As instalações sanitárias também eram insuficientes.
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o exame do recurso do Órgão de Gestão de Mão de Obra do Trabalho Portuário (Ogmo) do Porto Organizado de Rio Grande (RS) contra condenação ao pagamento de R$ 2 mil a um estivador avulso em razão da insuficiência de instalações sanitárias e da dificuldade de acesso a água potável. Para o colegiado, o quadro descrito na decisão revela condições que atentam contra a integridade do trabalhador.
Estivadores
Na condição de avulsos, os estivadores prestam serviços a várias empresas (operadores portuários) ao mesmo tempo. No caso do processo, as instalações são de propriedade da Superintendência do Porto de Rio Grande (SUPRG), que também é responsável pelas condições das instalações portuárias, o que inclui banheiros, sala de convivência e pontos para que os trabalhadores bebam água.
Exposto ao sol
O estivador disse, na reclamação trabalhista, que exercia atividades no cais e a bordo das embarcações, exposto a condições “totalmente inadequadas” de higiene, saúde e alimentação. Segundo ele, no trabalho a bordo, os sanitários estavam sempre fechados, não havia chuveiros nem local apropriado para descanso ou proteção contra o mau tempo. “Quando os navios disponibilizam sanitários, estes estão imundos, sem condições de uso”, afirmou.
Ainda conforme seu relato, não havia água potável a bordo, e o fornecimento de água nos navios, “quando acontece”, dependia da boa vontade do Ogmo ou da SUPRG, havendo apenas um copo para servir os os estivadores. “O galão de água, quando havia, ficava exposto ao sol”, alegou.
Água mendigada
O Ogmo, em sua defesa, disse que era preciso individualizar a sua responsabilidade e a da SUPRG, conforme a suposta parcela de culpa de cada um, e não caberia sua condenação pelo fato de a superintendência não fornecer água potável aos trabalhadores.
O órgão sustentou, também, que não pode dar ordens e fazer determinações à Administração do Porto (dona das instalações portuárias) e que sua função é fiscalizar. Assegurou, contudo, que nenhum trabalhador avulso “mendiga água” para o tomador de serviços, pois são fornecidas garrafas de água mineral e bebedouros.
Gravíssima
O Ogmo foi condenado pelo juízo da 3ª Vara do Trabalho de Rio Grande, de forma solidária, a indenizar o trabalhador em R$ 2 mil. O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) manteve a sentença, que considerou gravíssima a situação dos trabalhadores avulsos no cais do Porto Novo de Rio Grande.
Na avaliação do TRT, o órgão gestor também praticou ato ilícito por omissão e deveria responder pelas condições de trabalho em terra. Entre outros pontos, destacou a insuficiência de bebedouros: o único fornecido pela SUPRG estava em outra sala, o que sujeitava o estivador a favores de terceiros para poder beber água.
Responsabilidade
Para o relator do caso no TST, ministro Maurício Godinho Delgado, cabe ao Ogmo e ao tomador dos serviços zelar pela segurança do trabalhador portuário avulso. “Há expressa disposição legal de que o órgão gestor responde solidariamente com o operador portuário”, explicou.
Ainda de acordo com o magistrado, nos termos da decisão do TRT, as condições de trabalho a que se submeteu o empregado realmente atentaram contra a sua dignidade, a sua integridade psíquica e o seu bem-estar individual, sendo devida a reparação moral.
O recurso ficou assim ementado:
AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DO OGMO . PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI Nº 13.467/2017 . 1. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA PARA A CAUSA. NÃO CONFIGURAÇÃO 2. PRESCRIÇÃO BIENAL. MARCO INICIAL. CANCELAMENTO DA OJ 384/SBDI-1/TST. 3. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. ART. 33, § 2º, DA LEI N. 12.815/2013. 4. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. INSTALAÇÕES SANITÁRIAS PORTUÁRIAS. DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA INVIOLABILIDADE PSÍQUICA (ALÉM DA FÍSICA) DA PESSOA HUMANA, DO BEM-ESTAR INDIVIDUAL (ALÉM DO SOCIAL) DO SER HUMANO, TODOS INTEGRANTES DO PATRIMÔNIO MORAL DA PESSOA FÍSICA. DANO MORAL CARACTERIZADO. A conquista e afirmação da dignidade da pessoa humana não mais podem se restringir à sua liberdade e intangibilidade física e psíquica, envolvendo, naturalmente, também a conquista e afirmação de sua individualidade no meio econômico e social, com repercussões positivas conexas no plano cultural – o que se faz, de maneira geral, considerado o conjunto mais amplo e diversificado das pessoas, mediante o trabalho e, particularmente, o emprego. O direito à indenização por dano moral encontra amparo no art. 5º, V e X, da Constituição da República e no art. 186 do CCB/2002, bem como nos princípios basilares da nova ordem constitucional, mormente naqueles que dizem respeito à proteção da dignidade humana, da inviolabilidade (física e psíquica) do direito à vida, do bem-estar individual (e social), da segurança física e psíquica do indivíduo, além da valorização do trabalho humano. O patrimônio moral da pessoa humana envolve todos os bens imateriais, consubstanciados em princípios. Afrontado esse patrimônio moral, em seu conjunto ou em parte relevante, cabe a indenização por dano moral, deflagrada pela Constituição de 1988. Na hipótese , o Tribunal Regional manteve a sentença, que constatou a existência de condições precárias para o exercício do labor pelo Reclamante, em especial a insuficiência de instalações sanitárias e o difícil acesso à água. Desse modo, consoante consignado no acórdão recorrido, as condições de trabalho a que se submeteu o Reclamante realmente atentaram contra a sua dignidade, a sua integridade psíquica e o seu bem-estar individual – bens imateriais que compõem seu patrimônio moral protegido pela Constituição -, ensejando a reparação moral, conforme autorizam o inciso X do art. 5º da Constituição Federal e os arts. 186 e 927, caput , do CCB/2002. De outra face, decidida a matéria com base no conjunto probatório produzido nos autos, o processamento do recurso de revista fica obstado, por depender do reexame de fatos e provas (Súmula 126/TST). Assim sendo, a decisão agravada foi proferida em estrita observância às normas processuais (art. 557, caput , do CPC/1973; arts. 14 e 932, IV, “a “, do CPC/2015), razão pela qual é insuscetível de reforma ou reconsideração . Julgados desta Corte. Agravo desprovido.
Processo: Ag-AIRR-20534-55.2017.5.04.0123