Demora na restituição de depósito judicial não autoriza incidência de juros remuneratórios

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a recurso especial que pleiteava a incidência de juros para remunerar o capital que permaneceu em depósito judicial por quase 50 anos.

Para o colegiado, os juros remuneratórios, por se destinarem a remunerar o capital emprestado, não podem compor as rubricas que incidem sobre valor depositado em juízo.

O depósito, de 400 mil cruzeiros, foi feito em 1973, no curso de uma ação de inventário. Em 2003, o cessionário dos direitos sobre esse valor propôs ação com o objetivo de condenar o banco a lhe restituir o valor acrescido de correção monetária, juros de mora e também juros remuneratórios – o que levaria o total, segundo ele, a mais de R$ 30 milhões.

O autor narrou que apenas em 1990 foi expedido o alvará judicial para levantamento da quantia depositada, devidamente corrigida. Contudo, em 1997, a instituição financeira informou que, após três planos econômicos implantados no período, não havia mais saldo na conta.

Para o recorrente, juros remuneratórios garantiriam restituição efetiva do depósito

No julgamento da ação iniciada em 2003, foram discutidas diversas questões, entre elas a titularidade dos valores, e, ao final, o banco foi condenado a restituir quase R$ 1 milhão ao demandante.

O Tribunal de Justiça do Pará deu parcial provimento à apelação do autor para substituir a tabela de correção usada na sentença, mas sem diferenças substanciais, e para determinar que os juros e a correção monetária sejam aplicados até a data do efetivo pagamento do débito.

No recurso especial dirigido ao STJ, o autor requereu a incidência de juros remuneratórios desde a data do depósito (janeiro de 1973) até a efetiva restituição, sustentando que só assim haveria a plena restituição do patrimônio utilizado indevidamente pelo banco durante muitos anos.

Remuneração do capital pressupõe acordo prévio entre as partes

O relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, explicou que, diferentemente dos juros moratórios, cuja incidência decorre da demora na restituição dos valores, os juros remuneratórios têm o propósito de remunerar o capital emprestado e, como regra, são preestabelecidos em acordo entre as partes.

“O banco depositário, exercente de função auxiliar do juízo, não estabelece nenhuma relação jurídica com o titular do numerário depositado. O depósito é realizado em decorrência de ordem emanada pelo juízo, não havendo, pois, nenhum consentimento, pelo titular (muitas vezes, ainda incerto), a respeito da utilização desse capital, muito menos avença a respeito da remuneração desse capital”, afirmou o ministro.

O ministro Bellizze salientou, no ponto, que o depósito judicial constituiu um relevante instrumento destinado a dar concretude à futura decisão judicial, o qual é viabilizado por meio de convênios realizados entre instituições financeiras (públicas) e o Poder Judiciário, sendo regido pelas normas administrativas por este último editadas, inclusive sobre os critérios de atualização e eventual remuneração dos valores depositados, cuja observância foi devidamente determinada pelo tribunal de origem.

No mesmo julgamento, ao analisar recurso interposto pelo banco, Bellizze rechaçou a tese de que a pretensão do autor da ação, de receber a restituição do depósito, estaria prescrita. Segundo o relator, cabe ao banco depositário o dever de restituir o valor assim que houver ordem do juízo.

