O acordo de compensação foi considerado inválido pela 7ª Turma
A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho considerou inválido o acordo coletivo que previa a compensação de jornada em atividade insalubre na FRS S.A. – Agro Avícola Industrial, de Passo Fundo (RS), sem autorização prévia do Ministério do Trabalho. Com isso, a empresa terá de pagar horas extras a uma auxiliar de produção. Conforme o colegiado, a norma coletiva não pode estipular a prorrogação da jornada, porque o direito é inegociável.
Atividade insalubre
Contratada pela FRS em 2008 para atuar no setor de evisceração, a auxiliar ajuizou ação trabalhista em 2013, requerendo horas extras. Segundo ela, o regime de compensação utilizado pela empresa era inválido, porque seu trabalho era insalubre.
Acordo
Em sua defesa, a empregadora argumentou que tanto o regime de compensação semanal quanto o banco de horas foram adotados com base na autorização em acordo individual e convenção coletiva.
O juízo de primeiro grau condenou a FRS a pagar as horas extras excedentes da oitava diária e da 44ª semanal, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) excluiu a condenação. Para o TRT, a validade do regime de compensação de horas extras previsto em norma coletiva deve prevalecer, mesmo sendo atividade insalubre e não havendo autorização do Ministério do Trabalho. A decisão se fundamentou nos incisos XIII e XXVI do artigo 7º da Constituição Federal, que prestigiam o princípio da autonomia das vontades coletivas e a compensação da jornada de trabalho.
Direito indisponível
O relator do recurso de revista da analista de produção, ministro Evandro Valadão, assinalou que o tema em discussão se refere a um direito inegociável, ou absolutamente indisponível. Ele lembrou que o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou a tese jurídica de repercussão geral (Tema 1.046) de que são constitucionais acordos e convenções coletivos “desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”.
Ele destacou que há previsão constitucional e legal que veda a ampliação da jornada em atividade insalubre sem autorização da autoridade competente. O artigo 7º, inciso XXII, da Constituição assegura ao trabalhador a redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança, e o artigo 60 da CLT, com a redação anterior à Reforma Trabalhista, considera indispensável essa autorização, sem nenhuma exceção.
A decisão, que firmou precedente da Sétima Turma, foi unânime.
Tema controvertido
A interpretação da tese fixada pelo STF no Tema 1.046 da repercussão geral ainda é controvertida entre as Turmas, que têm analisado vários aspectos das normas coletivas, com entendimentos diversos em relação aos direitos considerados indisponíveis.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. 1. TEMPO DE ESPERA POR TRANSPORTE AO FINAL DA JORNADA.
I. A parte reclamante alega que o período em que o obreiro permanece à espera do transporte no final da jornada configura tempo à disposição do empregador e deve ser remunerado.
II. O recurso de revista está amparado apenas em divergência jurisprudencial, um único aresto.
III. Ocorre que a parte recorrente não cita a fonte de publicação da decisão paradigma nem a apresenta dentre aquelas juntadas ao final do recurso de revista. Assim, não observados os requisitos exigidos pelo item I, “a”, da Súmula 337 do TST, não há como processar o recurso de revista.
IV. Recurso de revista de que não se conhece.
2. HORAS EXTRAS – TEMPO GASTO COM TROCA DE UNIFORME. INDENIZAÇÃO – DANOS ESTÉTICOS. DESCUMPRIMENTO DO INCISO I DO § 1º-A DO ART. 896 DA CLT.
I. Em relação aos acórdãos regionais publicados a partir de 22/9/2014 (vigência da Lei nº 13.015/2014), caso dos autos, foram acrescidos novos pressupostos intrínsecos para o processamento do recurso de revista, conforme se verifica do art. 896, § 1º-A, I, II e III, da CLT.
II. Faz-se presente o pressuposto intrínseco formal de admissibilidade previsto no art. 896, § 1º-A, I, da CLT com a transcrição do excerto do acórdão regional em que repousa o prequestionamento da matéria impugnada, identificando-se claramente a tese que se quer combater no recurso, de forma a possibilitar o imediato confronto do trecho transcrito com as violações, contrariedades e arestos articulados de forma analítica nas razões do recurso de revista.
