TST libera contas bancárias de administrador de agropecuária cearense

Eleito diretor-presidente, ele não é acionista da empresa

A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho determinou a liberação das contas bancárias do diretor presidente da Agropecuária Nossa Senhora do Carmo S.A., de Itapira (CE), que haviam sido bloqueadas para pagamento de dívidas da empresa com um trabalhador rural. A decisão levou em conta, entre outros pontos, que ele não tinha nenhuma participação no capital da empresa.

Bloqueio

Na fase de execução da ação trabalhista, o juízo da 3ª Vara do Trabalho da Região do Cariri (CE) determinou a inclusão de sócios e administradores da devedora e o bloqueio cautelar de seus ativos financeiros via Bacenjud. O valor do débito era de cerca de R$ 35 mil, e, segundo o administrador, foram bloqueados cerca de R$ 10 mil na sua conta corrente pessoal.

Mandado de segurança

Em mandado de segurança, ele pediu a suspensão imediata do bloqueio, argumentando que não fazia parte da ação trabalhista e não era acionista da empresa para que pudesse ter seu patrimônio atingido.

A medida liminar foi deferida, mas, posteriormente, o Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (CE) a revogou e considerou o mandado de segurança incabível, pois haveria recurso próprio para questionar a decisão.

Responsabilidade limitada

O relator do recurso ordinário, ministro Evandro Valadão, acolheu o mandado de segurança, porque a ordem de bloqueio produzira efeitos lesivos ao administrador, incluído na ação sem ter tido o direito de apresentar defesa.

Na avaliação do ministro, a medida foi ilegal e abusiva, pois não observou os requisitos da Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/1976). O artigo 158 da lei limita a responsabilidade pessoal do administrador pelas obrigações contraídas em nome da pessoa jurídica aos casos em que houver comprovação de dolo (intenção) ou culpa ou violação a lei ou estatuto. Esses pontos, porém, nem chegaram a ser discutidos na ação originária

O relator observou que os magistrados podem adotar medidas legais para viabilizar a execução. Contudo, no caso específico, os documentos existentes no processo demonstram que o administrador é apenas diretor presidente de sociedade anônima de capital fechado, eleito por seus acionistas, mas não detém nenhuma fatia do capital social.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA INTERPOSTO PELA PARTE IMPETRANTE. ATO DITO COATOR PROFERIDO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2015. EXECUÇÃO. INADIMPLEMENTO DA DEVEDORA PRINCIPAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA PARA ATINGIR O PATRIMÔNIO DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES. ARTS. 133 A 137 DO CPC DE 2015 . ALEGAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DO PROCEDIMENTO LEGALMENTE PREVISTO PARA FINS DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ADMISSIBILIDADE DO MANDAMUS. ATENUAÇÃO AO PRECEITO DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDÊNCIAL Nº 92 DA SBDI-II E DA SÚMULA Nº 267 DO STF. NÃO OPORTUNIZAÇÃO AO EXERCÍCIO PRÉVIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. PODER GERAL DE CAUTELA. ATOS CONSTRITIVOS. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. ARBITRARIEDADE. INCLUSÃO DE ADMINISTRADOR NO POLO PASSIVO. ART. 158 DA LEI Nº 6.404/76. DOLO OU CULPA. NÃO DEMONSTRAÇÃO. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO.

I. Consoante disposto na orientação jurisprudencial nº 92 da SBDI-II do Tribunal Superior do Trabalho , ” não cabe mandado de segurança contra decisão judicial passível de reforma mediante recurso próprio, ainda que com efeito diferido “. No mesmo sentido, sinaliza a Súmula nº 267 do STF ao estabelecer que ” não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição”.

II. No caso concreto, o ato impugnado via mandado de segurança é a decisão proferida nos autos da ação matriz, no curso da execução que, ante o inadimplemento da empresa devedora principal, determinou a instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica com a consequente inclusão de acionistas e administradores no polo passivo da demanda executiva, dentre eles, o impetrante, bem como a constrição cautelar de seus ativos financeiros via BACENJUD, antes de efetuada a citação para apresentação de defesa na forma dos arts. 133 a 137 do CPC de 2015.

III . Na ação mandamental, sustentou a parte impetrante, em síntese, ser ” mero diretor presidente, eleito pelos acionistas para exercer cargo durante um período determinado, não possuindo qualquer participação acionária na empresa executada”. Acrescentou também não haver ” qualquer comprovação nos autos do risco ao resultado útil do processo que justifique concessão de uma tutela de urgência antes mesmo da resposta dos envolvidos no incidente de desconsideração da personalidade jurídica .” Requereu no bojo do writ, inaudita altera parte , a suspensão dos atos de constrição efetivados em seu desfavor.

IV. Distribuído o feito, o Desembargador Relator, em decisão unipessoal, vislumbrando a existência de ofensa a direito líquido e certo, deferiu liminar para determinar a suspensão da execução que tramita nos autos da ação originária até o julgamento do mérito da ação mandamental. Posteriormente, em sua composição regimental, a Seção Especializada do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região denegou a segurança pleiteada, cassando a liminar anteriormente deferida, aduzindo, em síntese, haver recurso próprio para impugnar a decisão em sede de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, qual seja, o agravo de petição .

