O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) determinou a proibição de intervenções em uma área próxima do Km 25 da BR-280, no município de Araquari (SC), onde está sendo construído o loteamento residencial Iguaçú, e também ordenou que seja averbado no Registro de Imóveis do terreno a existência de ação civil pública ambiental que discute a legalidade do empreendimento imobiliário. A decisão foi proferida pela 3ª Turma, por maioria, no último dia 18/8.
A ação foi ajuizada em janeiro de 2022 pelo Ministério Público Federal (MPF). O órgão ministerial solicitou à Justiça que fosse anulada a autorização de corte de vegetação para a construção do Loteamento Iguaçú. Segundo o autor, a autorização de supressão de 46,17 hectares foi concedida pela Fundação do Meio Ambiente de Araquari (Fundema) para que as empresas Biguassu Participações Ltda, Enjelles Imóveis Ltda e DBIO Consultoria Ambiental Eireli ME construíssem o empreendimento no local.
O MPF sustentou que a autorização seria inválida por ter sido emitida pela Fundema sem respeitar os limites do termo de delegação de gestão florestal feito pelo Instituto do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (IMA) com o Município de Araquari que previa supressão de vegetação em áreas inferiores a um hectare.
O órgão ministerial alegou a ocorrência de danos ambientais com o corte de “floresta ombrófila densa, predominantemente restinga arbustiva ou Mata de Restinga, estabilizadora de sedimentos”. Ainda foi argumentado que “a área do loteamento é próxima à Terra Indígena Pindoty, mas não foi feito qualquer estudo de impacto ambiental do loteamento sobre a terra indígena”.
O juízo da 2ª Vara Federal de Joinville (SC) proferiu liminar determinando que as empresas responsáveis fixassem “em cada um dos pontos de entrada do loteamento e nos pontos de venda de lotes, placas visíveis que informem a respeito da existência do processo e de que, se julgado procedente, todo o loteamento pode vir a ser desfeito, com demolição de eventuais edificações e obrigação de reparar a vegetação suprimida”.
O MPF recorreu ao TRF4. O autor defendeu que, no caso, além de fixação de placas, seriam necessárias “a proibição de qualquer alteração ou ampliação das intervenções no local, a proibição de comercialização de lotes e arresto de ao menos de 50% dos lotes, para garantir o pagamento de indenização, e a comunicação do processo aos cartórios de imóveis”.
A 3ª Turma deu provimento parcial ao recurso. O colegiado ordenou “a proibição, ao menos até o encerramento da fase de instrução do processo, de alteração ou ampliação das intervenções na área, sob pena de imposição de multa diária de mil reais por descumprimento, a averbação na matrícula do imóvel da situação apresentada na ação, perante o Ofício de Registro de Imóveis competente, a adição ao conteúdo das placas da impossibilidade da efetuação de mudanças no local da intervenção imobiliária”.
A relatora do acórdão, desembargadora Vânia Hack de Almeida, destacou que “a afixação de placas de advertência possui cunho pedagógico, já que visa conscientizar a população, bem como aqueles que pretendam edificar em área de proteção ambiental, da impossibilidade de assim agir, devendo ser agregada ao conteúdo da placa a proibição de ser efetuada qualquer alteração no local, como forma de evitar outros prejuízos ao meio ambiente e dar publicidade à própria população”.
“É possível que se averbe, perante o competente Ofício de Registro de Imóveis, a existência de lide onde se investiga possibilidade de limitação ou proibição ambiental, decorrente dano ambiental e a necessária reparação, sendo de extrema importância que o imóvel seja amplamente definido perante a sociedade acerca das suas características, limitações e serviços ambientais”, ela concluiu.
O recurso ficou assim ementado:
AMBIENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. LEGITIMIDADE ATIVA. EMPREENDIMENTO. ARGUIÇÃO DE SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO. PROXIMIDADE A TERRAS INDÍGENAS. RISCO POTENCIAL AO LENÇOL FREÁTICO LOCAL. INADEQUAÇÃO DA IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO. AFIXAÇÃO DE PLACAS DE ADVERTÊNCIA. AVERBAÇÃO NA MATRÍCULA DO IMÓVEL. OFÍCIO DE REGISTROS DE IMÓVEIS COMPETENTE. OBRIGAÇÃO PROPTER REM.
