Para os magistrados, atividade clandestina de telecomunicação pode prejudicar serviços essenciais como polícia, ambulância, bombeiro e navegação aérea
A Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) manteve a condenação de um homem por possuir instalado em veículo um rádio transceptor móvel, sem autorização da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). O aparelho estava no painel e foi localizado em fiscalização na Rodovia BR 163, no município de Itaquiraí/MS.
A materialidade e autoria do delito ficaram comprovadas por prova oral, boletim de ocorrência, auto de apreensão, ofício da Anatel e laudo de perícia criminal federal. O parecer atestou que o dispositivo é capaz de dificultar ou impedir a recepção de sinais de outros equipamentos de difusão via rádio.
Os magistrados afastaram a incidência da insignificância, já que a punição ao delito visa amparar a segurança da rede do sistema de comunicação presente no país. A conduta é caracterizada como infração penal formal e de perigo abstrato, consumada independentemente da ocorrência de dano.
“A mera instalação ou utilização de aparelhagem em desacordo com as exigências legais, bem como a existência de atividade clandestina de telecomunicações, já tem o condão de causar sérias interferências prejudiciais em serviços regularmente instalados, como, por exemplo, polícia, ambulância, bombeiro, navegação aérea, embarcação”, frisou o desembargador federal relator Fausto De Sanctis.
O réu pediu a absolvição, alegando que a comportamento não constitui crime e é aceito e tolerado pela sociedade.
Para a Turma, não cabe o princípio da intervenção mínima, e a ação não pode ser considerada socialmente adequada, uma vez que expõe a perigo serviços regulares e essenciais de comunicação.
Pelo crime de desenvolvimento de atividades clandestinas de telecomunicação a pena foi estabelecida em dois anos de detenção, em regime inicial aberto, substituída por duas restritivas de direitos, e o ao pagamento de dez dias-multa.
O recurso ficou assim ementado:
PENAL. PROCESSO PENAL. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÃO. ARTIGO 183 DA LEI N.º 9.472/1997. RÁDIO TRANSCEPTOR. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA DO DIREITO PENAL. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL. MATERIALIDADE DELITIVA E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA DA PENA MANTIDA. HONORÁRIOS ADVOGADO DATIVO. APLICAÇÃO DA TABELA CONSTANTE NA RESOLUÇÃO 305, DE 07.10.2014, DO CJF.– Da aplicação do princípio da insignificância ao crime previsto no artigo 183 da Lei n.º 9.472/1997. Especificamente no que tange ao crime de desenvolvimento clandestino de atividade de telecomunicação, mostra-se impertinente o pleito de incidência do postulado da bagatela tendo em vista que o delito mencionado visa tutelar a segurança e a higidez do sistema de telecomunicação presente no país, a permitir, inclusive, o controle e a fiscalização estatal sobre tal atividade econômica, caracterizando-se por ser infração penal formal e de perigo abstrato, ou seja, consumando-se independentemente da ocorrência de dano – desta feita, diante de mácula a bem jurídico de suma importância, impossível cogitar-se de mínima periculosidade social da ação e de reduzido grau de reprovabilidade do comportamento. Consigne-se, ademais, que a mera instalação ou a mera utilização de aparelhagem em desacordo com as exigências legais, bem como a existência de atividade clandestina de telecomunicações, já tem o condão de causar sérias interferências prejudiciais em serviços de telecomunicações regularmente instalados (como, por exemplo, polícia, ambulância, bombeiro, navegação aérea, embarcação, bem como receptores domésticos adjacentes à emissora) em razão do aparecimento de frequências espúrias, razão pela qual, além de presumida a ofensividade da conduta pela edição da lei, inquestionável a alta periculosidade social da ação, também sob tal viés, daquele que age ao arrepio das normas de regência.– Princípio da intervenção mínima. Se o legislador optou por incriminar determinada conduta, assim o fez diante da existência de bem juridicamente relevante a ser protegido (meios de comunicação). Sob esta ótica, deve ser rechaçada a pretensão da defesa, sendo inquestionável a alta periculosidade da ação e a necessidade de resguardo do bem jurídico no espectro penal.– A hipótese versada nos autos não é de conduta que possa ser considerada socialmente adequada. Rechaçada a aplicação do princípio da adequação social, notadamente porque não há como se considerar socialmente tolerável uma conduta que expõe a perigo serviços regulares e essenciais de telecomunicações.– Materialidade do delito descrito no artigo 183 da Lei n. 9.742/1997 comprovada pelo Boletim de Ocorrência, pelo Auto de Apreensão e pelo Laudo de Perícia Criminal Federal (Eletroeletrônicos), dispondo que o rádio transceptor móvel encontrado no interior do veículo conduzido pelo increpado “é capaz de dificultar ou mesmo impedir a recepção de sinais de RF oriundos de outros equipamentos de comunicação via rádio que operem na mesma frequência, em frequências próximas ou em frequências múltiplas (harmônicas). O grau de interferência depende da distância entre os equipamentos transmissores, das respectivas potências de operação e da qualidade destes”, além do ofício de lavra da ANATEL, consignando que o ora apelante “não possui autorização expedida por esta Agência”.– A autoria delitiva igualmente ficou evidenciada pelo Boletim de Ocorrência, bem como pela prova oral coligida nos autos, tanto na fase inquisitorial quanto em juízo, especialmente pela confissão do increpado.– Dosimetria da pena mantida, à míngua de recurso e diante da ausência de qualquer ilegalidade. Pena definitiva fixada em 02 (dois) anos de detenção e ao pagamento de 10 (dez) dias-multas, cada qual no valor unitário.– Mantido o regime inicial de cumprimento da pena ABERTO, nos termos do art. 33, §2º, alínea “c”, do Código Penal.– Manutenção da substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, uma vez preenchidos os requisitos legais presentes nos termos do artigo 44 do Código Penal, consistentes na prestação de serviços à comunidade, pelo mesmo tempo de duração da pena privativa de liberdade, a entidade pública ou privada de destinação social a ser indicada pelo juízo executório, assim como pela prestação pecuniária consubstanciada no pagamento de 12 (doze) prestações mensais, no valor de R$ 80,00 (oitenta) reais cada, a serem depositadas em conta vinculada ao juízo para posterior destinação, nos termos da Resolução CNJ n.º 154/2012.– Rejeitado o pleito formulado pela defesa atinente à majoração dos honorários advocatícios arbitrados ao defensor dativo do increpado, porquanto já fixados no valor máximo da tabela anexa à Resolução n.º CJF-RES-2014/00305, de 07/10/2014, cujo caráter é vinculativo. Precedentes.– Apelação do réu a que se nega provimento.
Apelação Criminal 0000861-34.2013.4.03.6006