Para a 3ª Turma, o caso não é de força maior.
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou o prosseguimento da execução de multas aplicadas à Associação de Proteção à Maternidade e à Infância de Cuiabá (MS) por atraso de salários e contribuições sociais. Para o colegiado, o fato de o Município de Cuiabá ter atrasado repasses do Sistema Único de Saúde (SUS) não configura força maior que justifique afastar os débitos decorrentes da autuação pela fiscalização do trabalho.
Autuação
A Associação é alvo de execução fiscal de dívida ativa pela União, após ter sido autuada por atrasar o pagamento de salários e da contribuição social devida em caso de despedida sem justa causa, descumprir de normas de segurança e medicina do trabalho e não apresentar a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) com informações exatas.
Atrasos do SUS
Ao pedir a improcedência da ação executiva, a entidade alegou que o descumprimento das obrigações se devia aos atrasos reiterados de repasses de verbas pelo Município de Cuiabá, que vinham ocorrendo desde 2007. Segundo a associação, entidade beneficente de assistência social, 90% de sua receita provém de atendimentos feitos pelo SUS, e os repasses em atraso seriam superiores a R$ 7 milhões.
Força maior
O pedido foi rejeitado pelo juízo da 8ª Vara do Trabalho de Cuiabá, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região reformou a sentença. Segundo o TRT, os valores provenientes do SUS são fontes primárias de receita da entidade filantrópica, e o atraso dos repasses caracteriza força maior (artigo 501 da CLT). Essa circunstância afastaria a exigibilidade do débito relativo às autuações, uma vez que os salários e os demais pagamentos dependeriam desses valores.
Risco empresarial
O relator do recurso de revista da União, ministro Mauricio Godinho Delgado, observou que, de acordo com a jurisprudência do TST, a falta ou o atraso de transferência de verbas pelo ente público ao empregador não se enquadra no conceito de força maior. Trata-se, segundo ele, do risco de qualquer atividade empresarial, e afastar a exigibilidade das dívidas significaria transferir esse risco aos trabalhadores.
Ainda, de acordo com o ministro, o fato de a associação ser uma entidade filantrópica e, por consequência, não ter finalidade econômica não afasta sua responsabilidade como empregadora.
O recurso ficou assim ementado:
A) AGRAVO DE INSTRUMENTO RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO À MATERNIDADE E À INFÂNCIA DE CUIABÁ. ATRASOS PELO ENTE PÚBLICO MUNICIPAL NOS REPASSES DE VALORES PROVENIENTES DO SUS. FATO PREVISÍVEL. FORÇA MAIOR. NÃO CONFIGURAÇÃO. CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA RELACIONADA À APLICAÇÃO DE MULTAS PELO ATRASO NO PAGAMENTO DE SALÁRIOS E CONSECTÁRIOS LEGAIS. EXIGIBILIDADE. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento para melhor análise da violação do art. 501, § 1º, da CLT, suscitada no recurso de revista. Agravo de instrumento provido.
B) RECURSO DE REVISTA . PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO À MATERNIDADE E À INFÂNCIA DE CUIABÁ. ATRASOS PELO ENTE PÚBLICO MUNICIPAL NOS REPASSES DE VALORES PROVENIENTES DO SUS. FATO PREVISÍVEL. FORÇA MAIOR. NÃO CONFIGURAÇÃO. CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA RELACIONADA À APLICAÇÃO DE MULTAS PELO ATRASO NO PAGAMENTO DE SALÁRIOS E CONSECTÁRIOS LEGAIS. EXIGIBILIDADE. Esta Corte vem firmando o entendimento de que eventual falta de transferência de verbas pelo ente público ao empregador não constitui força maior que justifique o inadimplemento de parcelas trabalhistas, pois não se trata de fato imprevisível. Nos termos do art. 501 da CLT, “entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente” – o que não restou configurado na hipótese em análise. Ademais, nos termos do § 1º desse dispositivo legal, “a imprevidência do empregador exclui a razão de força maior” . No caso concreto , o TRT deu provimento ao agravo de petição da Executada, para declarar a inexigibilidade da CDA 1251400090026, decorrente da autuação da Autora pelo atraso no pagamento de salários, férias e abonos e descumprimento de normas de segurança e medicina do trabalho, bem como da CDA 1251600012878, aplicada em razão do não pagamento ou pagamento em atraso da contribuição social devida pelos empregadores em caso de despedida de empregado sem justa causa. Para tanto, a Corte de origem entendeu que os valores provenientes do SUS são fontes primárias de receita da entidade filantrópica, razão pela qual o atraso no repasse de tais valores atrai a incidência do disposto no art. 501 da CLT, o qual deve ser interpretado em conjunto com o art. 393 do Código Civil, dando sustentação à pretensão de desconstituição da exigibilidade do débito contido nas referidas CDA’ s. Sucede, porém, que, na trilha do entendimento jurisprudencial desta Corte Superior, a falta ou o atraso na transferência de verbas pelo ente público ao empregador não se enquadra no conceito de força maior, porquanto constituem risco de qualquer atividade empresarial e são incapazes de reduzir ou adiar o vencimento de dívidas trabalhistas. Assim, não há como se acolher a pretensão da Executada de reconhecimento de inexigibilidade das Certidões de Dívida Ativa firmadas pelos órgãos de fiscalização, em razão do descumprimento pela empresa da legislação trabalhista e de obrigações correlatas, sob pena de se transferirem aos trabalhadores os riscos da atividade econômica, subvertendo as disposições estabelecidas no art. 2º da CLT. Registre-se que o fato de a Associação de Proteção à Maternidade e à Infância de Cuiabá ter natureza jurídica de entidade filantrópica e, por consequência, sem finalidade econômica, não afasta a alteridade inerente à relação de emprego. Recurso de revista conhecido e provido.
Por unanimidade, a Turma deu provimento ao recurso e restabeleceu a sentença.
Processo: RR-1317-86.2016.5.23.0008