Agente de correios demitida por criticar empregador em redes sociais será reintegrada

Para a 7ª Turma, não houve gradação das penalidades

A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou a reintegração de uma agente de correios que havia sido dispensada por justa causa por publicar em rede social mensagem considerada ofensiva pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) . Para o colegiado, a empresa deveria utilizar a gradação das penalidades antes de aplicar a maior punição prevista na relação de emprego.

Punição excessiva

A agente de correios trabalhava na ECT desde 2004. Em abril de 2018, foi dispensada por justa causa em razão de uma publicação em seu perfil no Facebook com a frase “Escrava na empresa Correios”. Na reclamação trabalhista, ela pediu a nulidade da dispensa, alegando que a medida fora excessiva, por ter desprezado sua vida pregressa, sem nenhuma punição anterior.

Segundo seu argumento, uma “mera frase coloquial” não poderia atingir a honra ou a boa imagem de uma empresa pública de nível nacional, nem a postagem teria tido feita com essa intenção.

Falta grave

Em sua defesa, a ECT sustentou que a punição fora aplicada com base em fatos devidamente apurados em procedimento interno, em que foi garantido à empregada o exercício do contraditório e da ampla defesa. A seu ver, os fatos foram graves o suficiente para abalar a confiança que deve existir na relação de emprego, pois a agente teria usado de sua liberdade de expressão para atingir a reputação da empresa.

Reversão

O juízo da 4ª Vara do Trabalho de Santos (SP) afastou a justa causa e condenou a empresa a reintegrar a agente e a pagar os salários do período de afastamento. Segundo a sentença, a única conduta de publicar a frase, em 14 anos de serviço, não autoriza a justa causa, e, mesmo com o devido procedimento administrativo, a empresa não observou a gradação da punição.

Quebra de confiança

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), porém, considerou válida a dispensa, por entender que o ato que, além de expressamente proibido pelo manual da empresa, é grave o suficiente para caracterizar a quebra da confiança.

Normalização da escravidão

O relator do recurso de revista da empregada, ministro Cláudio Brandão, ressaltou que a expressão utilizada por ela (“escrava”), embora seja comumente utilizada para indicar, de forma jocosa, o trabalho em jornada mais extensa, deve ser repudiada, “por fazer alusão e pretensamente normalizar “um dos crimes mais bárbaros cometidos contra a humanidade” e que até hoje ocorre no Brasil. “É necessário advertir, portanto, que não se compactua com a atitude dispensada pela trabalhadora”, afirmou.

Gradação da penalidade

Contudo, para o ministro, a conduta, por si só, não serve como justo motivo para a dispensa porque não tem gravidade suficiente para ofender a honra e a imagem da empresa, considerando o sentido coloquial emprestado à expressão. “Ou seja, embora se trate de ato reprovável, não tem a gravidade necessária à configuração da justa causa”, explicou.

Ainda de acordo com o relator, a empresa deveria ter graduado as penalidades para, só assim, aplicar a pena máxima. Sem a observância desse procedimento, a dispensa é inválida.

O recurso ficou assim ementado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMANTE . LEI Nº 13.467/2017. TRANSCENDÊNCIA ECONÔMICA RECONHECIDA . Em relação à transcendência econômica, esta Turma estabeleceu como referência, para o recurso do empregado , o valor fixado no artigo 852-A da CLT e, na hipótese dos autos, há elementos a respaldar a conclusão de que o pedido rejeitado e devolvido à apreciação desta Corte ultrapassa o valor de 40 salários mínimos. Assim, admite-se a transcendência da causa .

NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Ante a possibilidade de decisão favorável à parte recorrente, deixa-se de apreciar a nulidade arguida, com base no artigo 282, § 2º, do CPC .

CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE DA PERÍCIA MÉDICA. VISTORIA DO LOCAL DE TRABALHO. DISPENSABILIDADE. TRANSCENDÊNCIA ECONÔMICA RECONHECIDA . No processo do trabalho, a declaração de nulidade processual está condicionada à demonstração de efetivo prejuízo e deve ser arguida na primeira oportunidade em que a parte interessada puder se pronunciar nos autos. Essa é a diretriz que se extrai da análise dos artigos 794 e 795 da CLT. Logo, no caso dos autos, não há nulidade a ser declarada, pois caracterizada a preclusão. Isso porque, conforme evidenciou o Tribunal de origem , ” a reclamante não protestou pela análise de tal alegação, tampouco formulou requerimento de realização de nova perícia, tendo concordado com o encerramento da instrução processual “. Todavia, saliente-se que cumpre ao Juiz, na condução do processo, indeferir as provas e diligências que julgar inúteis ou meramente protelatórias (artigo 370 do CPC), de modo que não há como se vislumbrar, na hipótese, o cerceamento de defesa alegado. Vale registrar, também, que no ordenamento jurídico brasileiro vige o sistema da livre motivação da prova, segundo o qual o magistrado terá ampla liberdade para apreciar os elementos probatórios produzidos nos autos, para que assim venha a formar o seu convencimento, sempre indicando na decisão os motivos que o embasaram (artigo 371 do CPC), procedimento adotado no caso . Agravo de instrumento conhecido e não provido .

DISPENSA POR JUSTA CAUSA. REVERSÃO. MANIFESTAÇÃO DA EMPREGADA EM REDE SOCIAL. NÃO COMPROVAÇÃO DA FALTA GRAVE. NECESSIDADE DE PONDERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS DO CASO CONCRETO E GRADAÇÃO DAS PENAS. REINTEGRAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA ECONÔMICA RECONHECIDA . Agravo de instrumento provido para determinar o processamento do recurso de revista, em face de haver sido demonstrada possível afronta ao artigo 482, “k”, da CLT .

DANOS MORAIS. NULIDADE DA JUSTA CAUSA. ABUSIVIDADE DO EMPREGADOR NÃO DEMONSTRADA. INAPTIDÃO PARA O TRABALHO NO MOMENTO DA DISPENSA. TESE RECURSAL QUE DEMANDA O REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. TRANSCENDÊNCIA ECONÔMICA RECONHECIDA . Consoante já definiu esta Corte Superior, a reversão ou nulidade da justa causa reconhecida em juízo não caracteriza, por si só, o direito à reparação por dano moral, salvo se demonstrado que a imputação de falta grave ocorreu de forma leviana e inconsistente. Na hipótese , como visto, não houve imputação falsa de conduta praticada pela obreira. Conquanto tenha sido deferida a reversão, ante os motivos acima declinados, não se constata atitude abusiva da empresa, apta a gerar efetivos prejuízos ao empregado e , consequentemente, demandar a necessidade de reparação extrapatrimonial. Noutro giro, quanto aos danos morais sob a ótica da dispensa da obreira em período em que incapacitada, melhor sorte não assiste à agravante, pois constou que ” a perícia médica realizada em 14/03/19 (fl. 2401) não constatou qualquer alteração funcional de ordem física, tendo concluído pela total ausência de sequelas e de incapacidade laborativa “. Conclusão em sentido contrário esbarra no óbice da Súmula nº 126 do TST. Nesse aspecto, deve ser mantida a decisão regional que indeferiu a indenização pleiteada. Incólumes os dispositivos indicados. Agravo de instrumento conhecido e não provido.

