Para a maioria da SDC, o ônus econômico no recolhimento e no repasse da contribuição justifica o interesse da entidade.
A Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho decidiu que a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) pode recorrer de decisão que fixou normas para as empresas recolherem e repassarem aos sindicatos dos trabalhadores as contribuições assistenciais dos empregados nas indústrias de calçados de São Paulo e Cotia (SP). Por maioria, os ministros entenderam que o procedimento gera ônus econômico para as empresas, o que justifica o direito de recorrer.
Aceito o apelo, a SDC adequou cláusula coletiva para limitar os descontos da contribuição apenas aos empregados associados ao sindicato profissional.
Contribuição assistencial
O Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Calçados de São Paulo e o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Calçados, Roupas e Acessórios do Vestuário de Cotia e Região ajuizaram dissídio coletivo, em 2017, contra a Fiesp, pretendendo o reajuste salarial e a manutenção das demais condições de trabalho previstas no Acordo Coletivo de Trabalho 2016/2017.
O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região julgou, ao julgar as cláusulas em que não houve consenso, decidiu que as empresas devem descontar dos empregados a contribuição assistencial de 1% ao mês dos salários, autorizada em assembleia geral da categoria. Fixou, também, outras obrigações para as indústrias, como prazo para o repasse das contribuições ao sindicato profissional, sob pena de multa, e a elaboração e o envio de lista com o nome dos empregados e o valor das respectivas contribuições e dos salários.
Interesse recursal patronal
A Fiesp recorreu ao TST questionando, entre outros aspectos, a obrigação de cobrar a contribuição de todos os empregados, independentemente de eles serem filiados aos sindicatos. Para o relator, não há interesse da federação no caso, pois o cumprimento da cláusula não implicaria custos para as empresas.
Contudo, prevaleceu, no julgamento, o entendimento de que a legitimidade recursal da Fiesp decorre de três razões: o custo da elaboração de cálculos, da burocracia e do trabalho para efetuar os descontos, os ônus processuais a que está sujeita, com multa de 10% e eventuais despesas com advogados, em caso de descumprimento, e a necessidade de dar cumprimento aos precedentes vinculantes do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a matéria.
O ministro Ives Gandra Martins Filho, que abriu a divergência, observou, ainda, que os trabalhadores não irão acionar a Justiça contra um desconto de 1% ao mês dos salários, em razão da relação custo benefício, “pois nessa demanda nem sequer terão a assistência judiciária dos sindicatos, a par do ônus para os trabalhadores não associados de terem de apresentar sua oposição na sede ou subsedes do sindicato”. Segundo ele, o não reconhecimento do interesse recursal das entidades patronais, na prática, representaria vedação de acesso ao Judiciário.
Ilegalidade
Em relação ao tema de fundo, o ministro disse que o TST tem jurisprudência firme (Precedente Normativo 119 e Orientação Jurisprudencial 17 da SDC) sobre a impossibilidade de instituir contribuição assistencial a empregados não associados, independentemente de autorização em assembleia geral da categoria, por afronta à liberdade de associação. constitucionalmente assegurada. Lembrou, ainda, que o STF fixou tese de repercussão geral sobre a inconstitucionalidade da imposição de contribuições a empregados não sindicalizados.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ORDINÁRIO DA FEDERAÇÃO PATRONAL – DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA ECONÔMICA – CONTRIBUIÇÃO ASSISTENCIAL PROFISSIONAL ABRANGENDO EMPREGADOS NÃO ASSOCIADOS – IMPOSSIBILIDADE – INTERESSE RECURSAL DA ENTIDADE SINDICAL PATRONAL – ADEQUAÇÃO DA REDAÇÃO DA CLÁUSULA À ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 19 DA SDC E AO PRECEDENTE NORMATIVO 119, AMBOS DO TST – PRECEDENTES DO ARE 1.018.459 (TEMA 935 DE REPERCUSSÃO GERAL) E DA ADI 5.794 DO STF – PROVIMENTO PARCIAL.
1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido da impossibilidade de se instituir contribuição assistencial a empregados não associados em favor da entidade sindical, independentemente de eventual autorização em assembleia geral da categoria, porquanto afronta diretamente a liberdade de associação constitucionalmente assegurada. O Precedente Normativo 119 e a Orientação Jurisprudencial 17, ambos desta SDC, abraçam essa mesma diretriz.
