e merecia ser examinada pela Justiça. O ministro concluiu que o pedido do mestre cervejeiro não estava prescrito.
O juiz de primeiro grau tinha rejeitado a tese da prescrição, no entanto, considerou improcedente o pedido do trabalhador. O TRT, por outro lado, entendeu que o prazo de prescrição aplicável a créditos salariais era de até dois anos após o fim do contrato, conforme o artigo 7º, XXIX, da Constituição Federal.
Para o Regional, portanto, o direito estava prescrito, na medida em que a ação havia sido ajuizada na
Justiça Comum em 21/06/1999 – cerca de oito anos depois da demissão sem justa causa do empregado.
Durante o julgamento na 2ª Turma, o ministro José Roberto reconheceu que o processo diz respeito a dano de natureza trabalhista, proveniente da relação de emprego, e que, nessas situações, os prazos de prescrição estão previstos no artigo 7º, XXIX, da Constituição (de cinco anos até o limite de dois anos após o fim do contrato).
Contudo, o relator destacou que, na época em que a ação foi proposta na Justiça Comum (21/06/1999), estava em vigor o Código Civil de 1916, que estabelecia prazo prescricional de 20 anos. Além do mais, somente em janeiro de 2005 – data da entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 45/2004 (que alterou o artigo 114, IV, da Constituição) – ficou expressamente estabelecida a competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar “as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho”.
Segundo o ministro, antes da EC nº 45/2004 prevalecia o entendimento de que a competência para julgar pedidos de reparação de danos morais, inclusive aqueles decorrentes da relação de trabalho, era da Justiça comum, logo também deve ser observada a prescrição prevista na lei civil – na hipótese, a prescrição vintenária do artigo 177 do Código Civil de 1916.
Mesmo que atualmente o processo esteja sendo julgado na Justiça do Trabalho, afirmou o relator, a segurança jurídica não pode sofrer abalos com a aplicação de uma regra criada posteriormente ao ajuizamento da ação na Justiça Comum e que seria contrária ao interesse do trabalhador. Por todas essas razões, o relator afastou a prescrição e garantiu ao empregado o direito de ter seu pedido analisado na Justiça do Trabalho.
Desde 1967, a Organização Mundial da Saúde considera o alcoolismo uma doença e recomenda que o assunto seja tratado como problema de saúde pública pelos governos. No Brasil, de acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego, o álcool contribui para 50% das faltas ao serviço e é responsável por 40% dos acidentes de trabalho.

O recurso ficou assim ementado:

PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACÓRDÃO REGIONAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.

A discussão versa sobre indenização por danos morais e materiais decorrentes de dependência alcóolica contraída pelo sucedido, que trabalhou na função de mestre cervejeiro (provador de cerveja) para a reclamada, de 5/1/1976 a 30/12/1991, segundo registrou o Tribunal a quo . O Regional, sob o fundamento de que, como passou a ser obrigatória a realização de exames médicos e periódicos (em 1994), consignou que ” é forçoso concluir que, caso o obreiro fosse portador da doença, não teria como ser admitido pela Antártica para exercer as funções de mestre cervejeiro “, em 1995, e que, ” se o obreiro, cinco anos após ter sido dispensado da recorrida, ainda se encontrava apto a exercer a função de ‘ mestre cervejeiro’ em outra empresa de grande porte, não vejo como poder atribuir à recorrida a responsabilidade pelo mal que o acomete”. Destaca-se que não há, no acórdão regional, referência à existência nos autos de exame médico admissional obrigatório do trabalhador na Antártica (1995), tendo o Tribunal a quo presumido que o sucedido teria sido submetido ao referido exame, pois essa empresa não o contrataria se demonstrasse os sinais da doença. Desse modo, tendo o Regional reconhecido que o trabalhador demonstrava sintomas de alcoolismo, mas não na época da sua demissão pela reclamada (com base na citada presunção), fazia-se necessária a apreciação dos aspectos (fático-probatórios) invocados nos embargos de declaração, na medida em que, caso a instância extraordinária afastasse a citada presunção ou entendesse que ela, por si só, era insuficiente para levar à conclusão de que o trabalhador não se encontrava doente, quando foi demitido pela reclamada (em 1991). Ressalta-se que esta Corte exige que o contexto fático seja consignado no acórdão regional e que a matéria tenha sido prequestionada na instância ordinária, nos termos previstos nas Súmulas nºs 126 e 297, itens I e II, do TST e no artigo 896, § 8º, 2ª parte, da CLT. Portanto, deve o Regional apreciar os seguintes aspectos: a reclamada não submeteu o trabalhador a exames de saúde periódicos e demissional obrigatórios nem juntou aos autos os livros de registros de degustações de cerveja (para comprovação d a quantidade de bebida alcóolica ingerida diariamente pelo sucedido); o reclamante foi aposentado por invalidez por dependência alcóolica; a reclamada, ao admitir que o trabalhador ingeriu bebida alcóolica diariamente, atraiu para si o ônus da prova do fato impeditivo – quantidade de bebida alcoólica seria desprezível e incapaz de afetar a saúde do trabalhador; o ônus da prova de demonstrar que o sucedido não teria se tornado alcóolatra à época em que foi empregado da reclamada (por 16 anos) era dela, nos termos dos artigos 333, inciso II, e 818 da CLT; cabia à reclamada resguardar seus empregados dos riscos das atividades (ingestão diária de bebida alcóolica) exercidas por eles, nos termos do artigo 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal. Muito embora não esteja o julgador obrigado ao exame de todos os argumentos expendidos pela parte, em face do princípio do livre convencimento, consubstanciado no artigo 131 do Código de Processo Civil, sobreleva o dever de examinar as questões que possam ser úteis ou indispensáveis para que se possa acolher, total ou parcialmente, a pretensão recursal, bem assim a rejeitar os fundamentos deduzidos por qualquer uma das partes. A obrigação de efetivar a tutela jurisdicional de forma completa e fundamentada, sob a cominação de nulidade, é dever do Estado-juiz e garantia do cidadão. A resistência injustificada do julgador, ao ser a tanto instado pela parte interessada através de embargos de declaração, à explicitação de ponto relevante ao desfecho da controvérsia conduz a vício de atividade ( error in procedendo ) e impede a viabilização do recurso de revista sobre a matéria, em face da inexistência de explicitação no julgado de origem de elementos necessários à perfeita compreensão dos temas controvertidos. Portanto, constata-se que o Regional, ao deixar de apreciar aspectos relevantes à discussão da matéria sub judice , não ofertou a devida jurisdição, afrontando o disposto nos artigos 832 da CLT e 93, inciso IX, da Constituição Federal.

Recurso de revista conhecido e provido .

Proc. n. 7000-40.2006.5.01.0082

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