III. No caso vertente, a parte recorrente nada transcreve do v. acórdão recorrido, procedendo tão somente com as razões recursais relativas aos temas em epígrafe, sem indicar os respectivos trechos da decisão regional que contenham as teses que pretende ver analisadas perante esta c. Corte Superior, o que obsta o processamento do recurso de revista pelo não preenchimento de inexcusável requisito intrínseco de admissibilidade, o qual deve ser cumprido e demonstrado no ato da interposição do recurso, não se sujeitando à regra do § 11 do art. 896 da CLT e do art. 932, parágrafo único, do CPC, com a finalidade de corrigir o defeito, por não configurar vício sanável.
IV. Recurso de revista de que não se conhece.
3. HORAS EXTRAS. INTERVALO INTRAJORNADA.
I. A parte reclamante alega que restou comprovada a não fruição do intervalo de uma hora para descanso e alimentação. Sustenta que deve prevalecer o depoimento da testemunha que comprovou a não fruição do referido intervalo.
II. O trecho do v. acórdão recorrido indicado nas razões do recurso de revista assinala que ” o conjunto probatório demonstra que a reclamante gozava do intervalo intrajornada mínimo de uma hora diária , não dispendendo tempo na higienização muito superior daquele gasto por qualquer pessoa no seu dia a dia “.
III. Assim, n ão há violação do art. 71, caput , § 4º, da CLT, nem contrariedade à Súmula 437 do TST, haja vista que não foi reconhecida a supressão ou não fruição do intervalo intrajornada.
IV. Recurso de revista de que não se conhece.
4. DOENÇA OCUPACIONAL. DANO MORAL. PRETENSÃO DE MAJORAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO.
I. A parte reclamante alega que, tendo em vista a configuração do nexo de causalidade, a culpa presumida, a capacidade financeira das reclamadas e a obrigação destas de proteger a saúde dos funcionários, o valor arbitrado à indenização não observou a razoabilidade, a extensão do dano, a gravidade da lesão e o poder econômico das requeridas.
II. Destaca-se do v. acórdão recorrido a controvérsia acerca da existência do nexo causal da doença com as atividades exercidas na reclamada, havendo laudo do perito oficial recusando o referido nexo e, em sentido contrário, laudo do INSS que o reconhece. Não obstante, a discussão diz respeito exclusivamente ao valor da indenização por dano moral decorrente de doença ocupacional, se deve ou não ser majorado.
III. O v. acórdão registra que o perito do Juízo atestou a moléstia diagnosticada de forma temporária e, no momento da perícia, a parte autora estava apta para as atividades laborativas que exercia; houve dois períodos de licença da reclamante com o posterior retorno às atividades laborais; e não há registro de eventual perda da capacidade laborativa. Assinala, ainda, o julgado, que a atividade cotidiana e rotineira desenvolvida pela reclamante no frigorífico era de natureza braçal, envolvendo movimentos repetitivos, conforme constatado pelo próprio perito oficial; e as reclamadas não comprovaram a adoção de medidas preventivas e de proteção à saúde e segurança no trabalho.
IV. O Tribunal Regional entendeu que o nexo causal com o trabalho é presumido e cabia às reclamadas o ônus de provar que a atividade laborativa não atuou como fator contributivo para o desencadeamento da doença, do qual não se desincumbiram a contento. Reconheceu, assim, a exposição da reclamante a riscos de lesão por esforço repetitivo nos tendões e nas articulações dos membros superiores; a compatibilidade entre a lesão apresentada pela reclamante e os riscos a que estava submetida no desenvolvimento das atividades laborativas; e fixou o grau de responsabilidade das reclamadas em 50%, considerando a existência de duas concausas e as condições de trabalho a que foi submetida a reclamante.Nessa linha, arbitrou à indenização por dano moral o valor de R$5.000,00 sob o fundamento de que este montante compensa a vítima e pune o agressor como medida pedagógica, visando a sua conscientização quanto à obrigação de proteger a saúde e o bem estar de seus empregados.
V. A jurisprudência desta c. Corte Superior firmou-se no sentido de que o debate vinculado ao valor arbitrado para reparação de ordem moral apenas se viabiliza, excepcionalmente, no controle do atendimento aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, notadamente em casos em que o valor fixado revela-se excessivamente irrisório ou exorbitante, o que não se verifica na hipótese.
VI. No caso, o montante da indenização por dano moral foi arbitrado levando em conta a gravidade da lesão que não apresenta perda da capacidade laboral e o fato relevante da existência de duas concausas alheias ao contrato de trabalho, de modo que o valor de R$5.000,00 não pode ser considerado desproporcional em relação à gravidade da culpa (50%) atribuída à parte reclamada e o dano.
