Entendimento é que encargos não devem ser suportados pela Fazenda Pública, pois execução foi exercida com amparo jurídico por fato imputável à empresa
O Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) julgou procedente, no dia 30/8, por unanimidade, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) 0000453-43.2018.4.03.0000, que trata da não condenação da União ao pagamento de honorários, quando o advogado da parte executada comparece aos autos da execução fiscal somente após o fim do prazo quinquenal, alegando prescrição intercorrente, já reconhecida pela Fazenda Pública.
O colegiado fixou a seguinte tese jurídica: “Não cabe condenação de honorários advocatícios contra a União Federal nos casos de acolhimento de exceção de pré-executividade, sem que haja objeção da exequente, reconhecendo a prescrição intercorrente em execução fiscal, com fulcro no art. 40, § 4º, da Lei nº 6.830/80”.
A decisão, de relatoria do desembargador federal Hélio Nogueira, pode ser aplicada para solucionar processos e também futuros conflitos que versem sobre idêntica questão de direito e tramitem no território de competência da Justiça Federal da 3ª Região, conforme prevê o artigo 985 do Código de Processo Civil (CPC).
O requerimento de instauração do IRDR foi extraído de execução fiscal movida pela Fazenda Nacional para a cobrança de dívida tributária relativa a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). O processo ficou paralisado por período superior ao prazo prescricional em razão da não localização da parte executada em seu domicílio fiscal.
O advogado da empresa executada apresentou exceção de pré-executividade sustentando prescrição intercorrente. A ação foi extinta em primeira instância com resolução do mérito, que acatou os argumentos da parte e condenou a Fazenda Pública ao pagamento de honorários advocatícios.
Ao analisar o incidente no TRF3, o relator ponderou que doutrina e jurisprudência entendem que o critério da sucumbência deve ser adotado como primeiro parâmetro para a distribuição das despesas do processo. Entretanto, segundo o magistrado, é necessária articulação com o princípio da causalidade, a fim de se aferir corretamente qual das partes arcará com o pagamento dos honorários advocatícios e das custas processuais.
Para o desembargador, se a empresa tivesse exercido regularmente sua obrigação tributária, a ação executiva não existiria e a máquina pública não seria movimentada, sendo a prescrição intercorrente mera decorrência secundária e subordinada à própria existência da execução.
Nesse sentido, de acordo com o relator, é o devedor quem torna necessária a judicialização por sua conduta antijurídica, e a Fazenda Pública não pode ser responsabilizada pelo custeio de honorários sucumbenciais, na medida em que o princípio da causalidade baseia-se na imputação da culpa a quem protagonizou a conduta geradora da existência do processo.
“Caminhar noutro sentido redundaria em punir o já combalido erário público por duas vezes e beneficiar o devedor pelo não cumprimento de sua obrigação, que provocou a instauração da execução e tornou necessário o serviço público da administração da justiça e, em alguns casos, premiar atos atentatórios à dignidade da Justiça, como a utilização de manobras para não ser localizado ou não ter identificados bens passíveis de penhora, em manifesta violação aos princípios da efetividade do processo e da boa-fé processual”, explicou.
Caso piloto
O processo piloto para o IRDR foi uma apelação interposta pela União, em execução fiscal movida contra uma sociedade empresária, em face de sentença proferida pela 9ª Vara Federal de Execuções Fiscais de São Paulo. A decisão de primeira instância acolheu exceção de pré-executividade da empresa e reconheceu a prescrição intercorrente da pretensão executória, condenando a Fazenda Pública ao pagamento de honorários sucumbenciais fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa.
A União, então, ingressou com recurso, sustentando não haver motivo para condená-la ao pagamento de honorários, pois foi o devedor quem deu causa à instauração do processo.
Ao analisar o caso, o desembargador federal Hélio Nogueira frisou que a paralisação do processo por período superior ao prazo prescricional ocorreu por responsabilidade da parte executada, que posteriormente conseguiu a extinção da execução pelo reconhecimento de prescrição intercorrente.
“Não pode ser ignorado o obstáculo criado pela executada à sua regular citação e ao prosseguimento da execução, a partir do momento em que não foi encontrada exercendo sua atividade no seu domicílio fiscal, situação não devidamente comunicada aos órgãos competentes, violando o dever do contribuinte de informar à Administração Tributária qualquer alteração de seus dados jurídicos e econômicos, e que conduz à presunção de que houve dissolução irregular da empresa”, argumentou.
Dessa forma, para o desembargador federal os encargos não devem ser suportados pela União, uma vez que a execução foi exercida com amparo jurídico por fato imputável à empresa.
“Estando a sentença em desacordo com o entendimento firmado no presente IRDR, deve ser dado provimento ao recurso de apelação da União Federal para reformar parcialmente a sentença e afastar a condenação em honorários contra a parte exequente”, concluiu.
