A 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) determinou o retorno dos autos ao juízo que havia extinguido o processo, sem resolução do mérito, por não reconhecer uma arrendatária como parte legítima para pleitear indenização em dinheiro referente a possíveis vícios no imóvel que adquiriu pelo “Minha Casa, Minha Vida”. A decisão unânime acompanhou o entendimento do desembargador federal Daniel Paes Ribeiro na ação envolvendo pedido de indenização por vícios construtivos de imóvel.
Com a decisão do Tribunal, que deu provimento à apelação da arrendatária, a sentença que extinguiu o processo foi anulada e o juízo de origem deverá dar regular processamento à ação para apurar e confirmar ou não a existência de vícios que ensejem indenização.
Segundo o relator, nem mesmo o prévio requerimento administrativo junto à Caixa Econômica Federal (CEF) deveria ser visto como condição prévia ao acionamento da Justiça para apreciação de possível indenização nesses casos.
O caso concreto – A arrendatária que apelou ao TRF1 havia adquirido o imóvel ao firmar contrato de compra e venda e mútuo com obrigações e alienação fiduciária em garantia por intermédio do programa “Minha Casa, Minha Vida”.
Ela declarou, ao juízo em primeira instância, que ao ingressar na posse do imóvel observou o surgimento de inúmeros problemas internos e externos de sua moradia, tais como “deficiência nas instalações hidráulicas e elétricas, rachaduras e trincas nos pisos e revestimentos, umidade, falhas de impermeabilização, deterioração do reboco e pintura, infiltrações diversas, entre inúmeros outros”.
No entanto, apesar das alegações, o magistrado sentenciante entendeu que, pela parte autora não ser proprietária do imóvel, mas tão somente arrendatária, não poderia pleitear indenização em dinheiro, pois “dessa forma, a CEF estaria indenizando um terceiro por um vício de construção em imóvel que lhe pertence”.
Ao TRF1, a arrendatária alegou que teve a defesa cerceada, pois seria obrigatória a realização de perícia judicial para resolver a questão e também defendeu sua legitimidade ativa como devedora fiduciante para pleitear indenização por danos materiais e morais decorrentes de vícios de construção.
O desembargador federal Daniel Paes Ribeiro, ao analisar a apelação, destacou que o entendimento jurisprudencial do Tribunal considera a realização de perícia como indispensável para confirmar os vícios de construção e para determinar custos de reparação.
Também ressaltou que a arrendatária tem legitimidade para figurar no polo ativo de ações em que se pleiteia indenização por danos materiais e morais decorrentes de vícios de construção do imóvel por ser equiparada à condição de proprietária.
O recurso ficou assim ementado:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (CEF). ARRENDAMENTO RESIDENCIAL. ILEGITIMIDADE ATIVA AFASTADA. PERÍCIA. NECESSIDADE. SENTENÇA ANULADA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM.
1. Trata-se de ação visando indenização por danos materiais e morais que a parte autora teria sofrido em virtude de vícios na construção de imóvel adquirido mediante o programa “Minha Casa Minha Vida”.
2. O juiz sentenciante extinguiu o processo, sem resolução do mérito, por considerar ausente o interesse de agir do demandante, pois, na condição de arrendatário, não deveria pleitear indenização em dinheiro, mas, sim, obrigação de fazer consistente no reparo do bem. Além disso, o autor não teria indicado de forma específica na petição inicial os fatos e fundamentos jurídicos que embasam sua pretensão.
3. Em suas razões recursais, a parte apelante sustenta, em síntese, que houve cerceamento de defesa, por entender que seria obrigatória a perícia judicial para o deslinde da questão, e defende a legitimidade ativa do devedor fiduciante para pleitear indenização por danos materiais e morais decorrentes de vícios de construção.
4. Na hipótese, compartilho do entendimento da jurisprudência deste Tribunal, que tem consignado que: “Em se tratando de ação em que a parte autora pretende a condenação da parte ré em indenização por danos materiais e morais, pela eventual existência de vícios de construção no imóvel, a perícia deve ocorrer in loco, de modo a se verificar a existência ou não dos alegados vícios de construção, perícia essa a ser realizada por técnico especializado” (AC n. 1004222-40.2020.4.01.3100 – Relator Desembargador Federal Jamil Rosa de Jesus Oliveira – PJe 25.04.2022).
5. Ademais, a “jurisprudência vem se orientando no sentido de que, nas ações em que se busca indenização por danos materiais e morais, em virtude de vícios de construção no imóvel, o arrendatário tem legitimidade ativa para ajuizar ações relativas ao bem arrendado, por ser equiparado à condição de proprietário. Precedentes do STJ e desta Corte” (AC n. 1032778-97.2021.4.01.3300 – Relator Desembargador Jamil Rosa de Jesus Oliveira – PJe 14.02.2022).
6. Este Tribunal, em consonância com o art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988, já decidiu que não há necessidade de exaurimento das vias administrativas para o ingresso em juízo, estando, portanto, configurado o interesse de agir da parte autora em pleitear em juízo a indenização por danos materiais em decorrência dos vícios de construção constatados no imóvel.
7. Apelação provida, para anular a sentença e determinar o retorno dos autos para regular processamento.
O magistrado salientou, ainda, que não há necessidade de exaurimento das vias administrativas para o ingresso em juízo, mesmo quando há canal de comunicação criação para esta finalidade.
Processo: 1015157-24.2020.4.01.3300