VII. Desse modo, o quantum indenizatório não se revela irrisório e considerou a natureza e a extensão do dano moral sofrido pela reclamante, inexistindo elementos no v. acórdão recorrido que permitam aquilatar suposta inobservância de superior capacidade financeira das reclamadas a exigir o pretendido aumento do valor da reparação.
VIII. Recurso de revista de que não se conhece.
5. LUCROS CESSANTES. CUMULAÇÃO COM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.
I. A parte reclamante alega que, ao interpretar que ” os lucros cessantes são calculados com base na diferença entre a remuneração e o benefício previdenciário “, o Tribunal Regional violou o art. 7º, XXII, da Constituição da República e divergiu de outro julgado.
II. O Tribunal Regional entendeu que a diferença entre a remuneração mensal percebida pela parte autora e o valor recebido a título de auxílio doença previdenciário corresponde efetivamente àquilo que ela deixou de ganhar a título de lucros cessantes em decorrência da doença.
III. O art. 7º, XXII, da CRFB trata de assegurar o direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, não abarcando a discussão sobre valores e critérios devidos em face de lucros cessantes decorrentes de doença ocupacional.
IV. Por sua vez, a recorrente não indica o Tribunal de origem, nem a fonte de publicação em relação ao único aresto paradigma indicado nas razões do recurso de revista, inobservando os requisitos exigidos pela Súmula 337 do TST para a validade da divergência jurisprudencial indicada.
V. Recurso de revista de que não se conhece.
6. HORAS EXTRAS – ATIVIDADE INSALUBRE – ACORDO DE COMPENSAÇÃO DE JORNADA PREVISTO EM NORMA COLETIVA – AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DA AUTORIDADE COMPETENTE PREVISTA NO ARTIGO 60 DA CLT – INVALIDADE. TEMA 1046 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL DO E. STF.
I. A parte reclamante alega que a prestação de horas extras habituais, inclusive aos sábados, e o trabalho insalubre invalidam o regime compensatório. Afirma que não foi comprovada a existência de licença prévia previsão no art. 60 da CLT.
II. O Tribunal Regional entendeu que a validade do regime de compensação de horas extras previsto em norma coletiva deve prevalecer, mesmo em se tratando de atividade insalubre e sem a autorização da autoridade competente exigida pelo art. 60 da CLT para a prorrogação da jornada, sob o fundamento de que a combinação dos incisos XIII e XXVI do art. 7º da Constituição da República não convalidam a exigência prevista no dispositivo legal, visto que aqueles incisos prestigiam o princípio da autonomia das vontades coletivas e a compensação da jornada de trabalho.
III. Em 3/5/2019, o Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal, analisando o Tema 1046 da Tabela de Repercussão Geral, que trata da ” validade de norma coletiva de trabalho que limita ou restringe direito trabalhista não assegurado constitucionalmente “, reconheceu, por unanimidade, a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada e decidiu submeter a matéria a posterior julgamento no Plenário físico ( leading case : ARE-1121633, Relator Ministro Gilmar Mendes, acórdão de repercussão geral publicado no DJe-108 de 23/5/2019).
IV. Em 14/06/2022 foi publicada a decisão do e. STF proferida no Tema 1046, fixando a seguinte tese jurídica: ” São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis “.
V. Na hipótese vertente, discute-se exclusivamente a possibilidade ou não de a negociação coletiva estipular, sem autorização da autoridade competente, prorrogação e compensação jornada em atividade insalubre. A matéria está abarcada por direito absolutamente indisponível, havendo previsão constitucional e legal que vedam a ampliação da jornada de trabalho em atividade insalubre sem autorização da autoridade competente, nos termos do art. 7º, XXII, da Constituição da República, que assegura ao trabalhador a redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança, e do art. 60 da CLT, com a redação anterior à alteração promovida pela Lei nº 13.467/2017, que, sem nenhuma exceção , dispõe ser indispensável a autorização prévia da autoridade competente em matéria de higiene do trabalho para que haja acordo de prorrogação da jornada de trabalho em atividades insalubres.
VI. No caso concreto, ao afastar a exigência do art. 60 da CLT para validar negociação coletiva que prorrogou a jornada em atividade insalubre sem a autorização da autoridade competente na matéria, o v. acórdão recorrido violou o mencionado dispositivo legal. Deve, portanto, o recurso de revista ser provido para restabelecer a sentença que condenou a parte reclamada ao pagamento das horas extraordinárias.
VII. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.
Processo: RR-281-20.2013.5.04.0662