O recurso ficou assim ementado:
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. EXTINÇÃO DO FEITO. AUSÊNCIA DE RESISTÊNCIA POR PARTE DA EXEQUENTE. CONDENAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IMPOSSIBILIDADE. INCIDENTE ACOLHIDO.
1. Cuida-se de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas objetivando a fixação de tese jurídica aplicável às demandas que visam discutir a “condenação da Fazenda Nacional ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, quando a exequente, oposta exceção de pré-executividade pelo executado, reconhece a ocorrência da prescrição intercorrente da execução fiscal que se encontra sobrestada nos termos do art. 40 da LEF”.
2. A prescrição intercorrente encontra regulação no art. 40 da Lei de Execuções Fiscais (Lei nº 6.830/80) e decorre basicamente do fato de, após a propositura da execução fiscal, o feito ficar paralisado por tempo superior ao prazo prescricional (de acordo com a natureza do débito), em razão da não localização da parte devedora ou de bens sobre os quais possa recair penhora, podendo ser reconhecida “de ofício” pelo Poder Judiciário.
3. Com a tese firmada pelo STJ julgamento do REsp nº 1.340.553/RS, afastou-se a dependência de uma análise subjetiva da inércia do titular da ação, deliberando de forma definitiva que: “Não havendo a citação de qualquer devedor por qualquer meio válido e/ou não sendo encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora (o que permitiria o fim da inércia processual), inicia-se automaticamente o procedimento previsto no art. 40 da Lei n. 6.830/80, e respectivo prazo, ao fim do qual restará prescrito o crédito fiscal”, cujo reconhecimento e decretação poderá ocorrer de ofício pelo juiz.
4. O dever de arcar com a verba honorária decorre de uma premissa condutora básica, a saber, a derrota de uma das partes em demanda judicial. Trata-se do chamado princípio da sucumbência, que conduz a concepção de que é direito do advogado da parte vencedora receber honorários da parte sucumbente na ação, haja vista, essencialmente, que o processo judicial tem razão de existir por um comportamento violador do ordenamento jurídico da parte vencida.
5. No entanto, o critério da sucumbência não tem aplicação absoluta e mostrou-se insuficiente para a solução de casos específicos deve ser adotado “apenas como um primeiro parâmetro para a distribuição das despesas do processo, sendo necessária a sua articulação com o princípio da causalidade” (REsp 684.169/RS), a fim de se aferir corretamente qual das partes litigantes arcará com o pagamento dos honorários advocatícios e das custas processuais.
6. O Superior Tribunal de Justiça tem prestigiado em alguns casos a aplicação do princípio da causalidade para definir a condenação em honorários advocatícios sucumbenciais, especialmente nas situações em que a “vitória” alcançada por uma das partes não necessariamente permita concluir que o ajuizamento da demanda deu-se em razão da postura resistente da parte vencida. Precedentes.
7. Tais precedentes e o raciocínio neles empregados repercutem também, respeitadas as especificidades, na solução do caso objeto deste Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva – IRDR, na medida em que o reconhecimento da prescrição intercorrente por ausência de localização do devedor ou de bens penhoráveis, ainda que resulte na extinção da execução fiscal, não atrai absolutamente a sucumbência para a parte exequente (vencida).
8. A jurisprudência majoritária da Corte Superior caminha no sentido de afastar a condenação em honorários contra a exequente, quando a extinção da execução decorre do reconhecimento de prescrição intercorrente consumada pela não localização de bens do executado, uma vez que não deu causa ao pedido executório. Precedentes.
9. Reunidas todas as condições para a cobrança do crédito tributário, a União Federal move o processo executivo fiscal munido de título executivo que goza de presunção de veracidade e legitimidade, concebido por autoridade adstrita ao princípio da legalidade mediante atividade administrativa de cobrança plenamente vinculada, que não atinge seu objetivo precípuo, primeiramente e principalmente, em virtude da conduta faltosa do devedor.
10. A existência da execução deve-se, sob qualquer ótica, à parte executada que dá azo a judicialização ao deixar de adimplir suas obrigações tributárias regulares, cujos atributos de certeza e liquidez não foram afastados. A ação executiva não existiria e a máquina pública não seria movimentada se o executado tivesse exercido regularmente sua obrigação tributária, sendo a prescrição intercorrente mera decorrência secundária e subordinada à própria existência da execução.
11. O devedor é quem torna necessária a judicialização por sua conduta antijurídica, de sorte que, havendo ou não inércia da Fazenda Pública na busca pela satisfação do crédito – elemento subjetivo cuja ponderação perdeu relevo com o entendimento firmado no julgamento do REsp. 1.340.553/RS – não poderá ser responsabilizada pelo custeio de honorários sucumbenciais, na medida em que o princípio da causalidade baseia-se na imputação da culpa a quem protagonizou a conduta geradora da existência do processo.
