A empresa não comprovou a necessidade de sua transferência para o Rio de Janeiro.
A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho confirmou o direito de um contador da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras) de permanecer em teletrabalho em Salvador (BA), sem ser transferido para o Rio de Janeiro (RJ). O colegiado entendeu que, apesar da previsão contratual, a empresa não poderia transferi-lo sem motivo justo, pois ele trabalha na capital baiana desde que foi contratado e lá formou família. Além disso, a decisão leva em conta que a Petrobras adotou um modelo permanente de trabalho remoto para atividades administrativas e que não ficou demonstrada necessidade de serviço capaz de justificar a mudança.
Transferência
O contador foi admitido em junho de 2008, por meio de concurso, e desde então trabalhava em Salvador, onde se casou e teve um filho. Segundo seu relato, em setembro de 2019, a Petrobras passou a divulgar que fecharia sua sede em Salvador e a apresentar propostas de transferência para o Espírito Santo ou o Rio de Janeiro.
Com a pandemia da covid-19, em 2020, foi implementado o regime de teletrabalho integral para os empregados administrativos. Mas, em maio de 2022, a empresa começou a convocar os funcionários do Rio de Janeiro para o retorno presencial. O contador, então, acionou a Justiça e obteve uma tutela cautelar antecedente para anular sua transferência.
Mandado de segurança
Contra essa decisão, a Petrobras impetrou mandado de segurança no Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (BA). Seu argumento era o de que não há nenhuma lei trabalhista que permita ao empregado escolher unilateralmente seu regime de trabalho e o local de prestação de serviços, ainda mais havendo previsão contratual permitindo a mudança de localidade.
Ausência de prejuízo à empresa
Ao analisar o caso, o TRT negou o pedido da Petrobras. O colegiado entendeu que o empregado estava fazendo seu trabalho remoto de maneira satisfatória, sem prejuízo para a empresa. Esta, por sua vez, não conseguiu comprovar a necessidade de transferi-lo para o Rio de Janeiro.
Recurso ordinário
O ministro Dezena da Silva, relator do recurso ordinário da Petrobras, concordou com a decisão do Tribunal Regional. Ele afirmou que, de acordo com a lei e com a jurisprudência do TST, mesmo que haja uma cláusula de transferência no contrato de trabalho, ela não pode ser efetivada sem necessidade real de serviço.
Adesão ao modelo permanente de teletrabalho
O ministro apontou que o empregado havia aderido ao modelo permanente de teletrabalho instituído pela Petrobras e que as tarefas estavam sendo bem desenvolvidas de maneira virtual, com boas notas nas avaliações de desempenho.
Perigo de dano
Dezena registrou, ainda, que o empregado tem um filho de dois anos, nascido em Salvador, em março de 2021, e é casado com uma servidora pública concursada da Prefeitura Municipal de Lauro de Freitas (BA), empossada em janeiro de 2013, o que tornaria temerária qualquer transferência antes de uma decisão definitiva.
Ausência de direito líquido e certo da empresa
Diante dessas considerações, o ministro concluiu que foi demonstrada a probabilidade do direito alegado pelo empregado no processo original e que, portanto, não haveria direito líquido e certo da Petrobras de transferi-lo.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PETROBRAS. FECHAMENTO DO POSTO DE TRABALHO EM SALVADOR. LEGALIDADE DA TRANSFERÊNCIA PARA O RIO DE JANEIRO. PRETENSÃO DE PERMANÊNCIA EM REGIME DE TELETRABALHO. PROBABILIDADE DO DIREITO DEMONSTRADA NO FEITO MATRIZ. FUMUS BONI JURIS NÃO EVIDENCIADO.
1 . Cuida-se de mandado de segurança impetrado contra decisão que deferiu o pedido de concessão de tutela cautelar antecedente em que em que se pretendia a anulação do ato de transferência determinada pela impetrante, bem como a condenação em obrigação de não fazer, a fim de que a reclamada se abstivesse de determinar a apresentação do reclamante na cidade do Rio de Janeiro.