“A violação do direito subjetivo do titular da quantia depositada dá-se a partir do momento em que o juízo, responsável pela ordem de depósito, autoriza o levantamento em favor daquele e o banco depositário, instado para tanto, deixa de dar cumprimento”, assinalou o relator. Assim, embora o depósito tenha sido feito em 1973 e o juiz tenha autorizado o seu levantamento em 1990, a recusa do banco em restituir o valor foi registrada em 1997, e só aí começou a correr o prazo prescricional.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO ORDINÁRIA, PROMOVIDA POR CESSIONÁRIO, TENDO POR PROPÓSITO CONDENAR A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEMANDADA A RESTITUIR VALORES EM CONTA DE DEPÓSITO JUDICIAL, EFETIVADO, EM 1973, NO BOJO DE AÇÃO DE INVENTÁRIO (TRANSITADA EM JULGADO). 1. OFENSA À COISA JULGADA. NÃO OCORRÊNCIA. DECISÃO QUE SE RESTRINGIU A RECONHECER A INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO, DECLARANDO A NULIDADE (APENAS) DOS ATOS DECISÓRIOS. APROVEITAMENTO DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA PELO JUÍZO COMPETENTE. POSSIBILIDADE. 2. CERCEAMENTO DE DEFESA. INSUBSISTÊNCIA. 3. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO. VIOLAÇÃO DO DIREITO SUBJETIVO. DETERMINAÇÃO JUDICIAL DE LEVANTAMENTO DO DEPÓSITO JUDICIAL E RECUSA PELO BANCO DEPOSITÁRIO. 4. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO CESSIONÁRIO. RECONHECIMENTO. SÚMULA N. 7⁄STJ. APLICAÇÃO 5. INCIDÊNCIA DE CORREÇÃO MONETÁRIA DESDE A DATA DA EFETIVAÇÃO DO DEPÓSITO JUDICIAL. NECESSIDADE. ENUNCIADOS N. 179 e 271 DA SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. APLICAÇÃO. 6. DETERMINAÇÃO, PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS, DE RESTITUIÇÃO DO VALOR DEPOSITADO JUDICIALMENTE, COM INCIDÊNCIA DE CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS. MANUTENÇÃO. PRETENSÃO DO DEMANDANTE DE INCIDÊNCIA, TAMBÉM, DOS JUROS REMUNERATÓRIOS. DESCABIMENTO. RUBRICA QUE SE DESTINA A REMUNERAR CAPITAL EMPRESTADO, DO QUE NÃO SE COGITA NA HIPÓTESE, E PRESSUPÕE CONVENÇÃO DAS PARTES A RESPEITO, CIRCUNSTÂNCIA IGUALMENTE AUSENTE NO DEPÓSITO JUDICIAL. 7. RECURSOS ESPECIAIS IMPROVIDOS.
Recurso especial do banco depositário.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, formada sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, reconhece, uma vez verificada a incompetência do Juízo e a nulidade dos atos decisórios, a subsistência, em princípio, dos demais atos processuais, passíveis que são de ratificação pelo Juízo reputado competente, observando-se, para tanto, o devido processo legal e o contraditório, naturalmente.
1.1 Na hipótese dos autos, o Juízo de Direito da Comarca de São Miguel de Guamá⁄PA, reconhecendo a exata extensão do decisum – anulação dos atos decisórios, conferindo-se ao Juízo considerado competente, em consonância com o disposto no § 2º do art. 113 do CPC⁄1973, a possibilidade de convalidar ou não os demais atos processuais – convalidou expressamente a validade de todos os demais atos e provas produzidas, inexistindo, pois, qualquer ofensa à coisa julgada.
2. O indeferimento do pedido de produção de prova testemunhal já realizada, bem como do requerimento de expedição de ofício a Cartórios de Registro de Imóveis – providência tida por irrelevante ao deslinde da controvérsia –, diante da suficiência da documentação acostada aos autos, segundo a convicção do magistrado, ratificada pelo Tribunal de origem, por si só, não caracteriza cerceamento de defesa.
3. O nascimento da pretensão dá-se a partir da violação do direito subjetivo, sempre que seu titular obtiver, concomitantemente, o pleno conhecimento da lesão, de toda a sua extensão, e do seu responsável, hipótese em que se terá, inequivocamente, ação (pretensão) “exercitável”.
3.1 No caso dos autos, em se tratando de depósito judicial, o banco depositário exerce a função auxiliar do Juízo, própria de Direito Público, destinada a preservar a importância monetária ali depositada, conferindo efetividade e concretude à vindoura tutela jurisdicional. Não há, em princípio, nenhuma relação jurídica existente entre o banco depositário, que exerce o referido múnus público, e o titular do direito creditício. Cabe ao banco depositário o dever de promover a pronta restituição dos valores custodiados, a quem de direito, assim que houver ordem judicial nesse sentido. Por evidente, a violação do direito subjetivo do titular da quantia depositada dá-se a partir do momento em que o Juízo, responsável pela ordem de depósito, autoriza o levantamento em favor daquele e o banco depositário, instado para tanto, deixa de dar cumprimento, recusando-se, formalmente, a restituir os valores que se encontravam sob a sua custódia. De toda insubsistente, assim, a tese de fluência do prazo prescricional.
