Uma cidadã boliviana, que reside no Brasil há mais de quinze anos com a família, conseguiu na justiça a gratuidade das taxas de expedição do Registro Nacional de Estrangeiro (RNE) e de renovação da Cédula de Identidade de Estrangeiro (CIE). O processo foi distribuído à 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) depois de a União recorrer da sentença da Seção Judiciária de Rondônia (SJRO), alegando que não existe previsão legal para a isenção da taxa.
Segundo consta no processo, a autora da ação declarou que não tem condições financeiras para arcar com as taxas para a expedição dos documentos, e que diante disso, “vive irregularmente no país e enfrenta dificuldades na obtenção de emprego”.
Exercício da cidadania – Ao analisar o caso, o relator do processo, desembargador federal Carlos Augusto Pires Brandão, destacou que à época da sentença, em 2016, “os documentos de identificação do estrangeiro residente no País eram regulamentados pelo Estatuto do Estrangeiro que previa o pagamento da taxa correspondente à emissão”.
No entanto, “os documentos de identificação do estrangeiro são necessários ao exercício de direitos preservados pela Constituição Federal, entre eles a cidadania, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, incisos II e III da CF) e a gratuidade dos atos necessários ao exercício da cidadania (art. 5º, inciso LXXVII)”, explicou o relator.
Diante disso e da situação financeira da autora, “que impede os seus atos da vida civil”, o magistrado ressaltou que “como é assegurado ao cidadão brasileiro nato, o direito à emissão gratuita da carteira de identidade, deve-se garantir o mesmo benefício aos estrangeiros hipossuficientes”.
Carlos Augusto Pires Brandão destacou, ainda, que em 2017, depois de dada a sentença, “o chamado Estatuto do Estrangeiro foi revogado integralmente pela Lei de Imigração (Lei n. 13.445/2017). O atual diploma prevê em seu art. 4º, XII, a isenção de taxas para estrangeiros, mediante declaração de hipossuficiência”.
O recurso ficou assim ementado:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. ESTRANGEIRO. EMISSÃO DE CARTEIRA DE IDENTIDADE E DE REGISTRO NACIONAL DE ESTRANGEIRO. ESTRANGEIRO HIPOSSUFICIENTE. GRATUIDADE DA TAXA. POSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA.
1.“O impedimento para que estrangeiro hipossuficiente obtenha, independentemente do pagamento de taxas, a Carteira de Identidade e o Registro Nacional de Estrangeiro, documentos que são imprescindíveis ao regular exercício das atividades cotidianas da vida civil, representa violação, a um só tempo, a dois fundamentos da República Federativa do Brasil, quais sejam: a cidadania e a dignidade da pessoa humana, previstos no art. 1º, inciso II e III, da Constituição Federal.” (REO 0008537-48.2014.4.01.4100, DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, TRF1 – QUINTA TURMA, e-DJF1 12/04/2018).
2. No caso dos autos, restou provado ser a autora cidadã boliviana, residente no Brasil há quinze anos e não ter condições financeiras para arcar com as taxas para expedição do Registro Nacional de Estrangeiros (RNE) e da Carteira de Identidade de Estrangeiro (CIE). Assim, embora ausente a previsão legal para a isenção das taxas em tela, deve ser mantida a sentença que assegurou o direito à autora.
3. Em relação aos honorários de sucumbência, a Defensoria Pública da União pode receber honorários de sucumbência em decorrência de sua atuação, conforme previsto no inciso XXI do art. 4º da Lei Complementar 80/1994, com a redação dada pela Lei Complementar 132/2009. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ag.Reg. na Ação Rescisória 1.937/DF, Relator Ministro Gilmar Mendes, por meio de seu Plenário, concluiu pela possibilidade de condenação da União ao pagamento de honorários de sucumbência em favor da Defensoria Pública da União após a EC 80/2014, afastando a aplicação do entendimento constante do enunciado nº 421 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.
4. Em razão da baixa complexidade da matéria, mostra-se razoável a fixação dos honorários em R$ 2.000,00 (dois mil reais), mediante apreciação equitativa, considerando o trabalho realizado durante o curso processual e o tempo exigido para o serviço, inclusive em grau recursal.
5. Apelação da União desprovida. Recurso adesivo da parte autora provido.
Com esse entendimento, o Colegiado negou a apelação da União e manteve a sentença que assegurou o direto à gratuidade da autora.
Processo: 0008539-18.2014.4.01.4100