2 . Trata-se, pois, de hipótese anômala de cabimento do mandado de segurança, construída pela jurisprudência e radicada no item II da Súmula n.º 414 desta Corte Superior, em que a ação mandamental adquire, em última análise, verdadeira feição recursal. O direito líquido e certo a ser defendido, portanto, está na verificação, in casu, do atendimento dos requisitos exigidos pelo art. 300 do CPC de 2015.
3 . O art. 469, § 1.º, da CLT, ao tratar da transferência do empregado, dispõe não estarem compreendidos na proibição do dispositivo “os empregados que exerçam cargo de confiança e aqueles cujos contratos tenham como condição, implícita ou explícita, atransferência, quando esta decorra de real necessidade de serviço”. De outro lado, a jurisprudência desta Corte orienta que ” Presume-se abusiva atransferênciade que trata o § 1.º do art. 469 da CLT, sem comprovação da necessidade do serviço ” (Súmula n.º 43 do TST). Portanto, nos termos da lei e da jurisprudência, é certo afirmar que, conquanto haja cláusula expressa de transferência no contrato de trabalho, esta não pode se efetivar quando não decorrer de real necessidade de serviço.
4. No caso em exame, é certo que há cláusula expressa de transferência do empregado em seu contrato de trabalho. Entretanto, a prova pré-constituída evidencia que o litisconsorte passivo, desde a admissão nos quadros da impetrante, exerceu suas atividades na cidade de Salvador, lá tendo constituído família. De outro lado, há prova de que desde o início da pandemia do coronavírus, o litisconsorte passivo tem desempenhado suas funções em regime de teletrabalho, bem como que a empresa, no ano de 2020, aprovou modelo permanente de teletrabalho para as atividades administrativas, facultando a adesão dos empregados, tendo o litisconsorte passivo solicitado essa adesão, a qual foi aprovada em maio de 2021. Portanto, o litisconsorte passivo encontra-se inserido em regime de teletrabalho desde 2020 extraoficialmente e, com aprovação da empregadora desde maio de 2021, sem qualquer alegação da empresa de que esse sistema importe em prejuízo para o trabalho. Ao revés, há nos autos avaliações de desempenho efetivadas no período, que demonstraram alta produtividade e bom desempenho. Exsurge dos autos, ainda, que a atividade exercida pelo litisconsorte passivo – contador pleno – é notadamente administrativa e de âmbito nacional, bem como tem sido realizada virtualmente nesses últimos anos sem que tivesse havido necessidade de comparecimento presencial na empresa. Esses elementos demonstram, à evidência, que a transferência para a cidade do Rio de Janeiro não decorre de necessidade do serviço.
5. Ademais, há prova nos autos de que o litisconsorte passivo tem um filho de 2 anos, nascido em Salvador em março/2021, e é casado com servidora pública concursada da Prefeitura Municipal de Lauro de Freitas, empossada em janeiro/2013, o que torna temerário que se efetive qualquer transferência em sede de juízo precário de cognição.
6. Resta demonstrada a probabilidade do direito alegado no feito matriz, evidenciando-se o perigo de dano diante da privação do convívio familiar que a transferência implicaria, diante da inviabilidade de imediata mudança de domicílio da esposa do litisconsorte passivo e de seu filho menor. O risco de irreversibilidade do provimento não se verifica na hipótese, uma vez que os trabalhos continuarão a ser prestados pelo litisconsorte passivo mediante o sistema de teletrabalho em que se efetiva até o momento.
7 . Desse modo, atendidos os requisitos do art. 300 do CPC de 2015, descabe falar em abusividade ou ilegalidade do ao coator, não havendo direito líquido e certo a ser tutelado no caso, impondo-se, por conseguinte, a manutenção do acórdão regional.
8. Recurso Ordinário conhecido e não provido .
A decisão foi unânime.
Processo: ROT-910-95.2022.5.05.0000