CEF e o estado devem indenizar correntista por operações bancárias em conta com procuração falsa

A 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) decidiu, de forma unânime, que a Caixa Econômica Federal (CEF) deve pagar indenização por danos materiais e morais a um correntista da instituição que teve prejuízos financeiros após a CEF autorizar transferência de valores da conta-poupança do cliente para uma conta falsa, também aberta em nome dele por meio de uma procuração fraudulenta. No primeiro grau, a Justiça determinou o pagamento do dano material no valor R$ 17 mil reais ao correntista e o pagamento de dano moral no valor de 10 mil reais a ser dividido entre a CEF e o Estado de Minas Gerais, em face de culpa concorrente, por entender o juiz ser o estado responsável pela atuação do cartório que emitiu a procuração.

Na apelação, a CEF argumentou que não deveria ser responsabilizada pela fraude, pois todas as operações foram realizadas após a apresentação de uma procuração pública. O Banco destacou que, ao receber o pedido de transferência, o atendente da CEF requereu autenticação e reconhecimento da assinatura do tabelião do cartório. Para a CEF, o que desencadeou os fatos e o dano causado foi a procuração registrada pelo tabelião do cartório, uma vez que se não houvesse a procuração pública, não haveriam saques nem tampouco danos ao correntista.

Recorreu também o Estado de Minas Gerais, alegando que não poderia ser responsabilizado pela atuação do cartório, pois está consolidado o entendimento do Poder Judiciário de que notários e registradores são responsáveis tanto por atos próprios dos chefes dos cartórios quanto por atos de seus prepostos.

O correntista apresentou recurso adesivo pedindo o aumento do valor do dano moral para 34 mil reais, visto que ficou impossibilitado de adquirir um veículo mais novo, uma vez que trabalha com transporte coletivo e de tempos em tempos precisa renovar o modelo, sob pena de perder a concessão.

No TRF1, o relator, desembargador federal João Batista Moreira, explicou que a responsabilidade do Estado de Minas Gerais, no caso, é apenas subsidiária: o devedor solidário, ou seja, quem deveria responder juntamente com a Caixa seria o cartório, que poderia ter ingressado no processo, se requerido pelo banco, via “chamamento ao processo”.
Segundo o magistrado, a responsabilidade da CEF está demonstrada quando se verifica que “foi o autor vítima dos fatos narrados na inicial, não podendo ser excluída a responsabilidade da instituição bancária em casos tais, uma vez que esta deve zelar pelos valores que lhe são confiados em depósito, devendo assim se cercar de todas as cautelas necessárias no momento de abertura de contas, ou mesmo efetuação de transferências e saques”.

Para concluir, o desembargador sustentou que “a abertura de uma segunda conta em nome do mesmo titular, seguida de transferência de valores de uma conta para outra e posterior saque, tudo por meio de procuração, denota-se em procedimento não usual, que merecia um zelo ainda maior em certificar-se tratar de documentos legítimos os utilizados para tal finalidade”.

Com essas considerações, o Colegiado, acompanhando o voto do relator, deu provimento ao recurso do Estado de Minas Gerais e negou provimento à apelação da CEF e ao recurso adesivo do autor.

O processo ficou assim ementado:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ABERTURA DE CONTA, TRANSFERÊNCIA DE SALDO E SAQUE FRAUDULENTOS. DEFICIENTE VIGILÂNCIA DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA (CEF). RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA, EM TESE, DO CARTÓRIO DE TUPACIGUARA/MG, CUJO CHAMAMENTO AO PROCESSO ERA, ENTRETANTO, FACULTATIVO. RESPONSABILIDADE APENAS SUBSIDIÁRIA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO. RAZOABILIDADE.
1. Na sentença, foi julgado: a) “procedente o pedido inicial e, em consequência”, condenada “a CEF a pagar ao Autor a título de danos materiais, o valor de R$ 17.000,00 (dezessete mil reais), que deverão ser acrescidos de correção monetária de acordo com o Manual de Cálculos da Justiça Federal, a partir do saque indevido, bem como de juros moratórios à razão de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação”; b) “parcialmente procedente o pedido referente ao dano moral, fixando-o em R$ 10.000,00 (dez mil reais), o qual será atualizado a partir da publicação da sentença até a do efetivo pagamento pelos mesmos índices de atualização do dano material (Manual de Cálculos da Justiça Federal)”; c) condenado “o Estado de Minas Gerais a ressarcir à CEF metade do valor da indenização à requerida em face da culpa concorrente, qual seja, R$ 5.000,00 a título de danos morais e R$ 8.500,00 a título de danos materiais”.
2. O art. 236 da Constituição estabelece que “os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do poder público”. Os serviços notariais são serviços públicos prestados pelo método privado. A privatização, aí, “é apenas uma tomada de empréstimo de um método, uma inspiração” (Laubadère).
3. Predomina o entendimento de que a responsabilidade do Estado por danos causados pelas entidades privadas prestadoras de serviço público, em princípio, é subsidiária. Só será solidária quando houver “má escolha do particular prestador de serviço, por ausência e falha na fiscalização, desde que se comprove nexo causal entre essa conduta e o dano” (Odete Medauar).
4. A responsabilidade do Estado de Minas Gerais é, portanto, apenas subsidiária. O devedor solidário seria o cartório, cujo ingresso no processo deveria ter sido requerido como “chamamento ao processo”, nos termos do art. 77 do Código de Processo Civil vigente à época. O chamamento ao processo não tem o caráter de litisconsórcio necessário, por isso, não há nulidade da sentença e nada impede que a Caixa busque, em ação regressiva contra o Cartório, o que entender de seu direito.
5. A responsabilidade da Caixa Econômica Federal está demonstrada quando se diz, na sentença, que “foi o autor vítima dos fatos narrados na inicial, não podendo ser excluída a responsabilidade da instituição bancária em casos tais, uma vez que esta deve zelar pelos valores que lhe são confiados em depósito, devendo assim se cercar de todas as cautelas necessárias no momento de abertura de contas, ou mesmo efetuação de transferências e saques”; “a abertura de uma segunda conta em nome do mesmo titular, seguida de transferência de valores de uma conta para outra e posterior saque, tudo por meio de procuração, denota-se em procedimento não usual, que merecia um zelo ainda maior em certificar-se tratar de documentos legítimos os utilizados para tal finalidade”.
6. A existência de dano moral também está justificada pelo “desconforto pessoal do autor de ver subtraído de sua conta bancária, por longo período, de 22.01.2004 até a presente data, fraudulentamente, a maior parte de sua economia”.
7. O valor estabelecido, R$ 10.000,00 (dez mil reais), atende ao critério de razoabilidade.
8. Negado provimento ao agravo retido; provimento à apelação do Estado de Minas Gerais; negado provimento à apelação da Caixa Econômica Federal; negado provimento ao recurso adesivo do autor.

Processo nº: 0001420-39.2005.401.3803

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