O documento assinado no PJe era uma minuta da decisão homologatória
A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho concluiu que não houve irregularidade no ato do juízo da 6ª Vara do Trabalho de Belém (PA) que havia excluído um documento assinado de forma equivocada no sistema do Processo Judicial Eletrônico (PJe). Segundo o colegiado, a legislação permite ao julgador, por iniciativa própria ou das partes, alterar a sentença publicada para fazer as correções necessárias.
Acordo
Na ação trabalhista originária, a Lastro Projetos e Construção Civil Ltda., empresa de pequeno porte de Belém (PA), foi condenada a pagar R$ 463 mil a um ex-funcionário, em valores de novembro de 2017.
Em 18/12/2017, já na fase de execução, o juízo de primeiro grau recebeu petição informando que o empregado havia constituído novo advogado para atuar no processo. Em seguida, foi apresentada petição conjunta comunicando a celebração de acordo, pelo qual o trabalhador receberia R$ 100 mil, e seu advogado R$ 10 mil.
Minuta
Em 20/12, o juiz assinou despacho para homologar o acordo dentro do PJe. Mas, dois dias após, ao perceber que o documento era uma minuta, ou seja, um rascunho do despacho elaborado por um servidor da Vara, ele o retirou do PJe antes de ser publicado.
Conluio
Na sequência, o advogado que havia atuado inicialmente no processo procurou o empregado para dizer que ambos haviam sido enganados. Ao ser reabilitado, ele denunciou a existência de conluio entre os advogados da empresa e o segundo advogado do empregado, que receberia “por fora” para fechar o acordo.
Mandado de segurança
A Lastro Projetos, por sua vez, impetrou mandado de segurança no Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (PA) para restabelecer o acordo homologado por engano. O TRT atendeu ao pedido, por entender que a segurança jurídica dos atos processuais deve ser resguardada e que, diante do erro, deveria ter sido providenciada uma certidão explicando as razões do ocorrido, o que não aconteceu.
Proposta imoral
No recurso ordinário encaminhado ao TST, o trabalhador, com a assistência do advogado originário, reiterou a denúncia de conluio. Ele disse que tinha sido procurado pelos advogados da empresa para aceitar o acordo, mas considerou a proposta ilícita e imoral, diante do valor original da condenação, de mais de R$ 400 mil.
Acordo cancelado
O ministro Douglas Alencar, relator do recurso, concluiu que não há irregularidade na exclusão do documento assinado erroneamente pelo juiz. Segundo ele, deve ser aplicado ao caso o artigo 494, inciso I, do Código de Processo Civil, que autoriza o juiz, por sua iniciativa ou das partes, a alterar a sentença publicada para corrigir erros materiais ou de cálculos.
Ainda de acordo com o ministro, o documento assinado era uma minuta preparada por um servidor da Vara do Trabalho, com a observação para que o juiz atentasse para os termos do ajuste proposto. Portanto, não pode ser considerada uma decisão. Além disso, o documento foi excluído do sistema antes mesmo da publicação no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho.
Com a reforma da decisão do TRT, o acordo foi cancelado, e a execução da empresa para o pagamento da dívida deve prosseguir.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. QUESTÃO PROCESSUAL. PERDA SUPEVENIENTE DE INTERESSE DE AGIR. INOCORRÊNCIA. 1. A Recorrida/impetrante peticiona requerendo seja declarada a perda superveniente do interesse de agir, com base na Súmula 414 do TST, ao argumento de que, em razão da decisão liminar proferida pelo Desembargador Relator, foi restabelecida a decisão homologatória de acordo que havia sido excluída do Processo Judicial Eletrônico – PJe pelo Juízo de primeira instância, autoridade reputada coatora. Sustenta que, após o cumprimento integral do acordo, foi proferida sentença de extinção da execução, que já transitou em julgado, tendo determinado o arquivamento dos autos. 2. Não há, contudo, espaço para a declaração da perda superveniente do interesse processual. Ora, a (suposta) decisão homologatória de acordo foi restaurada por força do julgamento proferido neste mandado de segurança. Nesse contexto, estando ainda pendente de resolução a controvérsia acerca da regularidade da questionada decisão homologatória de acordo – em razão da impetração do presente mandamus pela parte que agora, curiosamente, requer a extinção do feito – , não há dúvida de que o julgamento a ser proferido pode modificar novamente o curso da ação trabalhista. Diferentemente do afirmado, não incide a diretriz do item II da Súmula 414 do TST, pois neste mandado de segurança não se impugna concessão nem indeferimento de tutela de urgência. Indefere-se. MANDADO DE SEGURANÇA. MINUTA DE DECISÃO HOMOLOGATÓRIA DE ACORDO ASSINADA PELO JUIZ DURANTE O RECESSO DE FIM DE ANO. EVIDÊNCIA DE QUE SE TRATAVA DE MERA MINUTA. EXCLUSÃO DO PJE DOIS DIAS APÓS A INCLUSÃO NO SISTEMA. REGULARIDADE. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO AO RESTABELECIMENTO DA DECISÃO HOMOLOGATÓRIA DO ACORDO. 1. Caso em que, na execução trabalhista, a questionada minuta da decisão homologatória de acordo – com uma observação do serventuário que a redigiu, em caixa alta, para que o magistrado atentasse para os termos do ajuste levado à homologação – , foi assinada no PJe em 20/12/2017, já no curso do recesso de fim de ano. Em 22/12/2017, o d. Juízo, percebendo o equívoco na aposição da assinatura da minuta, excluiu prontamente o projeto de decisão, antes de sua publicação no DEJT. 2. A hipótese trata de um evidente descuido, uma falha manifesta, talvez provocada pela proximidade do recesso e pelo acúmulo de trabalho nessa época do ano, mas corrigido a tempo pela autoridade judicial. Demonstrado que o documento assinado era, ainda, uma mera minuta (um rascunho, uma redação preparada pelo servidor do órgão judiciário para posterior conferência e assinatura do magistrado), é de se concluir que não se trata de uma decisão, tal como definida no art. 489 do CPC. Aliás, o § 3º do referido art. 489 do CPC dispõe que ” A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé “. Desse modo, em conformidade com o postulado da boa-fé, o questionado documento, equivocadamente assinado durante o recesso de fim de ano, sem publicação no órgão oficial ou por qualquer outro meio, não deve produzir os efeitos de uma decisão judicial. Cumpre lembrar que os órgãos do Poder Judiciário há muito tempo admitem o chamamento do feito à ordem para correção de equívocos em seus julgados. Recurso ordinário conhecido e provido. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. NÃO CARACTERIZAÇÃO . Não há que se cogitar de má-fé da Impetrante em razão do ajuizamento desta ação mandamental. Eventual litigância temerária na ação trabalhista originária deve ser reprimida naquele feito, não havendo, pelo menos até o momento, como imputar à parte, em razão do direito de ação aqui exercitado, a prática de qualquer ato previsto no artigo 80 do CPC de 2015. INDEFERE-SE.
A decisão foi unânime.
Processo: RO-152-74.2018.5.08.0000