Contrato de parceria intelectual entre advogados é de natureza civil

A disputa envolve ação ajuizada em 1978.

A Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho declarou a incompetência da Justiça do Trabalho para julgar ação em que se discutia a titularidade de honorários advocatícios fundamentada na validade de contrato de parceria intelectual (know-how) entre advogados. A Turma, por unanimidade, considerou que a matéria tem natureza civil, por estar em discussão na Justiça comum, e determinou a liberação apenas de parte dos valores de precatórios retidos, resguardando os remanescentes para serem liberados após decisão na esfera civil.

Parceria

O caso julgado trata de disputa entre dois advogados de Minas Gerais e um do Ceará referente a uma ação coletiva ajuizada em 1978 em que mil ferroviários da Rede Ferroviária Federal pleiteavam o pagamento de diversas parcelas. Na época, os advogados teriam firmado um contrato de parceria, não homologado em juízo, que previa a divisão dos honorários contratuais e sucumbenciais na proporção de 50% para cada um.

Quando a decisão favorável aos ferroviários transitou em julgado, apenas o advogado cearense participava da ação, pois os advogados mineiros haviam falecido. Ele então firmou novo acordo, com seis escritórios de advocacia e homologado em juízo, para seguir com o processo na fase de precatórios.

A disputa a respeito dos honorários chegou ao TST por meio de recurso ao Órgão Especial. O ponto central da discussão foi a competência da Justiça do Trabalho para decidir sobre honorários de sucumbência e contratuais.

Liberação

Na fase de precatório, os herdeiros dos advogados mineiros requereram o cumprimento do contrato de parceria. Na ausência de provas sobre o acordo, o juízo de execução determinou a liberação dos honorários advocatícios, no valor de R$ 20 milhões, em favor apenas do escritório cearense.

Intimados da decisão, os representantes mineiros juntaram documentos comprovando que a parceria era objeto de ação em curso na Justiça comum. Com a nova informação, a determinação de liberação foi revogada até a decisão do foro competente.

CNJ

A partir desse ponto, seguiram-se vários recursos questionando a competência da Justiça do Trabalho para decidir controvérsia acerca da titularidade dos honorários sucumbenciais e contratuais fundamentada na validade do contrato de parceria intelectual (know how). A questão chegou a ser levada ao conhecimento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que indeferiu pedido cautelar de suspensão do pagamento dos honorários. Seguiram-se, então, outros recursos até que o pedido foi analisado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (CE).

O Tribunal Regional, na ação de precatórios, declarou a incompetência da Justiça do Trabalho e afirmou a validade do acordo homologado judicialmente. Com isso, determinou a liberação dos precatórios e o pagamento imediato dos honorários sucumbenciais e contratuais aos procuradores constantes da nova parceria firmada pelo advogado cearense.

Recurso ao TST

No recurso ordinário ao TST, os herdeiros dos advogados mineiros apontaram contradições na decisão do TRT, pois declarava a incompetência da Justiça do Trabalho para o julgamento, mas liberava os valores retidos no precatório para repartição entre todos. Reafirmaram que o montante deveria ser repartido na proporção de 50%, como ajustado inicialmente entre os advogados.

Processo mais longo

O escritório cearense, por sua vez, lembrou que o caso trata do processo mais longo da história da Justiça do Trabalho. Segundo ele, para que fosse fechado o acordo com os ferroviários, foram realizadas 60 rodadas de negociação – todas sem qualquer atuação dos advogados ou representantes mineiros. No entendimento da defesa, o contrato de kwow how foi um acerto entre advogados e, portanto, fora da competência da Justiça do Trabalho.

Oitava Turma

A ministra Maria Cristina Peduzzi entendeu que a questão relativa ao acordo original não foi julgada pelo Tribunal Regional, que se limitou a invocar o acordo que já estava sendo executado para afirmar a competência da Justiça do Trabalho. Destacou que o TRT distinguiu os honorários de sucumbência dos honorários contratuais e afirmou a competência apenas para os de sucumbência.

Competência

A ministra considera que a questão da competência se desdobra em três: a titularidade do crédito devido no precatório, a possibilidade de a Justiça do Trabalho decidir administrativamente sobre pagamento de precatório e a relação entre a decisão judicial e o processamento integral do precatório. De acordo com as Orientações Jurisprudenciais 8, 9 e 10 do Tribunal Pleno do TST, o procedimento de precatório tem natureza administrativa, e a competência, até o pagamento final, é da Justiça do Trabalho.

Entretanto, a relatora ressaltou que a definição da titularidade de parte dos créditos (pressuposto fundamental para o pagamento da dívida inscrita no precatório) está pendente de decisão na Justiça comum. Tal controvérsia, segundo a ministra, é alheia ao pedido inicial objeto da reclamação trabalhista que originou o precatório e tem natureza civil. Portanto, é necessário aguardar decisão da Justiça estadual, que detém a competência sobre a matéria.

