A BRDF Fitness Center – Academia de Ginástica foi condenada a indenizar uma aluna menor de idade por usar fotos e vídeos suas nas redes sociais. Ao manter a condenação, a 5ª Turma Cível do TJDFT observou que a cláusula contratual que prevê o uso da imagem da aluna é inválida.
Consta nos autos que a aluna fazia parte do programa Baby Natação na unidade da Asa Norte. A mãe da criança, em uma das aulas, percebeu que havia um profissional fazendo filmagens e, em seguida, fotos da turma. Relata que, algumas semanas depois, as imagens foram publicadas nas redes sociais da empresa, o que fez com que a representante da aluna solicitasse a retirada da postagem. De acordo com os autos, o pedido foi negado sob a justificativa de que havia uma cláusula de uso de imagem no contrato firmado entre as partes. Afirma que os pais, com o intuito de preservar sua imagem, nunca publicaram uma foto sua nas redes sociais. Pede que a ré seja condenada a excluir a imagem, bem como indenizá-la por danos morais.
Em primeira instância, foi confirmada a liminar que determinou que a academia excluísse das redes sociais as imagens da criança. A ré foi condenada ainda a indenizá-la pelos danos morais. A academia recorreu da decisão sob o argumento de que, além da autorização expressa ao assinar o contrato, a representante legal também autorizou o uso da imagem de forma tácita e verbal ao se permitir fazer parte das imagens fotografadas. A ré defende que não houve qualquer violação à dignidade da autora.
Ao analisar o recurso, a Turma destacou que a academia usou as imagens da autora para fins comerciais, uma vez que foram utilizadas para publicidade nas redes sociais. Segundo o colegiado, o uso das imagens para essa finalidade “exige autorização expressa do seu titular ou do seu representante (…), e não somente o que contido em cláusula de contrato de adesão”.
No caso dos autos, de acordo com a Turma, a cláusula que autoriza o uso da imagem do contratante pela academia deve ser declarada nula. “Além de não ter sido mencionada e esclarecida no momento da assinatura do contrato (…), não foi redigida com realce e distinção das demais cláusulas contratuais, violando determinação expressa do §4º do art. 54 do CDC, o que enseja a sua nulidade”, explicou. O artigo a que se refere o colegiado dispõe que as “cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão”.
A Turma registrou ainda que a ausência de autorização expressa, de forma consciente e específica da representante legal da autora para divulgação da imagem nas redes sociais, “é o que basta para caracterizar os danos morais suportados pela autora”.
Dessa forma, a Turma manteve a sentença que condenou a BRDF Fitness Center a pagar a quantia de R$ 10 mil a título de morais e a excluir as imagens da autora. O colegiado deu parcial provimento ao recurso da ré apenas para reduzir em R$ 100,00 o valor da multa diária pelo período de descumprimento da liminar, que foi de 18 dias.
O recurso ficou assim ementado:
APELAÇÃO CÍVEL. RECURSO ADESIVO. DIREITO CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. PROCESSO CIVIL. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA SENTENÇA. ALEGADA NAO FUNDAMENTAÇÃO QUANTO À INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. ERROR IN PROCEDENDO. VIOLAÇÃO À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. SENTENÇA EXTRA PETITA. PRELIMINARES REJEITADAS. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. ACADEMIA ESPORTIVA. PUBLICAÇÃO DA IMAGEM DE MENOR EM REDES SOCIAIS. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. CESSÃO DO DIREITO DE IMAGEM. CLÁUSULA INVÁLIDA. DANO MORAL CARACTERIZADO. PARÂMETROS PARA O ARBITRAMENTO DA COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. INEXISTÊNCIA DE SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. VALOR DA MULTA DIÁRIA. REDUÇÃO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NÃO CONFIGURADA. RECURSO ADESIVO. NÃO PROVIMENTO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. A regra de julgamento definida nos incisos I e II do artigo 373 do Código de Processo Civil dispõe que incumbe ao autor provar os fatos alegados que constituem o seu direito, enquanto ao réu incumbe provar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Na hipótese em exame, não houve inversão do ônus nem distribuição dinâmica da prova, decisão saneadora que se limitou a definir, corretamente, a regra de julgamento prevista no inciso II do artigo 373 do CPC, atribuindo à academia apelante o ônus de provar o alegado fato impeditivo do direito da autora. Preliminar rejeitada. 2. Error in procedendo diz respeito a vício de procedimento apto a ensejar a nulidade da sentença, o que não ocorreu no presente caso. Na petição inicial, a autora requereu concessão de tutela provisória para o fim de retirada imediata de suas imagens das redes sociais da academia-ré; no mérito, postulou, além da confirmação da tutela provisória, a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$50.000,00. A postulação da autora teve como fundamento sua não autorização para o uso da sua imagem ?em rede social com o objetivo publicitário para atrair mais clientes?. E, nesse aspecto, destacou a invalidade da cláusula 15 do contrato de adesão, sustentando a sua nulidade de pleno direito. A academia ré, na contestação, alegou ter havido autorização da representante legal da autora para a divulgação das imagens em suas redes sociais. E pela decisão de saneamento (artigo 357 do CPC), fixado ?como ponto controvertido a autorização prévia da representante legal da autora para a realização das fotos e para sua divulgação nas redes sociais?; além disso, definidos os ônus probatórios e deferidas as provas requeridas pelas partes. Validade/invalidade de cláusula contratual que autoriza uso de imagem que se insere, pois, no âmbito semântico do ponto controvertido fixado na decisão de saneamento do processo. Rejeitada a preliminar de error in procedendo. 3. Não há violação à ampla defesa ou ao contraditório se demonstrado que a autora destacou, na petição inicial, a invalidade da cláusula 15 do contrato de adesão, tese sobre a qual poderia a ré-apelante ter se manifestado na contestação ou nas alegações finais. 