É cabível ação declaratória incidental no curso de processo de cobrança para pedir o reconhecimento da existência e validade de acordo extrajudicial celebrado entre as partes. Para processos regidos pelo Código de Processo Civil de 1973, o prazo para propor a ação é de dez dias, a partir da intimação do despacho judicial que determinou que a parte se manifeste sobre a contestação.
O entendimento é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, apesar de admitir a possibilidade de ajuizamento da ação incidental, concluiu, no caso analisado, que o autor perdeu o prazo de propositura da ação. Por causa da intempestividade, foi negado provimento ao recurso especial que pretendia validar a ação declaratória incidental no processo de cobrança de banco contra empresa de crédito.
O ministro relator, Luis Felipe Salomão, explicou que, apesar de haver interesse processual, o autor desrespeitou o momento apropriado para entrar com a incidental e, por isso, o recurso teve de ser negado.
Cobrança
A ação declaratória incidental foi apresentada por banco no escopo de autos de cobrança contra empresa de crédito. As partes teriam celebrado acordo extrajudicial no qual a empresa de crédito teria reconhecido a dívida e se comprometido a pagá-la. Logo depois, a empresa de crédito negou ter feito acordo com o banco, alegando que o contrato apresentado era falso.
Em primeiro grau, a incidental foi extinta por falta de interesse processual. Interposto agravo de instrumento, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou provimento ao recurso, alegando que a declaração incidental de existência e validade do acordo extrajudicial violaria os limites definidos no artigo 5º do Código de Processo Civil, já que a causa principal não dependeria dela, mas colocaria termo à relação jurídica processual.
Para o TJSP, o requerimento de declaração de existência e validade do acordo firmado entre as partes não pode ser feito incidentalmente, tendo em vista que a existência ou inexistência de relação jurídica, necessariamente, deve depender do mérito da causa principal.
Interesse de agir
O ministro Luis Felipe Salomão, no entanto, disse que o interesse de agir se confirmou no ajuizamento da ação declaratória incidental e que as razões apresentadas pelo TJSP não são suficientes para impedir o processamento da ação declaratória.
“A resolução da causa principal orientada pelo resultado da ação declaratória é, a meu ver, consequência natural, não necessária ou essencial, mas, também, não proibida ou indesejável. O fato de a solução da ação declaratória significar o desfecho da ação principal a que se encontra atrelada não é razão suficiente à sua extinção prematura”, destacou o ministro.
Para Salomão, nos casos da ação declaratória incidente, o interesse de agir surge a partir do momento em que, no curso do processo pendente, uma nova relação jurídica material torna-se controvertida, que se apresenta como prejudicial em relação à questão principal invocada pelo autor.
Segundo ele, a razão de existir da ação incidente é evitar a reabertura da mesma controvérsia em outras ações. “No caso dos autos, o interesse processual da ação declaratória muito se reforça, exatamente, na potencialidade de economia processual que se verificaria com a solução da questão consistente na existência e validade do acordo. Na verdade, neste específico caso, essa seria a mais prestigiada função da ação incidental”, explicou o ministro.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA INCIDENTAL. INTERESSE DE AGIR. RELAÇÃO JURÍDICA MATERIAL CONTROVERTIDA. RESULTADO QUE INFLUENCIA OUTRAS CAUSAS. RESOLUÇÃO DA CAUSA PRINCIPAL. CONSEQUÊNCIA NATURAL. PRAZO DE INTERPOSIÇÃO. DEZ DIAS.
1. O Código de Processo Civil de 1973 orientava caber ao autor da ação definir os limites do pronunciamento judicial e, ao réu apresentar resposta ao pedido autoral; somente nos casos de reconvenção ou de ação declaratória incidental é que seria alargado o julgamento da causa, desde que a nova pretensão tivesse relação direta com a causa de pedir inicial e ambas as partes fossem legítimas.
2. Com a ação declaratória incidental, a área do pedido é ampliada e, consequentemente, do dispositivo da sentença, fazendo com que fique sob o manto da res iudicata aquilo que seria simples motivo ou precedente da conclusão do decisório.
3. Uma vez proposta a ação declaratória incidente, o processo passa a ter duplo objeto: ambas as questões – a subordinante e a subordinada – transformam-se em questões principais, integrando o thema decidendum, que se dilata. Sem a declaratória, o juiz teria de examinar a questão subordinante, mas apenas como etapa lógica do seu itinerário mental. Com a declaratória, cumpre-lhe julgá-Ia.
4. O interesse de agir da ação declaratória incidente surge a partir do momento em que, no curso do processo pendente, uma nova relação jurídica material torna-se controvertida, apresentando-se como prejudicial em relação à questão principal invocada pelo autor. O interesse de agir, em sua vertente interesse-utilidade, é essencialmente configurado pela relação de prejudicialidade que se verifica entre as demandas.
5. Outra vertente do interesse se revela quando a questão prejudicial tiver alcance mais amplo, com potencialidade para influenciar outras controvérsias atuais entre as partes, exatamente como no caso concreto, em que a declaração de existência e validade de acordo entre as partes equivalerá à afirmação de relação jurídica com potencialidade de ditar a sorte, tanto da ação de cobrança, quanto da ação de inexistência de negócio jurídico, precedentemente ajuizada pelos ora recorridos.
6. A resolução da causa principal orientada pelo resultado da ação declaratória, é consequência natural dessa espécie de demanda, não necessária ou essencial, mas não proibida ou indesejável. O fato de a solução da ação declaratória significar o desfecho da ação principal a que se encontra atrelada, não é razão suficiente à sua extinção prematura.
7. O prazo para o autor propor a ação declaratória incidental é de 10 (dez) dias, a partir da data da intimação do despacho judicial que determinou falar sobre a contestação, na hipótese de o réu impugnar o direito sobre que ela se fundamenta (CPC, art. 325). Só neste prazo, que é preclusivo, pode o autor ajuizar a ação declaratória principal, tendo por objeto a lide prejudicial, da qual depende o julgamento da lide principal.
8. Recurso especial não provido.