Segurado trabalhou de 1977 a 2004 em ambiente com ruído acima dos limites toleráveis
A Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) confirmou decisão que reconheceu, como especial, o período de trabalho de um marceneiro autônomo, contribuinte individual do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
A sentença havia concedido a aposentadoria especial ao autor pela atividade desenvolvida entre 1977 e 2004. O INSS recorreu da decisão pleiteando a desconsideração da perícia, realizada por similaridade, e a inviabilidade do reconhecimento, como especial, da atividade de marceneiro autônomo.
No TRF3, os magistrados pontuaram a realização de duas perícias. Em 2004, laudo elaborado in loco por engenheiro civil e de segurança do trabalho descreveu que o segurado exercia atividades sob agentes agressivos, com ruído de 94,53 decibéis (dB) e manuseio de máquinas para desdobramento e processamento de madeiras, como desempenadeiras, tupia e serra circular. O segundo, realizado em 2013, em empresa similar, também constatou nível de pressão sonora de 93,69 dB.
“Ambas as avaliações técnicas convergem à conclusão única: a de que o autor estivera exposto, de maneira habitual e permanente, ao longo das tarefas desempenhadas na qualidade de marceneiro autônomo, a ruído acima dos limites toleráveis”, destacou a decisão. Foi considerada insalubre a exposição do agente ao ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
A decisão ressaltou ser pacífico o entendimento da Sétima Turma sobre a possibilidade de realização de prova pericial indireta, desde que demonstrada a inexistência da empresa, com a aferição dos dados em estabelecimentos paradigmas, observada a similaridade do objeto social e das condições ambientais de trabalho.
O colegiado salientou, ainda, que a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o reconhecimento da especialidade: “Com o passar do tempo, a evolução da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior”.
Por fim, a Sétima Turma considerou comprovado que o autor completou 25 anos e cinco meses de trabalho em atividade exclusivamente especial, fazendo jus à aposentadoria especial.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CUSTAS. ISENÇÃO. FALTA DE INTERESSE RECURSAL. APOSENTADORIA ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. PEDIDOS ALTERNATIVOS. LABOR ESPECIAL. RUÍDO. COMPROVAÇÃO. PERÍCIA INDIRETA. POSSIBILIDADE. APOSENTADORIA ESPECIAL DEVIDA. TERMO INICIAL. OPÇÃO PELO BENEFÍCIO MAIS VANTAJOSO. EXECUÇÃO DO JULGADO SE OPTADO PELO BENEFÍCIO CONCEDIDO NA VIA ADMINISTRATIVA. JUÍZO DA EXECUÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. APELO DO INSS NÃO CONHECIDO DE PARTE E, NA PARTE CONHECIDA, PROVIDO EM PARTE, ASSIM COMO A REMESSA NECESSÁRIA.
1 – Não merece ser conhecido o apelo do INSS, na parte em que reclama a isenção das custas processuais, por lhe faltar interesse recursal, porquanto a r. sentença assim já o decidira .
2 – Descreve a parte autora seu ciclo laborativo constituído de tarefas especiais desempenhadas na condição de marceneiro autônomo – contribuinte individual, desde 01/05/1977 até 31/05/2004, assim pretendendo a concessão de “aposentadoria especial” ou, alternativamente, de “aposentadoria por tempo de serviço/contribuição”, a partir da requisição administrativa do benefício, aos 10/03/2005 (sob NB 134.077.794-8).
3 – A aposentadoria especial foi instituída pelo artigo 31 da Lei n. 3.807, de 26.08.1960 (Lei Orgânica da Previdência Social, LOPS). Sobreveio a Lei n. 5.890, de 08.06.1973, que revogou o artigo 31 da LOPS, e cujo artigo 9º passou regrar esse benefício. A benesse era devida ao segurado que contasse 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, de serviços para esse efeito considerados penosos, insalubres ou perigosos, por decreto do Poder Executivo.
4 – O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais, agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os grupos profissionais.
5 – Atualmente, a aposentadoria especial encontra previsão no art. 57 da Lei nº 8.213/91, com redação dada pela Lei nº 9.032/95.
6 – Até a edição da Lei nº 9.032/95, era possível o reconhecimento da atividade especial: (a) com base no enquadramento na categoria profissional, desde que a atividade fosse indicada como perigosa, insalubre ou penosa nos anexos dos Decretos nº 53.831/64 ou 83.080/79 (presunção legal); ou (b) mediante comprovação da submissão do trabalhador, independentemente da atividade ou profissão, a algum dos agentes nocivos, por qualquer meio de prova, exceto para ruído e calor.
7 – A apresentação de laudo pericial, Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP ou outro formulário equivalente para fins de comprovação de tempo de serviço especial, somente passou a ser exigida a partir de 06.03.1997 (Decreto nº. 2.172/97), exceto para os casos de ruído e calor, em que sempre houve exigência de laudo técnico para verificação do nível de exposição do trabalhador às condições especiais.
