Em execução provisória, o depósito espontâneo com intuito de pagamento da quantia incontroversa não inicia o prazo para impugnação. Esse foi o entendimento da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso de uma construtora contra casal que comprou apartamento em condomínio de luxo na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Como a entrega do imóvel atrasou, o casal ajuizou ação contra a construtora para rescindir o contrato, receber os valores pagos e obter indenização por danos materiais e morais.
A sentença determinou a rescisão do contrato e condenou a construtora a pagar multa prevista no contrato e a devolver o preço do imóvel e as quantias gastas com outras despesas pelo casal. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) excluiu da condenação o pagamento da multa contratual.
Foi então iniciada a execução provisória de mais de R$ 6 milhões. O valor foi contestado, pois o imóvel fora comprado por pouco mais de R$ 1 milhão. Diante disso, o juiz cancelou a penhora online e determinou a expedição de guia do valor incontroverso, superior a R$ 2 milhões.
A construtora concordou com o valor e fez o depósito da quantia estipulada pelo juízo. Posteriormente, o tribunal fluminense reformou a decisão para restabelecer o valor de R$ 6,7 milhões e a penhora online. Após a penhora do valor restante, a construtora apresentou impugnação, rejeitada pelo juiz ao argumento de que seria intempestiva. Para o magistrado, o prazo para impugnar correu a partir do primeiro depósito, e não da data da penhora.
Pagamento
A construtora sustentou no STJ que o depósito realizado espontaneamente teve natureza de pagamento e gerou o cancelamento da penhora. Assim, o prazo para a apresentação da impugnação ao cumprimento da sentença não teria começado.
O relator do recurso, Luis Felipe Salomão, disse que a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que, havendo depósito do devedor para garantir o juízo, o prazo para impugnação inicia-se na data da efetivação do depósito.
Salomão explicou que há duas modalidades de depósito: o espontâneo, que tem finalidade de pagamento, e aquele feito em garantia, com a finalidade de oferecer impugnação. Ele citou precedente em que o STJ entendeu que, se a parte deposita quantia, mas não sinaliza que o interesse é embargar, deve-se considerar que a sua finalidade foi a de quitar o débito (REsp 599.279).
O relator considerou que, no caso em questão, a impugnação da construtora não pode ser considerada intempestiva, pois o valor depositado teve como intuito o pagamento da dívida, seguindo exatamente o estabelecido pelo juízo. Além disso, a decisão que fixou o valor a ser pago cancelou a penhora online, e, segundo o ministro, “é justamente com a penhora que nasce a pretensão à impugnação”.
Para Salomão, mesmo com o depósito espontâneo de mais de R$ 2 milhões, uma vez modificado o entendimento de admissibilidade para reconhecer como devido o valor inicial de R$ 6,7 milhões, “só se poderia falar em início de prazo para impugnação se houvesse a garantia integral do juízo, não bastando que a penhora fosse apenas de uma parte da dívida”, afirmou.
De acordo com a Quarta Turma, o termo inicial deve ser a data da intimação da penhora online realizada no segundo momento, após a decisão do TJRJ que reformou o juízo de admissibilidade da execução e adotou como parâmetro o valor inicial de R$ 6,7 milhões.
O recurso ficou originalmente assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE QUE INDEFERE PARCIALMENTE A EXECUÇÃO PARA FINS DE READEQUAÇÃO DO VALOR DEVIDO. DEPÓSITO ESPONTÂNEO COM A FINALIDADE DE PAGAMENTO. ALTERAÇÃO DA DECISÃO DE ADMISSIBILIDADE COM AUMENTO SUBSTANCIAL DO QUANTUM DEVIDO. NASCIMENTO DE UMA NOVA PRETENSÃO IMPUGNATIVA DO EXECUTADO. TERMO INICIAL PARA A IMPUGNAÇÃO DO DEVEDOR. DATA DO NOVO DEPÓSITO COM A FINALIDADE DE GARANTIA DO JUÍZO OU DA INTIMAÇÃO DA PENHORA.
1. É consolidada a jurisprudência do STJ no tocante ao prazo para oferecimento de impugnação em havendo depósito do devedor garantindo o juízo: inicia-se na data da efetivação deste, independentemente da lavratura do respectivo termo. Precedentes.