4. Sentença é considerada extra petita quando confere pronunciamento jurisdicional de natureza diversa ou concede à parte coisa distinta da que foi pedida, leva em consideração fundamento de fato estranho aos autos ou atinge sujeito que não faz parte do processo. No caso em análise, a autora destacou, na petição inicial, a invalidade da cláusula 15 do contrato de adesão; requereu, em razão da sua não autorização para utilização da sua imagem para fins comerciais, a condenação da parte demandada no pagamento de indenização por danos morais e a retirar de suas mídias sociais a imagem da autora. Os elementos da postulação são inequívocos e evidenciam claramente o objeto da pretensão. Não há se falar em sentença extra petita. 5. Com previsão constitucional – art. 5º, incisos V e X da Constituição – dano moral é uma categoria jurídica em constante evolução, o qual pode ser definido como lesão a interesse extrapatrimonial juridicamente tutelado. 5.1. A Constituição Federal de 1988 define inviolabilidade do direito ?a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação? (art. 5º, X). 5.2. Define a lei maior, ainda, no seu art. 227, ser ?dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão?. 5.3. A Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) estabelece, no seu art. 17, que ?O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais?. 5.4. O Código Civil, por sua vez, dispõe que ?Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais? (art. 20). 5.5. E ?Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais? (verbete sumular nº 403 do STJ). 5.6. Para caracterização do dano moral por uso indevido de imagem, irrelevante perquirir sobre eventual discernimento da vítima. Significa, por exemplo, que ?crianças, mesmo da mais tenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos da personalidade? (REsp 1291247/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/08/2014, DJe 01/10/2014; REsp 1037759/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/02/2010, DJe 05/03/2010). 5.7. Dispõe o art. 54 do CDC que ?Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo? razão pela qual o legislador optou por restringir os efeitos jurídicos do contrato de adesão em favor do aderente conforme §4º do art. 54 do CDC: ?cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão?. Em outras palavras, dada a ausência de paridade nas negociações do conteúdo do contrato de adesão, as cláusulas limitativas de direitos devem se sobressair em relação às demais, quanto à clareza e ao relevo redacional, resguardando o consumidor de eventuais equívocos ou precipitações; inobservância desta garantia acarreta a invalidade da cláusula contratual. 5.8. No caso, bem definida na sentença a invalidade da cláusula contratual de cessão de direito de imagem por violar o §4º do art. 54 do CDC; não tendo havido autorização expressa, consciente e específica da representante legal da autora para a divulgação das suas imagens nas redes sociais pela academia-ré, é o que basta para caracterizar os danos morais. 6. Ao arbitrar o valor da indenização, além de observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o magistrado deve ponderar o grau de ofensa produzido, a posição econômico-social das partes envolvidas, a prolongação da ilicitude, proporcionando a justa recomposição à vítima pelo abalo experimentado e, de outra parte, advertir o ofensor sobre sua conduta lesiva, mediante coerção financeira suficiente a dissuadi-lo da prática reiterada do ilícito? (TJDFT. Acórdão n.933908, 20100110125854APO, Relator: LEILA ARLANCH, Revisor: GISLENE PINHEIRO, 2ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 06/04/2016, Publicado no DJE: 14/04/2016. Pág.: 179/183). Razoável o valor arbitrado (R$10.000,00 – dez mil reais) para reparação do dano moral reconhecido. 7. ?( ) 14. Não há que se falar em sucumbência em relação ao pedido de indenização por danos morais, quando houver condenação ao pagamento de indenização em valor inferior ao montante pleiteado pelo autor, pois o valor do dano moral indicado na inicial se afigura como meramente estimativo. Inteligência da Súmula 326 do Superior Tribunal de Justiça. ( ) (Acórdão 1350172, 07024443520208070020, Relator: ANA CANTARINO, 5ª Turma Cível, data de julgamento: 23/6/2021, publicado no DJE: 5/7/2021. Pág.: Sem Página Cadastrada)?. 8. ?( ) 1. A jurisprudência desta Casa é iterativa no sentido de que a decisão que comina a multa não preclui nem faz coisa julgada material. Assim, é possível a modificação do valor dessa sanção até mesmo de ofício, a qualquer tempo, inclusive na fase de execução, quando irrisório ou exorbitante. [ ] (AgInt no AREsp 1362273/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/02/2019, DJe 21/02/2019)?. Da mesma forma, ?4. Apesar de o art. 537, § 1º, do CPC, versar apenas acerca da possibilidade de redução do valor ou da periodicidade da multa vincenda, tal disposição legal não pode ser interpretada como óbice à modificação da multa vencida. (Acórdão 1218314, 07029477920178070014, Relator: ARNOLDO CAMANHO, 4ª Turma Cível, data de julgamento: 20/11/2019, publicado no DJE: 5/12/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada.)?. No caso vertente, levando em consideração o cumprimento parcial da obrigação em dois dias e que o alegado ?erro material? que culminou no não cumprimento integral da ordem judicial deve ser suportado pela academia ré, razoável a redução do valor diário da multa para R$ 100,00 (cem reais), mantendo-se o período de descumprimento definido na sentença integrativa. 9. Má-fé não pode ser presumida, exigindo manifesto desvio qualificado de conduta do litigante (artigo 80 do CPC), o que não se evidencia da interposição do recurso, que se apresenta regular dentro da perspectiva da ré-apelante. 10. Apelação e recurso adesivo conhecidos; rejeitadas as preliminares. Parcialmente provida a apelação para reduzir o valor diário da multa cominatória. Desprovida a apelação adesiva.
A decisão foi unânime.
Acesse o PJe2 e saiba mais sobre o processo: 0718893-28.2020.8.07.0001