Cancelamento e remarcação de concurso não geram danos morais ou materiais

A 3ª Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, por unanimidade, negou provimento ao recurso do autor e manteve a sentença proferida em 1ª instância, que julgou improcedente seu pedido de indenização por ter perdido prova de concurso público, em virtude da cancelamento de outro certame, no qual o autor também estava inscrito, que havia sido remarcado para a mesma data.

O autor ajuizou ação, na qual narrou que se inscreveu em concurso público para provimento de cargo de engenheiro civil da Cia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil – Novacap, concurso organizado pela Inaz do Para Serviços de Concursos Publicos LTDA. A previsão de aplicação da prova era dia 18/03/2018, todavia, a data foi alterada três vezes, sendo, por fim, agendada para dia 16/12/2018.

Contudo, ao chegar ao local indicado para a realização do certame, o candidato foi surpreendido pela notícia do cancelamento do concurso. O autor alegou ter sofrido danos materiais e morais pois, em razão das remarcações da prova do concurso da Novacap, deixou de participar de outro concurso marcado para o mesmo dia em São Paulo, para o qual havia pago inscrição e comprado passagens.

A juíza substituta do 1º Juizado Especial da Fazenda Pública do DF proferiu sentença na qual concluiu que: “Não é incomum haver provas em concursos públicos são adiadas ou remarcadas pelos mais variados motivos. Nem por isso, os candidatos fazem jus a alguma indenização. Tenho que inexistiu ato ilícito capaz de gerar danos morais indenizáveis, porquanto o adiamento da data de aplicação das provas é ato previsto pelo instrumento convocatório”.

O autor recorreu, porém seu recurso foi rejeitado. Os magistrados entenderam que a sentença deveria ser integralmente mantida, pois, diante da coincidência de datas, o candidato escolheu se submeter ao concurso para o qual se considerou mais preparado. Além disso, ao negar o dano moral, destacaram que o cancelamento do concurso atingiu indistintamente a todos os inscritos no certame e não exclusivamente ao recorrente.

O recurso ficou assim ementado:

CIVIL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. RESPONSABILIDADE CIVIL. QUATRO ADIAMENTOS SUCESSIVOS DE DATAS DE PROVA, ÚLTIMO DELES COMUNICADO AOS CANDIDATOS APENAS NO DIA EM QUE SERIA REALIZADO O EXAME. DESIGNAÇÃO DE NOVA DATA, QUE COINCIDIU COM O DIA DE REALIZAÇÃO DE OUTRO CERTAME NO QUAL O RECORRENTE ESTAVA INSCRITO, NA CIDADE DE SÃO PAULO. REPARAÇÃO DE DANO MATERIAL E MORAL. SITUAÇÃO CONCRETA NA QUAL NÃO SE VERIFICA A EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS QUE PERMITAM O ACOLHIMENTO DA PRETENSÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO DE NATUREZA EXTRAPATRIMONIAL. ABORRECIMENTO QUE NÃO TRANSBORDA PARA A LESÃO AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE. INAPLICABILIDADE DA TEORIA DA “PERDA DE UMA CHANCE”. DANO MATERIAL. OPÇÃO FEITA PELO CANDIDATO POR UM DOS CERTAMES.  RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

1. Trata-se de recurso interposto pelo autor, em face da sentença que julgou improcedentes os pedidos de indenização por danos morais e materiais, em decorrência de adiamento de prova de concurso público.

2. O autor inscreveu-se em concurso público para provimento de cargo no quadro da segunda ré, certame organizado pela primeira ré, com previsão de aplicação de prova em 18/03/2018. A data da prova foi adiada para 24/06/2018, 09/12/2018 e 16/12/2018. Entretanto, em 16/12/2018, ao chegar ao local indicado para a realização do certame, o candidato teria sido surpreendido com o cancelamento da prova.

3. Segundo o relato autoral, ele deixou de participar de outro certame marcado no mesmo dia 16/12/2018 em São Paulo e, em decorrência do cancelamento das passagens adquiridas para o transporte à capital paulista, sofreu o prejuízo de R$ 422,63, além de danos morais que especifica.

4. A sentença merece ser confirmada por seus próprios fundamentos, os quais peço licença para reproduzir, dada a clareza que manifestam. Inicialmente, dispõe o § 6º do art. 37 da CF que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. Trata-se de responsabilidade objetiva, na qual há de ser comprovada a conduta irregular do Estado, o dano sofrido pelo administrado, bem como o respectivo nexo causal.

5. O “Princípio da Vinculação ao Instrumento Convocatório” se traduz na regra de que o edital faz lei entre as partes, devendo os seus termos ser observados até o final do certame. Observa-se que o item 1.5.1 do Edital de Abertura das Inscrições para o Concurso da Novacap (001/2017) esclarece que “havendo indisponibilidade de locais suficientes ou adequados para a realização das provas em Brasília/DF, na data prevista no cronograma do concurso público, estas poderão ser realizadas em outro turno e/ou dia, previamente informado através do endereço eletrônico http://www.paconcursos.com.br (ID 8750851 – Pág. 1).

6. Por sua vez, a Lei nº 4.949/2012, que estabelece normas gerais para realização de concurso público pela administração direta, autárquica e fundacional do Distrito Federal, dispõe em seu art. 49 que “as provas são aplicadas nos dias, nos horários e nos locais previstos em edital normativo do concurso público”, não existindo estipulação de prazo mínimo para agendamento das provas.

