Ainda não há consenso na Justiça do Trabalho goiana sobre a validade ou não da cláusula de convenção coletiva de trabalho (CCT) que institui benefício social e seu custeio pelas empresas. Decisões recentes do segundo grau apresentam entendimentos divergentes. Para a Primeira Turma, a cobrança do benefício social familiar é lícita e não fere a autonomia sindical. Já a Segunda Turma entende que o benefício trata de uma contribuição assistencial como previsto no art. 513, “e”, da CLT, e, nesse caso, a sua cobrança compulsória ofende o direito de livre associação e sindicalização, cuja nulidade já foi reconhecida pelo TST. Na mesma vertente, a Terceira Turma, em acórdão publicado esta semana, reconhece que o benefício traduz tentativa simulada de estabelecer espécie de contribuição sindical compulsória, o que fere preceitos constitucionais.
Em um dos processos (0010994-12.2020.5.18.0018), o relator, desembargador Gentil Pio de Oliveira, julgou recursos dos Sindicatos dos Trabalhadores nos Serviços de Saúde da Rede Privada do município de Goiânia e cidades circunvizinhas e dos Laboratórios de Análises e Bancos de Sangue no Estado de Goiás. Eles pediam a declaração de legalidade da cláusula do Benefício Social Familiar sob a alegação de que ela era objeto de legítima negociação entre os sindicatos representativos da categoria econômica e profissional.
Em seu voto, o desembargador ponderou que a negociação coletiva é lícita e incentivada pela legislação, pela jurisprudência e pela doutrina e considerou não haver inobservância das regras formais para a validade da convenção coletiva. “Eventual prejuízo entendido pela empregadora deve ser solucionado diretamente por ela com o sindicato patronal, seja pela sua efetiva participação nas assembleias convocadas para essa finalidade ou até mesmo por outros procedimentos legais”, disse.
Ele acrescentou que o benefício é uma regra benéfica para o empregado, proporcionando-lhe, sem ônus, acesso a benefícios sociais e familiares, com o pagamento integralmente feito pela empregadora. O desembargador explicou que o dispositivo da CCT não interfere na liberdade sindical porque independe de sindicalização, abrangendo todos os empregados da empresa, indistintamente. A decisão, por maioria, reformou sentença de primeiro grau, que havia negado o pedido dos sindicatos.
Na análise de outro recurso (processo nº 10948-18.2020.5.18.0052), a Segunda Turma deu provimento ao pedido de uma empresa para condenar os sindicatos envolvidos à obrigação de não efetuar novas cobranças, a título de Benefício Social Familiar, e ainda a devolver os valores cobrados da empresa. Para o relator do processo, desembargador Paulo Pimenta, a contribuição assistencial só poderia ser cobrada de trabalhadores e empresas sindicalizados, caso contrário, deve ser considerada inválida.
Pimenta ainda acolheu acréscimo de fundamentação, apresentado pelo desembargador Mário Sérgio Bottazzo, segundo o qual, no caso, a cláusula que institui o benefício estabelece que “parte do valor arrecadado das empresas, ao fim e ao cabo, destina-se ao financiamento dos sindicatos patronal e obreiro”, levando a que o sindicato dos trabalhadores passe assim a ser mantido pelas empresas, ainda que parcialmente. Tal situação se enquadra na vedação do art. 2 da C-98 da OIT e resulta em nulidade da cláusula, não apenas em relação às empresas não sindicalizadas mas a todas as empresas. A decisão foi unânime.
Por fim, no acórdão 10031-44.2020.5.18.0231, a Terceira Turma negou provimento, por maioria, a recurso de um sindicato e manteve a sentença que havia declarado a ineficácia das cláusulas que instituíram o benefício social. O juiz convocado Celso Garcia, redator designado, fundamentou seu voto na inconstitucionalidade da cobrança. Segundo o magistrado, a parcela visa, em tese, o financiamento de benefícios assistenciais para os empregados de toda a categoria.Tal imposição, no entanto, “viola o princípio da livre associação garantido pela Constituição Federal e muito se aproxima da criação de contribuição sindical compulsória, que não mais encontra respaldo no ordenamento jurídico”.
O precedente citado processo (0010994-12.2020.5.18.0018, ficou assim ementado:
NORMA COLETIVA. BENEFÍCIO SOCIAL FAMILIAR. VALIDADE. LIBERDADE SINDICAL. INOCORRÊNCIA DE AFRONTA. QUESTIONAMENTO RESTRITO À EMPRESA E AO SINDICATO QUE A REPRESENTA. Reexaminando a matéria, concluo pela validade da cláusula que prevê a cobrança do benefício social familiar, ante a autonomia sindical, quando atendidas as formalidades legais. Trata-se de regra altamente benéfica para o empregado, proporcionando-lhe, sem ônus, acesso a benefícios sociais e familiares, com o pagamento integralmente feito pela empregadora. Ademais, a negociação coletiva, em regra, decorre de concessões mútuas e a eliminação de cláusula benéfica ao trabalhador pode gerar desequilíbrio no instrumento coletivo, prejudicando o empregado. E mais, essa norma em nada interfere na liberdade sindical, porque independe de sindicalização, abrangendo todos os empregados da empresa, indistintamente. Não se questiona que a empresa é representada pelo sindicato que firmou o instrumento coletivo. Eventual prejuízo para a empregadora deve ser solucionado diretamente por ela com o sindicato patronal, seja pela efetiva participação nas assembleias convocadas para essa finalidade ou até mesmo por outros procedimentos legais.
Outro precedente, o processo , 0010948-18.2020.5.18.0052, ficou assim ementado:
CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. CLÁUSULA INSTITUIDORA DO “BENEFÍCIO SOCIAL FAMILIAR”. REVERSÃO DAS IMPORTÂNCIAS COBRADAS DAS EMPRESAS PARA OS SINDICATOS CONVENENTES. MANUTENÇÃO FINANCEIRA DO SINDICATO OBREIRO PELOS EMPREGADORES. CONVENÇÃO 98 DA OIT. VEDAÇÃO. A manutenção de organizações de trabalhadores pela reversão de importâncias cobradas das empresas para financiamento dos benefícios instituídos coletivamente coloca essas organizações “sob o controle de um empregador ou de uma organização de empregadores”, caindo na vedação da Convenção 98 da OIT.
Por fim, o processo 0010031-44.2020.5.18.0231, ficou assim ementado:
CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. CLÁUSULA INSTITUIDORA DO “BENEFÍCIO SOCIAL FAMILIAR”. A negociação de cláusula que obriga as empresas, independentemente de filiação, ao pagamento de parcela que tem por escopo, em tese, o financiamento de benefícios assistenciais para os empregados de toda a categoria viola o princípio da livre associação garantido pela Constituição Federal e muito se aproxima da criação de contribuição sindical compulsória, que não mais encontra respaldo no ordenamento jurídico.
PROCESSO RELACIONADO 0010994-12.2020.5.18.0018
PROCESSO RELACIONADO 0010948-18.2020.5.18.0052
PROCESSO RELACIONADO 0010031-44.2020.5.18.0231