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMANTE . LEI Nº 13.467/2017. DISPENSA POR JUSTA CAUSA. NULIDADE. MANIFESTAÇÃO DA EMPREGADA EM REDE SOCIAL. NÃO COMPROVAÇÃO DA FALTA GRAVE. NECESSIDADE DE PONDERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS DO CASO CONCRETO E GRADAÇÃO DAS PENAS. REINTEGRAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA ECONÔMICA RECONHECIDA . A resolução contratual é a hipótese de extinção do vínculo de emprego em que um dos contratantes, em virtude do cometimento de falta grave pela parte adversa, decide pôr fim ao contrato de trabalho. No que tange, especificamente, à resolução por falta grave do empregado, o artigo 482 da CLT elenca os tipos de infrações por ele cometidas que poderão dar ensejo a tal modalidade de extinção contratual. Em sua alínea “k”, o dispositivo mencionado dispõe que constitui justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador o cometimento pelo empregado de ” ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem “. Outrossim, é cediço que para efetivação do exercício disciplinar do empregador e consequente aplicação da justa causa no contrato de trabalho, além da tipicidade da conduta (requisito objetivo), deverão ser levados em conta alguns outros requisitos (de ordem subjetiva ou circunstancial) para aferição da validade da penalidade imposta, estando entre eles, o dolo ou culpa do empregado; o nexo existente entre a falta e a penalidade; a adequação e proporcionalidade desta; gradação da pena; bem como a ausência de perdão tácito ou expresso do empregador. Logo, não basta a tipicidade da conduta para que o exercício do poder disciplinar do empregador seja considerado regular e responsável. Deverão ser atendidos outros requisitos, a exemplo dos demais aqui apresentados, sempre com o cuidado e observância das peculiaridades impostas ao caso. Na hipótese , é incontroverso o fato de que a reclamante publicou em seu perfil nas redes sociais a seguinte frase: “Escrava na empresa Correios”. Sabe-se que a liberdade de expressão é preceito fundamental assegurado a todos os indivíduos, que encontra guarida na Constituição Federal, especialmente, no seu artigo 5º, IV. Não obstante, como qualquer garantia constitucional, o seu exercício possui limites que devem ser observados, de modo que a livre manifestação do pensamento ou opinião nunca poderá se sobrepor à esfera jurídica de outrem, sob pena de configuração do uso abusivo de tal liberdade. Essa afirmação ganha contornos ainda mais delicados nos dias atuais, tendo em vista o alcance disponibilizado pela internet e a visibilidade fornecida pelas denominadas “redes sociais”, as quais permitem a disseminação de mensagens em velocidade e extensão nunca antes imaginadas. Assim, a utilização de tais meios pelo empregado, inclusive em contexto externo ao seu ambiente laboral, requer o cuidado de observância do dever de preservação de imagem da empresa, obrigação inerente a todo o contrato de trabalho, como forma de garantir a inviolabilidade da norma prevista no artigo 5º, X, da CF/88. A publicação realizada pela empregada, por óbvio, extrapola os limites da razoabilidade. Embora se trate de expressão utilizada comumente pela população para indicar, de forma jocosa, o labor em jornada mais extensa, deve ser devidamente repudiada, por fazer alusão e pretensamente normalizar um dos crimes mais bárbaros cometidos contra a humanidade que, infelizmente, até hoje encontra espaço em nossa sociedade, como noticiado corriqueiramente pelos veículos de comunicação. É necessário advertir, portanto, que não se compactua com a atitude dispensada pela obreira. Contudo, de modo objetivo, tem-se que a referida conduta, por si só, não serve como justo motivo para o término do contrato de trabalho, uma vez que, ao contrário do disposto no acórdão regional, não possui o condão de ofender a honra e imagem da ré em gravidade se permita a aplicação direta da pena máxima à empregada, considerando o já mencionado sentido coloquial emprestado à expressão, que afasta, inclusive, a subsunção exata à proibição prevista em norma interna da empresa. Ou seja, embora se trate de ato reprovável , não se reveste da gravidade necessária à configuração da justa causa, esclarecendo-se que deveria a empresa se utilizar da gradação das penalidades para, só assim, imputar à empregada a maior punição prevista na relação de emprego. Inobservado tal procedimento, torna-se inválida a dispensa realizada. Recurso de revista conhecido e provido .

MATÉRIA ADMITIDA PELO TRIBUNAL REGIONAL . HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. PARTE BENEFICIÁRIA DA JUSTIÇA GRATUITA. APLICAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA NA ADI Nº 5.766. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA . O exame atento da tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI nº 5.766, no contexto dos debates travados durante todo o julgamento e, em especial, a partir do voto do Exmo. Ministro Alexandre de Moraes, Redator Designado do acórdão, revela que a ratio decidendi admitiu a condenação do beneficiário da justiça gratuita ao pagamento de honorários sucumbenciais, mas vedou a subtração dos valores dos créditos reconhecidos ao empregado na própria ação, ou mesmo em ação futura, por mera presunção de que a obtenção desses valores lhe retiraria a hipossuficiência econômica . Permanece a suspensão da exigibilidade pelo prazo de 2 anos a partir do trânsito em julgado da condenação. Recurso de revista conhecido e parcialmente provido.

A decisão foi unânime.

Processo: RR-1000864-41.2018.5.02.0444

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