V . Dessa decisão, recorreu a parte impetrante, impugnando os fundamentos do acórdão do Tribunal de origem, argumentando, em síntese, que ” há situações excepcionais nas quais o mandamus tem sido admitido ainda que haja a previsão de recurso próprio nas vias ordinárias, exatamente diante da inexistência de efeito suspensivo que viabilize a eficácia da medida em tempo hábil de não ocasionar danos graves e irreparáveis ou de difícil reparação à parte ofendida”.

VI. De detida análise dos fatos, revela-se cabível a impetração do mandado de segurança. Verifica-se que a parte impetrante fora incluída no polo passivo da demanda executiva e teve seus bens cautelarmente conscritos sem que tenha sido oportunizado o prévio e efetivo exercício do contraditório daquele que não fora parte da ação de conhecimento.

VII. Nos casos em que ocorre a inclusão de alguém no polo passivo da demanda, no curso da execução, sem a prévia instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica ou naqueles em que, apesar de efetivamente haver sua instauração , tal procedimento ocorre incontinenti ao arresto cautelar de bens de quem ainda não é parte para figurar no polo passivo da demanda , isto é, anteriormente ao exercício do contraditório e por meio de decisão não fundamentada, a jurisprudência desta Subseção II Especializada em Dissídios Individuais vem concedendo a segurança por vislumbrar violação ao disposto no art. 855-A da CLT e aos arts. 133 a 137 do CPC de 2015. Nessa quadra, a SbDI-II vem atenuando os preceitos da Orientação Jurisprudencial nº 92 da SBDI-II e da Súmula nº 267 do Supremo Tribunal Federal para admitir a impetração do mandado de segurança com a finalidade de evitar prejuízos de impossível ou difícil reparação oriundos dos efeitos lesivos exógenos decorrentes do ato coator praticado na ação matriz, em face do qual inexiste recurso imediato apto a fazer cessar a lesão perpetrada contra o patrimônio jurídico da parte impetrante.

VIII . Ademais, o art. 855-A, §1º , da Consolidação das Leis do Trabalho prevê o cabimento de agravo de petição apenas e tão somente da decisão que acolhe ou rejeita o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, ou seja, cabe agravo de petição da decisão final a ser proferida no incidente, decisão esta que irá estender ou não a responsabilidade do ente coletivo às pessoas físicas que compõe o seu quadro societário. Nessa quadra, cabível a impetração de mandado de segurança da decisão que instaura o incidente de desconsideração e promove o imediato gravame ao patrimônio jurídico de quem não é parte, porque somente da decisão final do incidente é que será reconhecida ou declarada a pertinência subjetiva para que alguém figure no polo passivo e detenha responsabilidade patrimonial em relação ao título executivo judicial formado na fase de conhecimento, da qual não participou.

IX. No tocante ao mérito da pretensão , a despeito do poder conferido aos magistrados de se valerem de medidas legais como forma de impulsionar o procedimento de execução, inclusive mediante arresto cautelar de ativos financeiros dos executados anteriormente ao julgamento de incidente de desconsideração, neste caso em específico, ante a qualidade de mero administrador do impetrante, o bloqueio de valores em sua conta corrente, anteriormente ao exercício do contraditório e sem qualquer menção aos requisitos estabelecidos no art. 158 da Lei nº 6.404/76, se mostra ilegal e abusivo.

X. No caso concreto, de detida análise dos documentos juntados, verifica-se ser o impetrante Diretor Presidente de sociedade anônima de capital fechado, eleito por seus acionistas, não detendo qualquer participação no capital da empresa. Embora não se desconheça a possibilidade de responsabilização do administrador no exercício de sua gestão, em conformidade com o art. 158 da Lei nº 6.404/76, imperiosa a demonstração de dolo ou culpa em sua atuação ou afronta direta a lei ou ainda ao estatuto social da empresa, requisitos que nem sequer foram discutidos nos autos da ação originária.

XI. Por fim, embora se admita o poder geral de cautela da autoridade judiciária, o qual permite, conforme art. 139, inciso IV, do CPC de 2015, ao juiz ” determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária” , necessária se faz a correta fundamentação do ato, sob pena de inegável arbitrariedade. Para averiguar eventual descompasso da decisão acautelatória , é imprescindível analisar o conteúdo da fundamentação posta no ato coator, visto que todas as decisões judiciais, em um estado democrático de direito, devem ser substancialmente fundamentadas na forma dos arts. 93, IX , da Constituição da República, 489, parágrafo 1º , do CPC de 2015 e 832 da CLT.

XII . Assim, tendo a autoridade coatora se eximido de demonstrar as razões de fato e de direito que justificassem a adoção de tais medidas acautelatórias anteriormente ao exercício do contraditório, bem como a ausência de quaisquer dos requisitos estabelecidos no art. 158 da Lei nº 6.404/76 para estender a responsabilidade pelo pagamento dos débitos trabalhistas ao administrador da sociedade, o ato impugnado se reveste de ilegalidade.

XIII . Recurso ordinário de que se conhece e a que se dá provimento para sustar os efeitos do ato coator e determinar a liberação dos valores já bloqueados na conta da parte impetrante, diante da ausência de adequada fundamentação para a não aplicação em toda a sua extensão do incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto nos arts. 133 a 137 do CPC de 2015.

A decisão foi unânime.

Processo: ROT-80065-30.2021.5.07.0000 

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