2. A execução provisória inicia-se por disposição do exequente que provoca a atividade jurisdicional por petição inicial que deverá conter, além dos requisitos gerais (CPC, art. 282), os específicos dispostos no art. 475-O, § 3°, do CPC. Nesse passo, num juízo de admissibilidade da petição de introito, poderá o magistrado determinar: i) em sendo preenchidos os requisitos, a intimação do réu para pagar; ii) em não se verificando presentes referidos pressupostos, o indeferimento de imediato da execução ou determinação para emenda à inicial, nos termos do art. 616 do CPC.
3. O art. 475-J, caput e § 1°, do CPC estabelece duas modalidades de depósito e prazos correspondentes: i) o espontâneo, a ser realizado no prazo de 15 dias com a finalidade de pagamento; e ii) como garantia do juízo, também a ser realizado no prazo de 15 dias com a finalidade de oferecer impugnação. No interstício do prazo para pagamento (caput), não se admite a prática de atos satisfativos, já que a execução ainda não teve início, além de que o depósito efetivado dentro do período exime o devedor da multa e dos honorários advocatícios. O lapso temporal terá início com a intimação do devedor, na pessoa de seu advogado. De outra parte, no que tange ao segundo depósito, também tido como “penhora automática” (§ 1°), trata-se de ato processual que efetiva a garantia do juízo para permitir a apresentação da impugnação ao cumprimento de sentença, desencadeando o início do prazo de 15 dias para a “defesa”, sem, contudo, elidir a multa de 10%.
4. Na hipótese, a impugnação da recorrente não pode ser considerada intempestiva, ao argumento de que o prazo vem correndo desde o primeiro depósito. Isso porque, conforme se verifica da decisão de admissibilidade, o valor entregue inicialmente teve como intuito o pagamento do que era incontroverso, inclusive seguindo exatamente o que fora estabelecido pelo juízo exequendo, ainda que em sede de juízo de admissibilidade da execução provisória. Aliás, naquele momento processual, não havia sequer interesse na impugnação, haja vista que o valor que se entendia devido era correspondente exatamente ao montante que a parte devedora pagou, justamente por tê-lo como incontroverso.
5. Em verdade, a mudança de entendimento, em sede de execução provisória, justamente com relação ao valor devido, acabou por surpreender a executada na demanda, não podendo ser a devedora apenada de inopino, justamente por, de boa-fé, visando conferir celeridade e efetividade ao processo, ter depositado o valor que o próprio juízo exequendo estabeleceu como devido.
6. Recurso especial provido.
Agravo regimental assim ementado:
AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. JUNTADA DO INTEIRO TEOR DO ACÓRDÃO PARADIGMA OU DO REPOSITÓRIO DE JURISPRUDÊNCIA. NECESSIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DO DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. MULTA DO ARTIGO 557, § 2º, DO CPC. DESCABIMENTO. RECURSO IMPROVIDO.
1. O conhecimento dos embargos de divergência exige a comprovação do dissídio jurisprudencial, mediante a juntada de certidões ou cópias dos acórdãos apontados como divergentes ou a citação do repositório oficial, autorizado ou credenciado em que eles se achem publicados, inclusive em mídia eletrônica, nos termos do artigo 266, § 1º c⁄c o artigo 255, § 1º, do Regimento Interno deste Tribunal.
2. Tais requisitos, inclusive, constam do artigo 1.043 do CPC⁄2015 e do referido artigo 266 do RISTJ alterado pela Emenda Regimental n. 22⁄2016.
3. A caracterização do dissenso pretoriano impõe a demonstração efetiva do dissídio entre o aresto impugnado e o acórdão paradigma, no qual se deverá explicitar as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados, tendo eles, porém, pronunciamentos judiciais diametralmente opostos.
4. Na espécie, deixaram os agravantes de juntar cópia integral dos acórdãos paradigma e de citar o repositório oficial, autorizado ou credenciado em que estejam publicados, inclusive em mídia eletrônica.
5. Segundo a pacífica jurisprudência deste Sodalício, não é suficiente, para a comprovação do dissídio pretoriano, a mera transcrição da ementa e⁄ou voto do julgado paradigma, com indicação de número, relator e órgão julgador, sem observar-se as prescrições legais e regimentais acima mencionadas.
6. Indevida a aplicação da multa do § 2º do artigo 557 do CPC⁄1973, defendida pela ora agravada em sua impugnação, por não se enquadrar este agravo regimental nas hipóteses previstas no referido dispositivo legal, situações que devem restar claramente evidenciadas para a incidência da referida sanção.
7. Agravo regimental improvido.
Leia o voto do relator.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1446322