1. Firmada a competência da Justiça Federal para processar e julgar a ACP principal, em que o Ministério Público Federal está legitimado a promover a defesa dos direitos e interesses das populações indígenas (art. 129, V, da CF/88), afasta-se o indeferimento da inicial no ponto em que os próprios elementos de prova colacionados aos autos demonstram que o empreendimento é limítrofe à Terra Indígena Pindoty e ainda bastante próxima da Terra Indígena Tarumã, observando que durante o processo de licenciamento foi alterado o projeto para a edificação de loteamento residencial urbano, com previsão de 964 (novecentos e sessenta e quatro) lotes, o que denota a existência de risco potencial de que a eventual inadequação da implantação do sistema de esgotamento sanitário sobre o lençol freático da região venha a causas prejuízos ao meio ambiente e conjuntamente à comunidade indígena lindeira ao empreendimento. 2. A responsabilidade civil por danos ao meio ambiente encontra assento constitucional no art. 225, § 3º, da Constituição da República Federativa do Brasil e previsão legal no art. 14, § 1º, da Lei n.º 6.938/1981 e no art. 2º, § 1º, do Código Florestal, ostentando natureza objetiva e solidária, fundada nos princípios do poluidor-pagador, da prevenção e da precaução. Outrossim, ainda a legislação ambiental previu, de forma expressa, o encargo de preservação ambiental ao proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título (art. 7º, § 1º, Lei nº 12.651/12), independentemente de qualquer análise da existência da boa-fé por parte de quem adquire o bem. Há, ainda, precedente do STF que considerou violados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade de norma estadual em relação aos dispositivos constitucionais federais protetivas do meio ambiente saudável, acarretando a inconstitucionalidade daquele regramento. Outrossim, não se pode olvidar do princípio da vedação à proteção insuficiente no sentido de que qualquer regra que determine proteção ambiental deve observar sempre o maior patamar protetivo possível, evitando a todo custo flexibilizar ou reduzir o nível de salvaguarda em que o ordenamento atualmente se encontra. Referenciado princípio dialoga diretamente com o princípio da proibição ao retrocesso para impedir a vigência de leis e de atos normativos que ocasionem a minoração ou a supressão dos níveis de proteção ambiental já alcançados.
3. Assegurada a mais ampla proteção e garantia ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, nos termos preconizados pelo art. 225 da CF/88, e a proteção às comunidades indígenas do art. 231 da CF/88, a questão atinente ao projeto de implantação de esgotamento sanitário no empreendimento integra o cerne a ser apreciado na ACP principal, devendo ainda, ao menos até o encerramento da fase de instrução, ser vedada a alteração ou ampliação das intervenções na área do empreendimento, sob pena de multa diária por descumprimento, arbitrada em R$ 1.000,00 (um mil reais), podendo ser majorada em caso de ineficácia, dada a seriedade e a magnitude do empreendimento erigido na área objeto da ação civil pública.
4. A afixação de placas de advertência – em cada um dos pontos de entrada do loteamento e nos pontos de venda de lotes, placa facilmente visível a quem ingressa no loteamento e nos pontos de venda que informe a respeito da existência do processo principal, indicando o número do processo, do juízo em que tramita e o endereço de internet onde ele pode ser consultado (www.jfsc.jus.br) -, possui cunho pedagógico, já que visa conscientizar a população, bem como aqueles que pretendam edificar em área de proteção ambiental, da impossibilidade de assim agir. E esta Turma já consignou que tal medida vai ao encontro do princípio da prevenção, bem como inexiste prejuízo moral ao particular, devendo ainda ser agregado ao referenciado conteúdo da placa informativa a proibição de ser efetuada qualquer alteração no local, como forma de evitar outros prejuízos ao meio ambiente e dar publicidade à própria população.
5. É possível que se averbe a existência de lide onde se investiga a existência de limitação ou proibição ambiental, decorrente dano ambiental e a necessária reparação (latu sensu), sendo de extrema importância que o imóvel seja amplamente definido perante a sociedade (registro de imóveis e princípio da segurança jurídica) acerca das suas características, limitações e serviços ambientais. Nessas condições, impende ser lançada a averbação da situação apresentada na demanda principal perante o competente Ofício de Registro de Imóveis. Inteligência do art. 246 da Lei dos Registros Públicos.
6. A teor da Súmula 623 do STJ, “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor”.