A 5ª Turma do TRF 1ª Região negou provimento à apelação da Caixa Econômica Federal (CEF) contra a sentença, do Juízo da 19ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais que, nos autos da ação civil pública ajuizada pela Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH) que buscava a concessão de provimento judicial no sentido de que a instituição fosse condenada a renegociar, nos termos da Lei nº 11.922/09, os contratos de financiamento imobiliário firmados até 15/09/2001, no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação (SFH).
A CEF sustentou, em resumo, que a imposição de obrigação de renegociar, com amparo na Lei nº 11.922/2009, constitui interpretação equivocada, que desconsidera a própria natureza da transação, o princípio da autonomia das vontades e a liberdade contratual. Alegou que inexiste obrigação legal de renegociar a dívida, mas, sim, uma faculdade a ser executada conforme a autonomia da vontade de cada uma das partes. Relatou a existência de prejuízos decorrentes da renegociação compulsória, defendendo, ainda, a necessidade de ressarcimento por parte do mutuário dos custos operacionais e das despesas realizadas com a expropriação dos imóveis de mutuários interessados em renegociar a dívida. Requereu, assim, o provimento do recurso de apelação com a improcedência do pedido inicial.
O MPF, por sua vez, pretendeu tão somente a extensão dos efeitos da sentença para todo o território nacional, independentemente da limitação territorial do art. 2-A da Lei nº 9.494/97. Pede, pois, o provimento do recurso, nos termos atacados.
Em resposta à alegação da Caixa, o relator, o desembargador federal Souza Prudente, enfatizou que os fundamentos apresentados pela Instituição não merecem prosperar por se tratar de um assunto pacificado: “a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já firmou seu entendimento no sentido da legitimidade ad causam do Ministério Público Federal para propor ação civil pública em defesa de direito individual homogêneo de mutuários do SFH, visto que presente o relevante interesse social da matéria.” (AgRg no REsp 739.483/CE), Relator Ministro Humberto Martins, da 2ª do STJ julgado em 06/04/2010, DJe 23/04/2010).
O magistrado ainda destacou em seu voto o seguinte contexto “o art. 3º da Lei nº 11.922/2009 impõe aos agentes financeiros a obrigação de renegociar, de comum acordo entre as partes contratantes, os contratos de financiamento habitacional formalizados até 5 de setembro de 2001, no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação(SFH), sem a cobertura do Fundo de Compensação da Variação Salarial FCVS, bem como os contratos de financiamento que originariamente contavam com esta cobertura mas que a tenham perdido ou vierem a perdê-Ia, que apresentem o desequilíbrio financeiro nos termos da lei”.
“Ademais, ainda que assim não fosse, eventual restrição territorial, a que alude o referido dispositivo legal, não se confunde com a eficácia subjetiva da coisa julgada, que obriga a todos aqueles integrantes da relação processual, independentemente da sua localização, a descaracterizar, na espécie, qualquer violação à norma do art. 16 da Lei nº 7.347/1985, conforme, inclusive, já decidiu este egrégio Tribunal, in verbis”, concluiu o desembargador.
Dessa maneira, decidiu a 5ª Turma, em sua formação ampliada, negar provimento à apelação da CEF e dar provimento à apelação do Ministério Público Federal, nos termos do voto do relator, para estender os efeitos do julgado a todo o território nacional, mantendo a sentença recorrida em seus demais termos.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO (SFH). LEI Nº 11.922/2009, ART. 3º. RENEGOCIAÇÃO DA DÍVIDA. CONTRATOS EM DESEQUILÍBRIO FINANCEIRO, NOS TERMOS DA LEI. OBRIGAÇÃO DO AGENTE FINANCEIRO. FACULDADE DO MUTUÁRIO. INTERPRETAÇÃO LEGAL EM CONFORMIDADE COM O DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA (CF, ART. 6º). EXTENSÃO DOS EFEITOS DO JULGADO. TERRITÓRIO NACIONAL. ILEGITIMIDADE RECURSAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. PRELIMINAR REJEITADA.
I – Na espécie, não há que se falar em ilegitimidade recursal do Ministério Público Federal, uma vez que “a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já firmou seu entendimento no sentido da legitimidade ad causam do Ministério Público Federal para propor ação civil pública em defesa de direito individual homogêneo de mutuários do SFH, visto que presente o relevante interesse social da matéria.” (AgRg no REsp 739.483/CE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/04/2010, DJe 23/04/2010), assim como o órgão ministerial possui legitimidade recursal também nos casos em que atua como custus legis, como na espécie, a teor do art. 499, § 2º, do CPC então vigente.
II – Nos termos do art. 3º da Lei nº 11.922/2009, os agentes financeiros possuem a obrigação de renegociar, de comum acordo entre as partes contratantes, os contratos de financiamento habitacional formalizados até 05 de setembro de 2001, no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação – SFH, sem a cobertura do Fundo de Compensação da Variação Salarial – FCVS, bem como os contratos de financiamento que originariamente contavam com esta cobertura mas que a tenham perdido ou vierem a perdê-Ia, que apresentem o desequilíbrio financeiro nos termos da lei.
III – Nesse contexto, não há que se falar em mera faculdade da CEF notificar os mutuários e de renegociar, nos termos da lei de regência, sendo que a melhor interpretação da referida norma, em sintonia com o direito fundamental à moradia, inscrito no art. 6° da Constituição da República, é no sentido de que pertence ao mutuário a faculdade de realizar a renegociação da dívida imobiliária, devendo a instituição financeira oferecer-lhe a respectiva proposta, com vistas a recobrar o equilíbrio financeiro do contrato.
IV – A restrição territorial prevista no art. 16 da Lei da Ação Civil Pública (7.347/85) não opera efeitos no que diz respeito às ações coletivas que visam proteger interesses difusos ou coletivos stricto sensu, como no presente caso. (CC 109.435/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/09/2010, DJe 15/12/2010). Precedentes do STJ e TRF/1ª Região, na espécie.
V – Apelação da CEF desprovida. Apelação do MPF provida, para estender os efeitos do julgado a todo o território nacional, mantendo a sentença recorrida em seus demais termos.
Processo: 0022964-19.2010.4.01.3800