O autor da ação levou um tiro inesperado de um colega
Em decisão unânime, a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) confirmou sentença que condenou a União ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 20 mil para um militar, vítima de disparo acidental.
O acidente ocorreu quando o autor da ação estava em serviço, como sentinela, e levou um tiro do colega de farda, o que ocasionou hospitalização e desenvolvimento de sequelas psicológicas e psiquiátricas.
Após a determinação de primeiro grau, a União ingressou com recurso argumentando que não há suporte fático para a obrigação indenizatória por danos morais, e o militar também apelou solicitando o direito à reforma (aposentadoria).
Ao analisar o caso no TRF3, o desembargador federal Carlos Francisco considerou que os fatos envolvem a responsabilidade da União, pois ocorreram o dano e o nexo causal. Segundo o magistrado, a organização militar tem responsabilidade por toda a terapia do autor, que, por sua vez, possui o direito e o dever de se submeter ao tratamento médico adequado, até possível recuperação. Somente se não ocorrer o restabelecimento, será possível falar no direito à reforma.
O relator ressaltou que, de acordo com as provas dos autos, o militar não é inválido, mas sofre de doença psiquiátrica e necessita de tratamento medicamentoso, psicoterápico, psicossocial com tentativa de inserção, podendo, assim, alcançar a cura da enfermidade.
“É certo que o autor foi desligado da força quando estava com sua integridade mental comprometida e necessitando de tratamento médico, o que lhe tolheu a perspectiva de obter novo trabalho”, pontuou o desembargador.
Segundo Carlos Francisco, o desligamento do militar não apenas contrariou a determinação legal, como “gerou evidente sofrimento, por angústia e desequilíbrio emocional, familiar e financeiro, muito além do que pode ser reconhecido como normal para se viver em sociedade, o que enseja a procedência do pedido de condenação da ré em indenizá-lo por danos morais”.
Com esse entendimento, a Segunda Turma, por unanimidade, rejeitou as apelações e manteve a indenização por dano moral no valor arbitrado em sentença, além da reintegração do autor para fins de terapia médica.
O recurso ficou assim ementado:
CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÕES. SERVIDOR MILITAR. ACIDENTE EM SERVIÇO. REFORMA. INCAPACIDADE DEFINITIVA PARA O SERVIÇO MILITAR NÃO DEMONSTRADA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ATO ILÍCITO DANOSO, DANO E NEXO CAUSAL.
– A Lei nº 6.880/1980 (Estatuto dos Militares) e a Lei nº 4.375/1964 (Lei do Serviço Militar) foram recentemente alteradas pela Lei nº 13.954/2019, de 16.12.2019. Contudo, esta última Lei não tem aplicação no caso em exame, uma vez que os fatos que podem ensejar eventual direito ao requerente ocorreram antes de sua entrada em vigor.
– Infere-se do laudo médico psiquiátrico que o apelante é portador de doença psiquiátrica, cuja manifestação encontra-se presente, especialmente devido ao fato de não haver recebido o tratamento médico e psicológico adequado desde que sofreu o acidente em serviço. Contudo, referida doença é passível de remissão ad integrum, não restando constatada a incapacidade definitiva, mas apenas temporária para atividades que exijam esforço físico e contato com armas de fogo. A perícia deixa claro que o apelante não apresenta incapacidade para atividades administrativas e burocráticas, em ambiente interno.
– Não se tratando, portanto, de incapacidade definitiva, nos termos preconizados pelo art. 106, II, da Lei nº 6.880/1980, é indevida a concessão da reforma ao militar. Nada impede, entretanto, que seja posteriormente constatada a hipótese do art. 106, III, da Lei nº 6.880/1980, para a qual o apelante não possui, ao menos por ora, interesse de agir.
– Na questão posta nos autos, incide a responsabilidade objetiva da União, pela lesão sofrida pelo autor em razão do acidente ocorrido em serviço, com eventual direito de regresso em face do militar que disparou o tiro contra o autor, após o desentendimento que ocasionou o fato ilícito danoso.
– O nexo causal entre o acidente com arma de fogo e as lesões pulmonares, bem como a neurose pós-traumática, que atingiram o autor, é evidente. O tiro com arma de fogo e as lesões corporais e o distúrbio psíquico estão clara e diretamente relacionados, tendo, inclusive, a médica psiquiatra atestado que o acidente é a causa da doença mental que acomete o autor.
– Mesmo estando o autor acometido da neurose pós-traumática, foi ilegalmente licenciado ex officio pela Administração Pública Militar. O argumento da União de que a Organização Militar não tinha ciência da doença mental do autor não prospera. O apelado colacionou aos autos inúmeros documentos relacionados a seu distúrbio pós-traumático (CID 10 F43.1). As próprias avaliações médicas realizadas durante o seu período na caserna fazem menção ao aludido CID e à reação aguda ao stress.
– A sentença sopesou o valor fixado a título de indenização por danos morais com prudência e moderação, merecendo ser confirmada.
– Apelações não providas.
Apelação/Remessa Necessária nº 5002649-74.2017.4.03.6000