Débitos de empresa-matriz não podem inviabilizar a emissão de certidão negativa para filial com tributos quitados

A 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região negou provimento à apelação da União para reformar a sentença, da 1ª Vara Federal do Amazonas, que deferiu o fornecimento pela Fazenda Nacional de Certidões Negativas de Débitos de Tributos Federais e da Dívida Ativa da União para duas empresas-filiais. A União havia negado a emissão do documento às impetrantes porque a matriz e outras filiais do grupo tinham tributos em atraso com o Fisco.

Segundo informações no processo, para exercer suas atividades comerciais, a filial precisa de cadastro perante a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa). Para o cadastramento ou sua renovação, é necessário apresentar prova de regularidade fiscal, atestada pelas Certidões Negativas de Débitos de Tributos Federais e da Dívida Ativa da União, ou positiva com efeitos de negativa, como previsto nos artigos 205 e 206 do Código Tributário Nacional (CTN).

Em primeira instância, a magistrada afirmou que “da análise dos documentos acostados aos autos, verifica-se que as impetrantes demonstram a inexistência de débitos fiscais em seus nomes, pois os débitos apontados no relatório emitido pela RFB estão em nome da matriz e de outras filiais”.
A União apelou ao TRF1 alegando que a sentença recorrida estaria em desacordo com o ordenamento jurídico vigente e com a jurisprudência dos tribunais superiores. Portanto, não teria a demandante direito líquido e certo às certidões.

O relator do processo, desembargador federal Marcos Augusto de Sousa, afirmou que “embora as filiais representem apenas uma fração da pessoa jurídica, indiscutível a possibilidade, legalmente reconhecida, de cada um dos estabelecimentos, isoladamente, adquirir direitos e contrair obrigações”.

Segundo o magistrado, a apelante comprovou a ausência de débitos e, que as dívidas são da empresa-matriz. Quanto ao argumento da União de que a jurisprudência foi contrária à sentença, o desembargador ressaltou que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pacificou o entendimento no sentido de que, quando o estabelecimento-matriz possuir inscrição no CNPJ diferente do estabelecimento-filial, a existência de débito tributário em nome de um não impede a expedição de regularidade fiscal em nome do outro.

Para concluir, o relator afirmou que as impetrantes obtiveram “êxito em desincumbir-se do ônus que lhes cabia, qual seja, trazer aos autos prova inequívoca (CPC/1973, art. 333, I, vigente na data de prolação da sentença) do cumprimento de norma legal válida (CTN, art. 206) para fazer jus à obtenção da certidão pretendida, não merecendo reparo, portanto, a sentença”.

O recurso ficou assim ementado:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. AUTONOMIA JURÍDICO-ADMINISTRATIVA DA MATRIZ E DAS FILIAIS COM CNPJ DISTINTOS (CTN, ART. 127, II, PARTE FINAL). EXPEDIÇÃO DE CPD-EN PARA FILIAIS NÃO INADIMPLENTES. POSSIBILIDADE. CONDIÇÕES LEGALMENTE EXIGIDAS PARA FORNECIMENTO DE CERTIDÃO (CTN, ART. 206). CUMPRIMENTO. PROVA INEQUÍVOCA (CPC/1973, ART. 333, I). APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL, TIDA POR INTERPOSTA, NÃO PROVIDAS.

  1. “Com efeito, é pacífica a jurisprudência da Segunda Turma no sentido de quando o estabelecimento matriz possuir inscrição no CNPJ diferente da do estabelecimento filial, a existência de débito tributário em nome de um não impede a expedição de regularidade fiscal em nome de outro (STJ, AgRg no AREsp 695.391/RJ, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 28/10/2015). Nesse sentido: AgInt no REsp 1.773.249/ES, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 01/03/2019; AgRg no REsp 1.114.696/AM, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, DJe 20/10/09; AgInt no REsp 1.569.491/SE, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 21/09/2016” (REsp 1.850.936/AM, STJ, Rel. Min. Assusete Magalhães, decisão monocrática, DJe 03/03/2020).

  2. “A discriminação do patrimônio da empresa, mediante a criação de filiais, não  afasta a unidade patrimonial da pessoa jurídica, que, na  condição  de  devedora,  deve  responder  com  todo  o  ativo do patrimônio  social  por  suas  dívidas,  à  luz  de regra de direito processual prevista no art. 591 do Código de Processo Civil, segundo a  qual  o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com  todos  os  seus  bens  presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei. O princípio tributário da autonomia dos estabelecimentos, cujo conteúdo  normativo  preceitua  que estes devem ser considerados, na forma da legislação específica de cada tributo, unidades autônomas e independentes  nas  relações  jurídico-tributárias  travadas  com  a Administração  Fiscal,  é um instituto de direito material, ligado à questão  do  nascimento  da  obrigação  tributária  de  cada imposto especificamente considerado e não tem relação com a responsabilidade patrimonial  dos  devedores  prevista  em  um  regramento de direito processual,  ou  com  os  limites  da  responsabilidade  dos bens da empresa e dos sócios definidos no direito empresarial” (REsp 1.355.812/RS, STJ, Primeira Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, unânime, DJe 31/05/2013. Acórdão submetido ao procedimento do art. 543-C do CPC/1973).

  3. A sentença recorrida aplicou ao caso concreto o princípio da autonomia dos estabelecimentos, legalmente estabelecido nos termos do art. 127, II, parte final, do CTN. Assim, embora as filiais representem apenas uma fração da pessoa jurídica, indiscutível a possibilidade, legalmente reconhecida, de cada um dos estabelecimentos, isoladamente, adquirir direitos e contrair obrigações. Contudo, a reforma da sentença é pretendida ao argumento de que ela estaria em confronto com o que decidiu o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1.355.812/RS, o que não condiz com a realidade dos autos.

  4. A hipótese tratada no julgamento do REsp 1.355.812/RS (bloqueio de ativos financeiros via BACENJUD) é diversa daquela que deu origem a esta controvérsia (fornecimento de certidão de regularidade fiscal), e não idêntica, como pretende fazer crer a apelante. Destaque-se que mesmo após a publicação do referido acórdão, o Superior Tribunal de Justiça continua a decidir favoravelmente a filiais que estejam com a sua situação tributária regular, embora a respectiva matriz conste como inadimplente, sendo essa, precisamente, a hipótese verificada neste feito.

  5. A apelante não infirma o fato de que, conforme asseverado pelo Juízo de origem, “as Impetrantes demonstram a inexistência de débitos fiscais em seu nome, pois os débitos apontados no Relatório emitido pela RFB estão em nome da Matriz e de outras filiais”.

  6. As impetrantes obtiveram êxito em desincumbir-se do ônus que lhes cabia, qual seja trazer aos autos prova inequívoca (CPC/1973, art. 333, I) do cumprimento de norma legal válida (CTN, art. 206) para fazer jus à obtenção da certidão pretendida, não merecendo reparo, portanto, a sentença.

  7. Apelação e remessa oficial, tida por interposta, não providas.

Nesses termos, o Colegiado, acompanhando o voto do relator, negou provimento ao recurso da União.

Processo nº: 0016968-26.2012.4.01.3200

Deixe uma resposta

Iniciar conversa
Precisa de ajuda?
Olá, como posso ajudar