8 – Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
9 – Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
10 – O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em condições especiais.
11 – Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
12 – A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
13 – A apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
14 – Reunida nos autos, confere-se a íntegra do procedimento administrativo de benefício e a documentação que instrui a exordial, avistando-se cópia de CTPS, sem qualquer anotação empregatícia, e guias de recolhimentos previdenciários efetuados ininterruptamente entre janeiro/1979 e maio/2004; as laudas extraídas do banco de dados CNIS/Plenus e as tabelas de cálculo de tempo de serviço confeccionadas pelo INSS reforçam o cenário contributivo do segurado. Por outro lado, inexiste qualquer comprovação de contribuições vertidas para o lapso de 01/05/1977 a 31/12/1978.
15 – Acerca da demonstração do labor insalubre no ofício de marceneiro, têm-se nos autos: * laudo firmado aos 14/06/2004, pelo Engenheiro Civil e de Segurança do Trabalho, Reinaldo Marques: avaliação do trabalho do autor, in loco, descrevendo atividades exercidas sob agentes agressivos, dentre outros, ruído de 94,53 dB(A), merecendo destaque, aqui, o detalhamento das tarefas com manuseio de máquinas da marca Invicta utilizadas no processo de desdobramento e processamento de madeiras, tais como desempenadeiras, tupia e serra circular; * laudo de perícia ordenada pelo d. Juízo a quo, tendo sido realizada a perícia em 05/02/2013, indiretamente, por similaridade, na empresa Carvalho Reparações, porquanto o local frequentado pelo autor não mais existiria: constatado o exercício profissional do autor sob nível de pressão sonora com intensidade de 93,69 dB(A).
16 – Ambas as avaliações técnicas convergem à conclusão única: a de que o autor estivera exposto, de maneira habitual e permanente, ao longo das tarefas desempenhadas na qualidade de marceneiro autônomo, a ruído acima dos limites toleráveis, à luz dos itens 1.1.6 do Decreto nº 53.831/64, 1.1.5 do Decreto nº 83.080/79, 2.0.1 do Decreto nº 2.172/97 e 2.0.1 do Decreto nº 3.048/99.
17 – Pacífico o entendimento desta Turma no sentido da possibilidade de realização de prova pericial indireta, desde que demonstrada a inexistência da empresa, com a aferição dos dados em estabelecimentos paradigmas, observada a similaridade do objeto social e das condições ambientais de trabalho.
18 – O autor comprova 25 anos e 05 meses em atividade de índole exclusivamente especial, já na data da postulação administrativa, aos 10/03/2005, fazendo jus, portanto, à “aposentadoria especial”.
19 – Quanto ao marco inicial, este deve ser mantido na data do requerimento administrativo. A demora do segurado em ajuizar a ação judicial para pleitear um benefício previdenciário ou a sua revisão não autoriza a alteração do termo inicial do benefício ou da revisão, eis que a consequência jurídica que a legislação de regência prevê para tal fato jurídico é o reconhecimento da prescrição da respectiva pretensão, a qual, frise-se, dá-se quando o segurado não exerce a sua pretensão dentro do prazo de 5 (cinco) anos. Ademais, é certo que o segurado, desde a data do requerimento administrativo, já atendia aos requisitos para fazer jus ao benefício/revisão aqui deferido e que, desde então, já existia a respectiva obrigação do INSS. Isso significa que a fixação do termo inicial na data do requerimento administrativo não enseja um enriquecimento sem causa ao segurado, tampouco um prejuízo à autarquia previdenciária. Por fim, não se pode olvidar que o C. STJ, em sede de Incidente de Uniformização de Jurisprudência, firmou entendimento no sentido de que a DIB será fixada na data do requerimento administrativo se nessa data estiverem preenchidos os requisitos, ainda que a comprovação da especialidade da atividade tenha surgido em momento posterior, como, por exemplo, após proposta a ação judicial (STJ – Petição nº 9.582 – RS 2012/0239062-7).
20 – Em vista do deferimento de “aposentadoria por idade” ao autor, em caráter administrativo, desde 16/03/2009 (sob NB 149.897.086-6), faculta-se ao demandante a opção pela percepção do benefício que se lhe afigurar mais vantajoso, vedado, contudo, o recebimento em conjunto de duas aposentadorias, nos termos do art. 124, II, da Lei nº 8.213/91 e, com isso, a execução dos valores atrasados é condicionada à opção pelo benefício concedido em Juízo.
21 – Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente quando da elaboração da conta, com aplicação do IPCA-E nos moldes do julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE) e com efeitos prospectivos.
22 – Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
23 – Apelação do INSS não conhecida em parte e, na parte conhecida, parcialmente provida, assim como a remessa necessária.
Apelação/Remessa Necessária 0018394-21.2014.4.03.9999