O empregado trabalhava em regime de monocondução e não tinha banheiro nem ambiente adequado para alimentação e repouso.
A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a MRS Logística S.A. a pagar indenização a um maquinista que trabalhava em regime de monocondução de trens de minério de ferro e não contava com ambiente adequado para alimentação, repouso e satisfação das suas necessidades fisiológicas. Os magistrados afirmaram que as condições precárias experimentadas pelo empregado autorizam o deferimento da indenização por dano moral.
“Homem morto”
Admitido em 1996 e demitido sem justa causa em 2015, o maquinista disse, na reclamação trabalhista, que tinha de conduzir os trens por no mínimo oito horas ininterruptas e que, a cada 45 segundos tinha de pressionar uma botoeira ou um pedal, exigência do sistema de segurança conhecido como “homem morto”. Segundo explicou, o maquinista tem de ficar permanentemente junto ao painel de comando das locomotivas e não pode se afastar dele nem mesmo para fazer refeições ou realizar necessidades fisiológicas. Esse tratamento, a seu ver, era “vexatório, desumano e humilhante.
A MRS, em sua defesa, sustentou que a ANTT determinou a adoção do dispositivo de segurança “homem morto” para o regime de monocondução e que era permitida a parada para que o maquinista utilizasse os sanitários mediante comunicação prévia. Sustentou, ainda, que há várias instalações sanitárias nos principais trechos operados pelo empregado, além dos pontos em que era realizada a limpeza das locomotivas.
Circunstâncias inerentes
O juízo da 2ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora (MG) deferiu ao maquinista a indenização no valor de R$ 25 mil, por entender que a empresa infringia as normas de segurança e de higiene, uma vez que o regime de monocondução e a necessidade de acionamento do sistema “homem morto” impediam o empregado de usufruir do intervalo para repouso e alimentação e satisfação das suas necessidades fisiológicas. No entanto, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) entendeu que o dano moral não foi configurado e excluiu da condenação a determinação de pagamento da indenização. Para o TRT, essas circunstâncias são inerentes à função de maquinista.
Dignidade
No exame do recurso de revista do maquinista, a Sexta Turma concluiu que, de acordo com o entendimento do TST, a impossibilidade de alimentação, repouso e satisfação das necessidades fisiológicas é suficiente para a caracterização do dano moral. Além de resultar em ofensa à dignidade e à integridade física do empregado, a conduta evidencia a negligência da empresa em relação às medidas de higiene e saúde.
O recurso ficou assim ementado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. LEI 13.467/2017. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. MAQUINISTA. REGIME DE MONOCONDUÇÃO. CONDIÇÕES PRECÁRIAS PARA USO DO BANHEIRO E ALIMENTAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA. O processamento do recurso de revista na vigência da Lei 13.467/2017 exige que a causa ofereça transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica, a qual deve ser analisada de ofício e previamente pelo Relator (artigos 896-A, da CLT, 246 e 247 do RITST). O art. 896-A, § 1º, II, da CLT prevê como indicação de transcendência política, entre outros, “o desrespeito da instância recorrida à jurisprudência sumulada do Tribunal Superior do Trabalho ou do Supremo Tribunal Federal“. Como o dispositivo não é taxativo, deve ser reconhecida a transcendência política quando há desrespeito à jurisprudência reiterada do Tribunal Superior do Trabalho ou do Supremo Tribunal Federal, ainda que o entendimento ainda não tenha sido objeto de súmula. A causa oferece transcendência política, na medida em que esta Corte Superior tem entendimento pacífico de ser devido ao maquinista monocondutor o pagamento de indenização por dano moral em face da submissão a trabalho em condições degradantes, diante da impossibilidade de alimentação, repouso e satisfação das necessidades fisiológicas. A causa também oferece transcendência social, na medida em que as condições precárias para uso do banheiro e alimentação afrontam a dignidade e integridade física do trabalhador (art. 1º, III, da CR), circunstância que atrai o dever de reparação (art. 5º, X, da CR). Constatada a transcendência política e social da causa e, ainda, demonstrado por meio de cotejo analítico, a possível violação do art. 5º, X, da CF, deve ser reformado o despacho denegatório. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se dá provimento.
RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. MAQUINISTA. REGIME DE MONOCONDUÇÃO. CONDIÇÕES PRECÁRIAS PARA USO DO BANHEIRO E ALIMENTAÇÃO. Discute-se se o reclamante, maquinista monocondutor, tem direito ao pagamento de indenização por dano moral ante a limitação e ambiente adequado para alimentação, repouso e satisfação das necessidades fisiológicas. A indenização por dano moral pressupõe a ação ou omissão dolosa ou culposa e o nexo de causalidade. O dano moral não se prova, bastando a conduta que o fez emergir. No caso, as condições precárias em que o trabalho era desempenhado pelo reclamante, maquinista condutor, constituem fato autorizador da indenização pleiteada, na medida em que evidenciam o ato ilícito praticado pela reclamada, decorrente de sua negligência quanto ao dever de executar as medidas de higiene e saúde (artigos 186 e 927 do CCB), bem como a ofensa à dignidade e à integridade física do trabalhador. Assim, a reclamada deve ser condenada ao pagamento da indenização pleiteada. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.
Por unanimidade, a Turma deu provimento ao recurso e arbitrou o vaor da indenização em R$ 15 mil.
Processo: RR-11756-93.2017.5.03.0036