4. Não incumbe ao banco depositário, como exercente de múnus público, ao ser instado, por decisão judicial, a restituir os valores que se encontravam sob sua custódia, questionar a origem do depósito judicial, sobretudo a validade do negócio jurídico que lhe precedeu (o qual, inclusive, deu-se mediante o competente alvará judicial – e-STJ, fls. 32-33), primeiro porque a efetivação do depósito provém de ordem judicial; segundo, porquanto o banco depositário não atua na defesa de direito de terceiros.
4.1 Quanto aos aspectos formais aventados pelo banco depositário, no tocante ao instrumento público de procuração subscrito pelos herdeiros do espólio e aos poderes de representação outorgados ao representante, bem como à Escritura Pública de Cessão e Transferência de Direitos Hereditários – estes sim, passíveis de questionamentos pela instituição financeira, a fim de não promover o levantamento dos valores depositados a quem não os titulariza – as instâncias ordinárias, com esteio nos elementos fático-probatórios, foram uníssonas em reconhecer a absoluta higidez de tais documentos. Apresenta-se de todo inviável, na presente via especial, fustigar tal conclusão, em observância ao enunciado n. 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.
5. Incumbindo ao banco depositário a restituição do capital em sua inteireza, o que somente é possível por meio da incidência da atualização monetária, ressai, indene de dúvidas, que sua incidência dá-se, inarredavelmente, a partir da efetivação do depósito, e não somente após a vigência da Lei n. 6.899⁄1991, como sugere o banco recorrente, nem sequer aplicável à hipótese dos autos.
Recurso especial do demandante.
6. A questão posta está em definir, unicamente, a extensão da obrigação do banco depositário de restituir, ao seu titular, o valor depositado judicialmente no bojo de ação de inventário, especificando-se, a esse fim, quais rubricas sobre tal quantia deve a instituição financeira fazer incidir. Além da atualização monetária (indispensável à restituição do capital em sua inteireza) e dos juros moratórios, devidamente reconhecidos pelas instâncias ordinárias, o recorrente, pretende, ainda, a remuneração do capital depositado judicialmente por quase 50 (cinquenta) anos – incidência de juros remuneratórios.
6.1. O depósito judicial constituiu um relevante instrumento destinado a dar concretude à vindoura tutela jurisdicional, o qual é viabilizado por meio de convênios realizados entre instituições financeiras (públicas) e o Poder Judiciário, sendo regido pelas normas administrativas por este último editadas, inclusive sobre os critérios de atualização e eventual remuneração dos valores depositados, cuja observância foi determinada pelo Tribunal de origem.
6.2 Os juros remuneratórios ou compensatórios possuem por propósito remunerar o capital emprestado, tendo origem, por regra, na convenção estabelecida entre as partes. Estes, como é de sabença, não se confundem com os juros moratórios, que têm como fundamento a demora na restituição do capital ou o descumprimento de obrigação e podem decorrer da lei ou da convenção entre as partes.
6.3 O banco depositário, exercente de função auxiliar do Juízo, não estabelece nenhuma relação jurídica com o titular do numerário depositado. O depósito é realizado em decorrência de ordem emanada pelo Juízo, não havendo, pois, nenhum consentimento, pelo titular (muitas vezes, ainda incerto), a respeito da utilização desse capital; muito menos avença a respeito da remuneração desse capital.
6.4 Em se tratando, portanto, de depósito judicial, tem-se por descabida a pretensão de fazer incidir, sobre o valor depositado, juros remuneratórios, os quais se destinam a remunerar capital emprestado, do que não se cogita na hipótese, e pressupõe, como visto, convenção das partes a respeito, circunstância igualmente ausente no depósito judicial em comento.
6.5 Nos termos do art. 629 do Código Civil (e art. 1.266 do CC⁄1916), o depositário é obrigado a restituir a coisa depositada “com todos os frutos e acrescidos”. Nessa medida, cabe ao banco depositário restituir a quantia depositada judicialmente, sobre a qual deve incidir correção monetária (ut Súmulas n. 179 e 271⁄STJ) e juros de mora à taxa legal, com fundamento na demora na restituição do capital ao seu titular.
7. Recursos especiais improvidos.

Leia o acórdão no REsp 1.809.207.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1809207

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