Para a 5ª Turma, a prescrição não causou a extinção da dívida
A Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho homologou um acordo extrajudicial entre a Fitch Ratings Brasil Ltda. e uma administradora celebrado mais de dois anos depois do fim do contrato de trabalho. Segundo o colegiado, a chamada prescrição bienal (prazo de dois anos para ajuizar a ação) afasta o direito de pedir, e não a dívida.
Acordo extrajudicial
A profissional trabalhou para a filial brasileira da empresa, em São Paulo (SP), entre 2013 e 2017. A rescisão ocorreu porque ela fora contratada pela Fitch Ratings Inc, do mesmo grupo econômico, mas com sede em Nova York. Contudo, ela pretendia voltar para o Brasil e estabelecer novo vínculo com a empresa local. Diante dessa possibilidade, foi feito um acordo, em março de 2020, para resolver todas as pendências relativas ao contrato anterior, com o pagamento de R$ 106 mil.
Prescrição
O juízo da 76ª Vara do Trabalho de São Paulo não homologou o acordo. Um dos motivos foi a não participação da empresa sediada no exterior, integrante do grupo econômico.
O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região manteve a decisão, acrescendo, como fundamento, que os direitos listados no acordo estariam prescritos, porque foram submetidos à Justiça mais de dois anos depois do término do vínculo de emprego.
Validade
Para o relator do recurso de revista da Fitch, ministro Breno Medeiros, o fato de o acordo abranger pretensões prescritas não o torna nulo, pois a prescrição importa a extinção da pretensão, e não da dívida. Ele lembrou que o artigo 191 do Código Civil admite a renúncia expressa ou tácita à prescrição depois que esta se consumar.
Grupo econômico
Na sua avaliação, também, os valores transacionados estão relacionados com o vínculo de emprego mantido entre a economista e a Fitch Brasil. Assim, não há nenhuma obrigação em lei de participação das demais pessoas jurídicas do grupo econômico.
Por fim, o ministro registrou que a intenção das partes de iniciar uma nova relação de emprego não desautoriza a transação sobre as verbas decorrentes de um contrato de trabalho anterior. Ele explicou que, segundo o artigo 507-B da CLT, acrescido pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), empregados e empregadores podem, na vigência do contrato, firmar o termo de quitação anual de obrigações trabalhistas, perante o sindicato da categoria. Logo, não é ilícita a quitação das obrigações da relação terminada antes do início do novo vínculo.
O recurso ficou assim ementado:
AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA PARA HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL. NEGÓCIO JURÍDICO. VALIDADE. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Agravo a que se dá provimento para examinar o agravo de instrumento em recurso de revista. Agravo provido. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA PARA HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL. NEGÓCIO JURÍDICO. VALIDADE. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Em razão de provável caracterização de violação dos arts. 855-B da CLT e 840 do Código Civil , dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o prosseguimento do recurso de revista. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA PARA HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL. NEGÓCIO JURÍDICO. VALIDADE. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. A Lei nº 13.467/2017, ao promover sensível alteração na Consolidação das Leis do Trabalho, inseriu o processo de jurisdição voluntária para a homologação de acordo extrajudicial. O propósito da Lei nº 13.467/17, ao inserir os arts. 855-B a 855-E na CLT é permitir a homologação judicial de transações extrajudiciais (concessões recíprocas) acerca das verbas decorrentes da extinção do contrato de trabalho, as quais poderão prever, inclusive, cláusula de quitação geral e irrestrita do contrato de trabalho. Com o novo procedimento especial é possível que as partes da relação de emprego, diante da ausência de pretensão resistida e de boa-fé, celebrem acordo sem o ajuizamento prévio de reclamação trabalhista, estipulando não apenas quais verbas serão quitadas, mas também as condições do pagamento. A inovação legislativa é um importante passo na eliminação das lides simuladas, procedimento em que alguns empregadores condicionam a quitação das verbas rescisórias ao ajuizamento de uma reclamação trabalhista forjada, culminando na celebração de um acordo com quitação que ultrapassa o objeto da petição inicial e confere quitação ampla e irrestrita. Como um negócio jurídico, a transação realizada pelas partes da relação de emprego de forma prévia e submetida à Justiça do Trabalho para homologação deve observar os requisitos de validade do art. 104 do Código Civil. No caso em análise, a Corte Regional manteve a sentença que rejeitou a homologação do acordo com base nos seguintes fundamentos: a) a avença, datada de 26.3.2020, está relacionada às parcelas decorrentes do contrato de trabalho mantido entre a empresa FITCH RATINGS BRASIL LTDA. e a reclamante no período de 6.5.2013 a 18.9.2017, já tendo transcorrido o prazo prescricional de 2 (dois) anos previsto no art. 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal; b) a avença ter como um dos motivos a extinção do contrato de trabalho da trabalhadora com a empresa FITCH RATINGS INC., pessoa jurídica integrante do grupo econômico da requerente, porém sediada no exterior, sendo que a ” referida empresa não participa da avença nem está no polo passivo “; e c) a avença ter como escopo prevenir genericamente um conflito que sequer se iniciou, já que lançado nas considerações do acordo a intenção das partes em entabular uma nova relação de emprego. Com a devida vênia da Corte de origem, o fato de o acordo englobar pretensões prescritas não torna o negócio jurídico nulo, pois a prescrição importa na extinção da pretensão e não da dívida, sendo possível a sua renúncia na esteira do art. 191 do Código Civil. Tampouco invalida o negócio jurídico o fato de o acordo ter como uma das motivações o término da relação de emprego com uma empresa do mesmo grupo econômico sediada no exterior, uma vez que os valores transacionados estão relacionados à relação de emprego anterior mantida entre as requerentes do presente procedimento de jurisdição voluntária, inexistindo qualquer obrigação em lei que a avença seja celebrada com a inclusão das demais pessoas jurídicas do grupo econômico. Por derradeiro, a intenção das requerentes em iniciar uma nova relação de emprego não desautoriza a transação sobre as verbas decorrentes de um contrato de trabalho anterior, cabendo ressaltar que, por força do art. 507-B da CLT, acrescido pela Lei nº 13.467/2017, é facultado a empregados e empregadores, na vigência do contrato de emprego, firmar o termo de quitação anual de obrigações trabalhistas, perante o sindicato dos empregados da categoria. Permitido aos empregados e empregadores firmarem termo de quitação anual na vigência do contrato de trabalho, por disposição legal, não se configura ilícita a quitação das obrigações decorrentes de relação de emprego finda antes do início de um novo contrato de trabalho entre os requerentes do presente processo de jurisdição voluntária. Presentes os requisitos de validade do negócio jurídico do art. 104 do Código Civil, não se verifica da moldura fática do acórdão regional qualquer vício de consentimento hábil a impedir a homologação da avença. Constata-se que o acordo engloba o pagamento da importância considerável com possibilidade de uma formalização de um novo contrato de trabalho entre as partes. Assim sendo, o Tribunal Regional, ao não homologar o acordo extrajudicial apresentado, incorreu em violação dos arts. 855-B da CLT e 840 do Código Civil. Recurso de revista conhecido e provido.
A decisão foi unânime.
Processo: RR-1000393-91.2020.5.02.0076