2. Ademais, o Plenário do STF, ao julgar o ARE 1.018.459/PR, de relatoria do Min. Gilmar Mendes (DJe de 10/03/17), fixou a seguinte tese de Repercussão Geral para o Tema 935: ” É inconstitucional a instituição, por acordo, convenção coletiva ou sentença normativa, de contribuições que se imponham compulsoriamente a empregados da categoria não sindicalizados “.
3. Reforça, ainda, essa linha argumentativa o julgamento da ADI 5.794/DF (Red. Min. Luiz Fux, DJe de 23/04/19), acerca das contribuições sindicais, em que a Suprema Corte afirmou a validade do novo regime voluntário de cobrança das referidas contribuições, instituído pela Lei 13.467/17.
4. In casu , o 2º Regional, ao deferir a cláusula de contribuição para custeio da negociação coletiva – norma não preexistente, extensiva a todos os empregados da categoria, filiados ou não ao Sindicato obreiro -, decidiu em contraposição à referida orientação jurisprudencial.
5. Tem o Sindicato Patronal interesse recursal em opor-se à instituição da referida cláusula basicamente por três razões: a) o custo que se lhe impõe com a elaboração de cálculos, burocracia e trabalho para efetuar os descontos (§ 2º da cláusula 66ª), em que pese outros ônus financeiros ou tributários sejam assumidos pelo sindicato beneficiário das contribuições (§ 7º da cláusula 66ª); b) os ônus processuais a que está sujeito, pelo eventual não desconto e repasse das contribuições, com multa de 10%, juros e correção monetária ( caput , in fine , da cláusula 66ª), tendo de pagar advogados para se defender, quando acionado pelo sindicato, quando não efetuado os descontos de trabalhadores não associados, uma vez que são considerados inconstitucionais pelo STF; c) a necessidade de se dar cumprimento aos precedentes vinculantes do STF em matéria de contribuição sindical e assistencial, que se tornariam inócuos se não reconhecida a legitimidade recursal das entidades sindicais patronais. Isso porque os sindicatos obreiros são os beneficiários das contribuições sobre os trabalhadores não associados e não irão recorrer, como também não o MPT, que, mesmo após o julgamento da ADI 5.794/DF pelo STF, manifesta-se declaradamente avesso à limitação contributiva aos associados (“a cobrança do não associado abrangido pela negociação coletiva não viola a liberdade sindical negativa, pois não resulta em necessária ou obrigatória filiação ao sindicato, assegurado o direito de oposição” – Nota Técnica 3, de 14/05/19, item 17). Ademais, também os trabalhadores não irão acionar a Justiça em face de um desconto de “1% (um por cento) ao mês dos salários, a partir do mês de julho/2017, limitado ao teto de R$ 53,65 (cinquenta e três reais e sessenta e cinco centavos)” (pág. 553), dada a relação custo benefício, pois nessa demanda nem sequer terão a assistência judiciária dos sindicatos, a par do ônus para os trabalhadores não associados de terem de apresentar sua oposição na sede ou sub-sedes do sindicato (§ 3º da cláusula 66ª). Nesse sentido, em caso de não reconhecimento do interesse recursal dos sindicatos patronais, ou mesmo de interesse de agir para propor ação anulatória, teríamos lesão a direito cujo acesso ao Judiciário seria vedado na prática, em detrimento do art. 5º, XXXV, da CF .
6. Assim, o apelo do Sindicato patronal merece conhecimento e parcial provimento, no aspecto, para que a redação da cláusula 66ª do instrumento normativo em apreço seja adequada aos termos da OJ 17 da SDC e do Precedente Normativo 119, ambos do TST, bem como ao entendimento vinculante fixado pelo STF no ARE 1.018.459/PR e na ADI 5.794/DF, a fim de limitar os descontos da contribuição apenas aos empregados associados ao sindicato profissional, mantidos os demais termos da cláusula .
Recurso ordinário parcialmente provido.
A decisão foi por maioria, vencidos os ministros Mauricio Godinho Delgado, Vieira de Mello Filho e Kátia Arruda, que não conheciam do recurso por ausência de interesse recursal.
Processo: RO-1004102-76.2017.5.02.0000