A eventual cessão de direitos realizada pela parte autora entre o ajuizamento da ação e o momento anterior à citação não retira a sua legitimidade para integrar o processo: nesses casos, ocorre a alteração da qualidade da parte requerente, que modifica sua condição de titular do direito litigioso e se torna substituto do titular, por legitimação extraordinária.
A tese foi fixada pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao manter acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) que reconheceu a legitimidade de comprador para continuar no polo ativo de ação de indenização, mesmo após a cessão dos direitos do imóvel.
De acordo com os autos, o autor celebrou com a construtora contrato de aquisição de unidade imobiliária, com previsão de entrega em julho de 2011, sendo possível a prorrogação do prazo por 180 dias. Segundo o comprador, o imóvel só foi entregue em julho de 2012, motivo pelo qual teria direito à indenização por danos morais e materiais.
O magistrado de primeira instância, com base na informação de que o comprador celebrou, em 2013, instrumento particular de cessão de direitos e obrigações relativo ao imóvel, acolheu a preliminar de carência da ação e reconheceu a ilegitimidade do autor para discutir aspectos referentes ao contrato de compra e venda. Em relação aos danos morais, o pedido de ressarcimento foi julgado improcedente.
O TJDF reformou a decisão por entender que, ainda que o autor tenha realizado a cessão de direitos após o ajuizamento da ação, tal fato não lhe retira a legitimidade para compor o polo ativo. Por consequência, o tribunal condenou a construtora ao pagamento de multa moratória, mas manteve a improcedência do pedido de reparação por danos morais.
Legitimidade inalterada
O relator do recurso especial da construtora, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, destacou que a controvérsia sobre a cessão do direito litigioso no período compreendido entre o ajuizamento da ação e a citação da ré – fato que, para a construtora, implicaria a ilegitimidade ativa do autor – diz respeito à perpetuatio legitimationis, regra processual prevista no artigo 42 do Código de Processo Civil de 1973.
“Segundo a regra da perpetuatio legitimationis, a legitimidade das partes para o processo não é alterada em função da alienação da coisa ou do direito litigioso, conforme se depreende da literalidade da norma do artigo 42”, explicou o relator.
Sanseverino disse que, após a citação do réu, não há dúvidas de que a legitimidade do autor é mantida, conforme fixado pelo artigo 240 do CPC/73. Já no período entre a propositura da ação e a citação, apontou, a doutrina entende que o direito não é litigioso para o réu, mas já o é para o autor.
“Conclui-se, portanto, que a cessão de direitos realizada nos presentes autos, depois da propositura e antes da citação, não tornou o autor da demanda parte ilegítima, mas apenas alterou a qualidade da parte, que antes era titular do direito litigioso e agora passou à condição de substituto do titular, por legitimação extraordinária”, afirmou o relator.
Ao manter o acórdão do TJDF, o ministro Sanseverino lembrou que o Código de Processo Civil de 2015 alterou o momento de propositura da ação – da data em que a inicial era despachada, como previsto pelo CPC/73, para a data do protocolo da petição inicial. Entretanto, ressaltou, não houve alteração na regra do perpetuatio legitimationis.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CPC/1973. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL. PREMATURIDADE DA APELAÇÃO. DESCABIMENTO. CANCELAMENTO DA SÚMULA 418/STJ. CESSÃO DO DIREITO ANTES DA CITAÇÃO E APÓS A PROPOSITURA. LEGITIMIDADE DO ALIENANTE. ‘PERPETUATIO LEGITIMATIONIS’. EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO. PURGA DA MORA. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. 1. Recurso interposto no curso de ação indenizatória fundada no atraso da incorporadora em entregar a unidade habitacional ao adquirente. 2.
Descabimento da alegação de prematuridade do recurso de apelação, tendo em vista a mudança de entendimento que levou ao cancelamento da Súmula 418/STJ. 3. Cessão do direito litigioso pelo autor enquanto aguardava o cumprimento do mandado de citação.
4. Preservação da legitimidade processual do autor, cedente, para figurar no polo ativo da relação processual, aplicando-se a regra da ‘perpetuatio legitimationis’ (cf. art. 42 do CPC/1973, atual art. 109 do CPC/2015). Doutrina sobre o tema.
5. Inviabilidade de se apreciar a controvérsia acerca da exceção do contrato não cumprido, pois, segundo o quadro fático delineado pelo Tribunal de origem, incontrastável no âmbito desta Corte Superior (Súmula 7/STJ), houve purga da mora pelo adquirente, autor da demanda, antes do fim do prazo para entrega do imóvel pela incorporadora.
6. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1562583