7. Nesse diapasão, a Administração Pública tem liberdade para estabelecer as regras que nortearão cada fase do concurso, de acordo com a sua conveniência e oportunidade, de modo a preservar o interesse público e assegurar a isonomia entre os participantes. Apesar de o concurso ter sido submetido a quatro alterações de datas de realização de prova, não se pode olvidar, de início, que o próprio autor admitiu, na petição inicial, que os dois primeiros adiamentos não aconteceram por fatos imputáveis à conduta das demandadas (“Ocorre que os dois primeiros cancelamentos ocorreram por fatores externos, com medidas judiciais, o que de certa forma afasta a responsabilidade das Rés…” – texto transcrito da peça de ingresso). O terceiro adiamento, de seu turno, fora comunicado com antecipação, também conforme registrado na exordial.

8. A prova foi finalmente designada para o dia 16.12.2018, mesma data na qual o autor participaria de outro certame, na cidade de São Paulo, inclusive ele teria adquirido as passagens aéreas para o deslocamento. Ocorre que o ultimo cancelamento se deu pela absoluta inadequação constatada em vários dos locais onde as provas seriam aplicadas (exemplifico: CEF 201, Santa Maria: salas sujas, não organizadas, falta de material de higiene, banheiros sujos; CEF 308, Santa Maria: idem; CDE 416, Santa Maria: iluminação precária, falta de material de higiene, acesso ruim; CEF 03, Sobradinho: segundo informações, “não cederá o espaço”; Pólo Taguatinga/Ceilândia EIT: foi constatado que não havia banheiros para deficientes.)

9. Conquanto se possa afirmar que a banca organizadora do certame poderia ter exercido o papel fiscalizador dos locais de aplicação da prova com alguma antecedência e, principalmente, procedido às reparações que entendesse necessárias, certo que trata-se de concurso com elevado número de candidatos e que necessitou de complexa logística na administração dos recursos. Ao constatar, na véspera da prova, que alguns dos locais de aplicação não ostentavam situação adequada, é óbvio que não seria possível cindir a execução daquela fase do certame, permitindo a realização parcial (apenas nos locais que se mostrassem verdadeiramente adequados ao desiderato em questão). Assim, inexiste qualquer irregularidade no ato de adiamento – suposto fato gerador dos danos alegados pelo recorrente – pois, ao contrário, dada a presunção de legitimidade dos atos da administração, poder-se-ia concluir que, se isso ocorreu, a manutenção da data é que teria o condão de ferir disposição editalícia e macular o resultado do certame.

10. O autor alega prejuízo material, consistente nas despesas com as passagens aéreas adquiridas no deslocamento até São Paulo e inscrição perdida em outro concurso também com provas marcadas para o dia 16.12.2018 na capital paulista, mas ele mesmo afirma que, diante do choque de datas, foi sua a escolha por participar do concurso promovido pela Novacap (“O Autor optou por não realizar o outro certame em que estava inscrito, no dia 16/12/2018, optando por realizar a prova da NovaCap, pois estava melhor preparado para tal concurso”). Não se olvide que a realidade presente na vida dos “concurseiros” infelizmente convive com situações de choques de datas que acabam por leva-los a escolhas tais como a confessada pelo recorrente.

11. Quanto ao dano moral sustentado, a alteração das datas de realização da prova, inclusive o cancelamento realizado no dia de sua aplicação, por óbvio, causou alguma dificuldade e frustração aos candidatos. Entretanto, tal fato atingiu indistintamente a todos os inscritos no certame e não exclusivamente ao recorrente. Trata-se de evento que não extrapola o limite do aborrecimento com o qual podem se deparar, não deixa de ser previsível na realidade dos concursos públicos e se manifesta insuficiente para causar abalo psíquico indenizável.

12. Apesar de o autor não ter feito referência direta a esta tese na inicial, convém aqui registrar que as circunstancias relatadas – inscrição em outro certame (São Paulo) e impossibilidade de participar, dada a coincidência de datas – não torna possível a aplicação da teoria da “perda de uma chance” e, por conseqüência, não acarreta o pretendido direito de reparação por dano de natureza extrapatrimonial. Com efeito, a reparação civil pela perda de uma chance deriva da “frustração de uma fundada expectativa de obter uma situação futura melhor (seja pela aferição de uma vantagem, seja pela minimização de um prejuízo) com grande probabilidade de consumação, mas que não é obtida em razão da prática de um ato ilícito por uma outra pessoa, causador de um dano sério, real, atual e certo…” (Acórdão 1150798, 2ª Turma Cível, Rel. Des. Cesar Loyola, julgamento em 06.02.2019). No caso ora sob exame, mais uma vez reafirma-se que não há como concluir pela “grande ou real possibilidade” de o recorrente ser aprovado no concurso do qual participaria em São Paulo, já que ele optou pela prova da Novacap, para a qual estava melhor preparado, abdicando de efetivamente participar do outro certame.

13. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. Sentença que merece ser prestigiada pelos fundamentos que ostenta, com súmula de julgamento servindo de acórdão, na forma do artigo 46 da Lei nº 9.099/95.

14. Condeno o recorrente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor da causa, suspensa sua exigibilidade diante da gratuidade de justiça concedida.

PJe: 07121935320188070018

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