Venda com fraude a credor não compromete negócio subsequente do mesmo bem

A anulação da venda de um imóvel em razão do reconhecimento de fraude contra os credores não implica a desconstituição automática da venda subsequente do mesmo bem. Esse foi o entendimento unânime da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Conforme narram os autos, uma empresa em situação de falência alienou o imóvel em que funcionava para uma compradora, que posteriormente promoveu uma segunda venda do imóvel. A massa falida ajuizou ação revocatória contra a primeira e a segunda compradoras, argumentando que a venda do imóvel foi efetivada em fraude aos credores.

A sentença declarou a ineficácia das duas alienações e considerou que o imóvel deveria retornar ao ativo da empresa para posterior arrecadação pelos credores.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) confirmou a sentença e afirmou que a primeira venda ocorreu em período “suspeito para os efeitos de fraude contra credores”, quando a empresa já possuía vários protestos em seu nome, ficando configurada a fraude. Com relação à segunda compradora, o TJRJ entendeu que não havia necessidade de se demonstrar sua má-fé, não se manifestando sobre a existência ou não de fraude em relação a ela.

Prova exigida

No STJ, o ministro Moura Ribeiro, relator do recurso, explicou que o artigo 53 do Decreto-Lei 7.661/45 prevê a possibilidade de revogação do ato praticado pelo falido com a intenção de prejudicar os credores, desde que seja provada a fraude. Já o artigo 55, parágrafo único, inciso III, alínea “a”, da mesma norma, dispõe que a ação revocatória pode ser proposta contra o terceiro adquirente se este tiver conhecimento da intenção do falido de prejudicar os credores.

O ministro afirmou que, revogada a primeira venda em razão da existência de fraude, “este efeito apenas alcança as partes que agiram em conluio contra os credores da massa falida”. Dessa forma, para que a segunda venda seja desconstituída, é necessária a prova de má-fé da compradora, “pois devem ser resguardados os interesses dos terceiros de boa-fé, já que aqui não se trata de uma simples declaração de ineficácia de negócio jurídico”, afirmou o ministro.

Moura Ribeiro esclareceu que o STJ não poderia se manifestar quanto à existência ou não de má-fé da segunda compradora, pois isso exigiria o exame das provas do processo, inviável em recurso especial. Assim, foi determinado o retorno dos autos para que o TJRJ, a partir do entendimento fixado pela Terceira Turma, verifique a eventual existência de fraude na segunda transação com o imóvel.

O recurso ficou assim ementado:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO CPC⁄73. AÇÃO REVOCATÓRIA. ALIENAÇÃO DE BEM IMÓVEL DENTRO DO PERÍODO SUSPEITO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC⁄73. NÃO CONFIGURADA. OFENSA AOS ARTS. 165 E 458 DO CPC⁄73 EM VIRTUDE DA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA Nº 282 DO STF, POR ANALOGIA. FRAUDE NA ALIENAÇÃO. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA MÁ-FÉ PARA A NULIDADE DA ALIENAÇÃO. ARTS. 53 e 55, PARÁGRAFO ÚNICO, III, A, DO DECRETO-LEI Nº 7.661⁄45. ACÓRDÃO QUE NÃO FORNECE ELEMENTOS CONCRETOS PARA, ADOTANDO O ENTENDIMENTO DESTA CORTE, ASSENTAR SE HOUVE OU NÃO A MÁ-FÉ DA TERCEIRA ADQUIRENTE. ANÁLISE DAS ALEGAÇÕES E DOS DOCUMENTOS JUNTADOS PELAS PARTES A SER VERIFICADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Dos recursos interpostos com fundamento no CPC⁄73 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
2. A violação do art. 93, IX, da CF, em virtude da alegada negativa prestação jurisdicional pelo Tribunal de origem, esta não pode ser analisada na via estreita do recurso especial, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal.
3. Não tendo sido debatida a tese elencada nas razões do nobre apelo quanto à violação dos arts. 165, 458, II, do CPC⁄73, caracteriza-se a ausência de prequestionamento, nos termos da Súmula n° 282 do STF, por analogia.
4. O art. 53 do Decreto-lei n° 7.661⁄45 prevê a possibilidade de revogação do ato praticado pelo falido com a intenção de prejudicar os credores, desde que seja provada a fraude.
5. O art. 55, parágrafo único, III, a, do Decreto-lei nº 7.661⁄45, por sua vez, dispõe que a ação revocatória pode ser proposta contra o terceiro adquirente se este tiver conhecimento, ao se criar o direito,  da intenção do falido de prejudicar os credores.
6. Assim, ainda que revogada a primeira venda em razão da existência de fraude, este efeito apenas alcança as partes que agiram em conluio contra os credores da massa falida. Dessa forma, para que a segunda venda seja desconstituída é necessária a prova da má-fé, pois devem ser resguardados os interesses dos terceiros de boa-fé.
7. Ocorre que o Tribunal de origem apenas reconheceu a existência do consilium fraudis em relação à primeira adquirente, mas não quanto à alienação subsequente, entendendo que tal comprovação não era necessária.
8. Contudo, a segunda venda não poderia ter sido anulada sob a justificativa de ser essa a consequência direta da invalidade do negócio antecedente, uma vez que essa solução contraria o disposto nos arts. 53 e 55, parágrafo único, III, a, do Decreto-lei nº 7.661⁄45.
9. Recurso especial provido.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1567492

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