Liberação

Para a magistrada, a medida compatível a ser adotada seria a suspensão do pagamento do precatório na razão de 50%, preservando-se os valores até decisão judicial quanto à validade do contrato de repartição de honorários advocatícios entre os advogados mineiros e o cearense. Assim, votou pela liberação do valor remanescente correspondente à outra metade, devendo ser respeitado o acordo homologado em juízo quanto ao rateio entre os escritórios de advocacia.

O recurso ficou assim ementado:

I – PRELIMINAR DE PREVENÇÃO ARGUIDA EM AGRAVO INTERNO

  1. Compete ao Órgão Especial do TST julgar Recurso Ordinário interposto contra Agravo Interno que aprecia decisão de Presidente de Tribunal Regional do Trabalho em precatório (art. 76, II, “s”, do RITST).
  2. Conquanto resulte de ação judicial, o procedimento de precatório tem inequívoca natureza administrativa. Os atos praticados no processamento e pagamento de precatório resultam do exercício da competência administrativa dos tribunais, não importando prevenção dos juízos que proferiram decisões no curso da demanda judicial.

 

Preliminar rejeitada.

 

II – RECURSO ORDINÁRIO – PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACÓRDÃO REGIONAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

A Eg. Corte a quo não se esquivou do dever de proferir decisão fundamentada, consignando de forma clara as razões de seu convencimento.

PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA – UTILIZAÇÃO DE DOCUMENTO NÃO JUNTADO AO PRECATÓRIO – NÃO OCORRÊNCIA DE DECISÃO SURPRESA

Alegação de cerceamento de defesa fundada em tese de que o documento que demonstra a existência de acordo de repartição de honorários homologado, embora constasse dos autos do precatório, não foi trasladado ao presente Agravo Regimental.

Ao contrário do processo judicial, a Administração Pública pode agir ativamente na produção de provas no processo administrativo. Seja requisitando a produção de novos elementos probatórios, seja buscando por si só as provas relevantes e necessárias para fundamentar a decisão no processo administrativo, a Administração tem o poder-dever de atuar positivamente no melhor interesse público.

A utilização do teor do acordo pelo acórdão recorrido não violou o devido processo legal ou a ampla defesa. Os Recorrentes tiveram acesso à documentação por serem parte do processo administrativo de precatório. Tendo sido o documento referido na petição do próprio Agravo Regimental, sua menção poderia ter sido plenamente discutida pelos Recorrentes, afastando-se qualquer prejuízo à defesa de seus interesses processuais.

COMPETÊNCIA ADMINISTRATIVA DA JUSTIÇA DO TRABALHO – PROCESSAMENTO DE PRECATÓRIO – HONORÁRIOS CONTRATUAIS E SUCUMBENCIAIS – ESPECIFICAÇÃO DA TITULARIDADE DE CRÉDITOS SUB JUDICE – PREJUDICIALIDADE ENTRE AÇÃO JUDICIAL E PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO

  1. Na forma das Orientações Jurisprudenciais nºs 8, 10 e 12 do Tribunal Pleno desta Eg. Corte, o procedimento de precatório se reveste de natureza administrativa. A competência para dirigir o procedimento até o final pagamento do precatório é inequivocamente da Justiça do Trabalho, por se tratar de execução de título judicial constituído em juízo trabalhista.
  2. No caso em tela, encontra-se em discussão no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais pressuposto fundamental para o adimplemento integral da dívida inscrita no precatório: a definição da titularidade de parte dos créditos discutidos no precatório (relativa a 50% – cinquenta por cento – dos honorários contratuais e sucumbenciais devidos), ante a discussão judicial referente à validade de contrato de honorários advocatícios.
  3. Estando essa questão pendente de decisão judicial, esta Justiça Especializada não é competente para decidir a controvérsia a respeito da titularidade dos honorários advocatícios (sucumbenciais e contratuais) fundamentada na validade do contrato de parceria intelectual (know how). A matéria é alheia à Reclamação Trabalhista que originou o precatório nº 400/2012 e, por deter inequívoca natureza civil, compete à Justiça Estadual de Minas Gerais solucionar a lide.
  4. A definição da titularidade do crédito é condição sine qua non ao adequado processamento do precatório, a fim de garantir que o valor seja pago ao seu efetivo credor. Trata-se de questão prejudicial que demanda solução prévia a qualquer decisão sobre o pagamento dos valores controvertidos no precatório, sendo possível liberar o processamento e posterior pagamento do valor remanescente. Prejudicadas as demais questões articuladas no recurso.

 

Recurso Ordinário a que se dá parcial provimento.

 

III – AGRAVOS INTERNOS INTERPOSTOS CONTRA A DECISÃO QUE CONCEDEU EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO ORDINÁRIO – POR BULHÕES & ADVOGADOS ASSOCIADOS S/S E OUTROS, CLETO GOMES – ADVOGADOS ASSOCIADOS E OUTRO E RAIMUNDO RENATO RESAL SALDANHA DA CUNHA – PREJUDICADO – PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO ORDINÁRIO

Está prejudicado o exame das alegações, ante o provimento do Recurso Ordinário.

A decisão foi unânime.

Processo: RO-108-53.2016.5.07.0000

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