12. Caminhar noutro sentido redundaria em punir o já combalido erário por duas vezes e beneficiar o devedor pelo não cumprimento de sua obrigação, que provocou a instauração da execução e tornou necessário o serviço público da administração da justiça e, em alguns casos, premiar atos atentatórios à dignidade da Justiça, como a utilização de manobras para não ser localizado ou não ter identificados bens passíveis de penhora, em manifesta violação aos princípios da efetividade do processo e da boa-fé processual.
13. À luz do princípio da causalidade, respaldado pela recente jurisprudência do STJ, é seguro concluir que não cabe condenação em honorários sucumbenciais contra o exequente nos casos de reconhecimento de prescrição intercorrente em execução fiscal após acolhimento de exceção de pré-executividade, posição válida tanto na vigência do novo diploma processual civil quanto nos casos em que ainda vigora o seu predecessor.
14. Com o advento da Lei n. 12.844, de julho de 2013, e a nova disciplina legal introduzida ao art. 19 da Lei n. 10.522, de 19 de julho de 2002, tornou-se absolutamente despicienda a discussão sobre a possibilidade ou não de condenação da Fazenda Nacional em honorários advocatícios nos casos de acolhimento de exceção de pré-executividade ou embargos à execução fiscal, havendo reconhecimento procedência do pedido pela exequente.
15. Pelos termos do §1º, inciso I, do art. 19 da Lei n. 10.522/02, não há que se falar em condenação em honorários nas matérias elencadas no aludido diploma legal, tais como as ações que versem sobre tema decidido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça, definido em sede de repercussão geral ou recurso repetitivo (inc. VI, a), ou então, tema que seja objeto de parecer, vigente e aprovado, pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional, que conclua no mesmo sentido do pleito do executado (inc. II), em que há reconhecimento da procedência do pedido pela Procuradoria da Fazenda quando citada para apresentar contestação em exceção de pré-executividade ou embargos à execução fiscal.
16. Relativamente à extinção da execução fiscal pelo reconhecimento de prescrição intercorrente, tendo a matéria sido pacificada pelo STJ no julgamento do REsp 1.340.553-RS, em julgamento proferido na sistemática dos recursos repetitivos, e considerando o teor do Ato Declaratório da PGFN nº 1, de 22 de março de 2011, originado a partir do Parecer PGFN/CRJ nº 202/2011, que dispensa a PFN de contestar e recorrer nesta hipótese, caso o Procurador da Fazenda Nacional tenha reconhecido expressamente a procedência da alegação, a União Federal estará isenta do pagamento de honorários advocatícios.
17. Quanto ao caso paradigma, trata-se de recurso de apelação interposto pela UNIÃO FEDERAL, nos autos de execução fiscal movida em face de DERECK IMP. E EXP. LTDA, em face de sentença proferida pela 9ª Vara Federal de Execuções Fiscais de São Paulo, que acolheu exceção de pré-executividade da executada e reconheceu a prescrição intercorrente da pretensão executória, condenando a Fazenda Pública ao pagamento de honorários sucumbenciais fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, com base no art. 85, §3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
18. A Fazenda Nacional moveu execução fiscal fundada em Certidão de Dívida Ativa compreendendo os elementos exigidos no art. 2º, §§5º e 6º, da Lei 6.830/1980 (LEF) e no art. 202 do CTN, para a cobrança de dívida tributária relativa a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL e consectários legais. O feito ficou paralisado na forma do art. 40 da Lei 6.830/1980 por período superior ao prazo prescricional em razão da não localização da parte executada em seu domicílio fiscal, o que motivou, após a oposição de exceção de pré-executividade da parte executada, a extinção da execução pelo reconhecimento de prescrição intercorrente, nos termos do art. 487, inciso II, do CPC.
20. Consoante a tese apresentada no presente IRDR, a conduta antijurídica adotada pela executada/excipiente de deixar de cumprir oportunamente com sua obrigação tributária deu razão à judicialização da cobrança do débito fiscal, cujas premissas que autorizavam sua inscrição em dívida ativa não foram infirmadas pela prescrição intercorrente da execução, não havendo que se falar na possibilidade de condenação da Fazenda Pública exequente/excepto ao pagamento de honorários advocatícios, com base no princípio da causalidade e na regra de isenção prevista no art. 19, §1º, I, da Lei n. 10.522/02.
21. Incidente acolhido e, para os efeitos dos artigos 984 e 985 do Código de Processo Civil, fixa-se a seguinte tese jurídica: “Não cabe condenação de honorários advocatícios contra a União Federal nos casos de acolhimento de exceção de pré-executividade, sem que haja objeção da exequente, reconhecendo a prescrição intercorrente em execução fiscal, com fulcro no art. 40, § 4º , da Lei nº 6.830/80.” APLICAÇÃO DO CASO CONCRETO: Recurso de Apelação interposto pela União Federal provido para reformar parcialmente a sentença e afastar a condenação em honorários contra a parte exequente.
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) 0000453-43.2018.4.03.0000