Após não ter o imóvel entregue no prazo estabelecido em contrato assinado com a Caixa Econômica Federal (CEF), uma consumidora será indenizada por danos morais no valor de R$ 12.730,79, 20% do valor do imóvel. A decisão é da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que manteve a sentença, da 11ª Vara Federal da Bahia, que condenou a CEF ao pagamento e a construtora ao ressarcimento à CEF dos valores da indenização.
Informações do processo atestam que a consumidora ingressou com ação pedindo reparação por danos causados pelo atraso na entrega do imóvel, que durou dois anos e 10 meses. Pelo contrato assinado com a instituição financeira, a entrega das chaves deveria acontecer 13 meses após a assinatura da compra do imóvel.
Na apelação ao TRF1, a Caixa argumentou que o envolvimento da instituição bancária com a obra foi somente em relação a financiamento, vistorias e mensuração das etapas executadas com a finalidade de liberação das parcelas para a construtora. Por esses motivos, o atraso na execução da obra seria responsabilidade da construtora, e não da CEF.
Já a construtora, em recurso, informou que se encontra em recuperação judicial e não pode suportar a condenação sem que seja afetado drasticamente o quadro financeiro da empresa. Alegou que já estava debilitada quando foi programada a entrega do imóvel. Explicou que a demora em questão foi causada por fatores alheios à vontade da construtora e que poderiam ensejar o aumento de prazo para o término da obra. Afirmou que fortes chuvas, greve de funcionários e grave crise financeira prejudicaram a entrega das chaves do imóvel, sendo que o atraso não tem o condão de gerar indenização por danos morais.
No TRF1, o caso ficou sob relatoria do juiz federal convocado Caio Castagine Marinho. Ele destacou em seu voto a obrigação de reparar daquele que causa dano a alguém, prevista no Código Civil Brasileiro. Para o magistrado, ficou claro que, de acordo com as cláusulas contratuais, cabia à CEF liberar os valores necessários à execução da obra. Essa circunstância ficou condicionada ao regular andamento dos trabalhos, conforme cronograma aprovado pelo banco. Além disso, a Caixa obrigou-se a fazer o acompanhamento das obras, desde o início até a averbação do “habite-se”, sob pena de bloqueio da entrega das parcelas do financiamento à construtora.
Diante dessas previsões contratuais, o magistrado ressaltou que a Caixa não fiscalizou o regular pagamento do seguro de garantia, nem sequer a contratação desse seguro. Pelo contrário, a CEF continuou a liberar as parcelas do financiamento mesmo diante do não atendimento das
obrigações do contrato. Assim, a instituição financeira teria obrigação solidária de ressarcir o prejuízo causado.
Para Caio Castagine, por tratar-se de relação de consumo, é direito básico do consumidor a proteção contra métodos comerciais desleais, como prevê o artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor (CDC). “Desta forma, se a Caixa alega não ter responsabilidade pelos prejuízos causados à autora, lhe caberia exigir a respectiva reparação em face da construtora. O consumidor é que não pode ser penalizado pelo atraso na entrega do imóvel”, ponderou o magistrado.
Quanto às alegações da construtora, o juiz federal salientou que a ocorrência de chuvas e greve de funcionários são eventos inerentes à atividade da construção civil, tratando-se, portanto, de fatos previsíveis nesse ramo de atividade. O magistrado enfatizou que a construtora não apresentou na apelação documentos que comprovem suas alegações ou elementos concretos suficientes para infirmar os fundamentos da sentença.
Considerando não haver dúvidas de que a autora sofreu danos causados pelo atraso da entrega do imóvel, o Colegiado, nos termos do voto do relator, negou provimento às apelações.
O recurso ficou assim ementado:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE TERRENO E MÚTUO PARA CONSTRUÇÃO DE UNIDADE HABITACIONAL. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. CDC. APLICAÇÃO. LEGITIMIDADE DA CEF. OMISSÃO NA FISCALIZAÇÃO DA OBRA. ARTS. 927, 944 E 945 DO CC/2002. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MANUTENÇÃO. CRITÉRIOS DE RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. CONSTRUTORA. ALEGADA SITUAÇÃO DE INSOLVÊNCIA E OCORRÊNCIA DE CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR (CHUVAS E GREVE). EVENTOS PREVISÍVEIS NO RAMO DE ATIVIDADE. RISCO DO NEGÓCIO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS APTOS PARA INFIRMAR OS FUNDAMENTOS SENTENCIAIS. ARGUMENTOS NÃO COMPROVADOS. ART. 373, I, CPC/2015.
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Discute-se no caso suposto direito da autora à indenização decorrente do atraso na conclusão de imóvel, cujo prazo era de 13 (treze) meses, devendo a entrega ter ocorrido em até 60 dias após o término da obra, bem como do descumprimento, pela CEF, da sua obrigação de fiscalizar a construção e de notificar a construtora acerca da mora.
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A Sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos feitos na ação na qual se discute o cumprimento de contrato de compra e venda de terreno e mútuo para construção de unidade habitacional, tendo sido condenada a CEF em indenização por danos morais de 20% sobre o valor da aquisição de imóvel objeto de contrato de mútuo, julgando procedente a denunciação da lide à construtora RCA, que foi condenada ao reembolso da indenização imposta à CEF.
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A teor do art. 927, “caput”, do CC/02, aquele que, por ato ilícito, causar prejuízo a outrem, fica obrigado a repará-lo. Assim, o pagamento da indenização pelos danos morais experimentados pela autora durante o período em que a obra ficou paralisada é consequência natural do ato ilícito praticado (atraso culposo na entrega do imóvel).
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À CEF cabia liberar os valores necessários à execução da obra, o que ficou condicionado ao regular andamento dos trabalhos, de acordo com cronograma por ela aprovado, bem como à apresentação de documentos que atestassem o cumprimento dos encargos contratuais pela construtora. Para tanto, obrigou-se a acompanhar as obras, sob pena de bloqueio da entrega das parcelas do financiamento. Obrigou-se ainda a atestar o atraso no andamento da obra e notificar a seguradora contratada acerca do atraso, a fim de que esta tomasse as medidas necessárias ao término do empreendimento no prazo contratado.
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Essas condições não existiam no contrato como simples garantia para a CEF. Ao contrário, o interesse do legislador nas operações de incorporação é a garantia de que tanto os valores mutuados à construtora sejam empregados na obra, quanto que a obra prossiga para entrega do imóvel. O cumprimento das obrigações da construtora é de interesse da CEF e do comprador do imóvel, e a estruturação da operação dá a CEF o poder-dever de fiscalizar a obra. Por isso, o mutuário confia que a CEF fiscaliza o andamento da obra, em benefício dela e dele próprio.
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A omissão quanto a essas obrigações assumidas levou à impossibilidade de conclusão da obra pela seguradora, dentro do prazo avençado, gerando prejuízos à mutuária e o consequente dever jurídico de repará-los em face dos danos morais suportados pela adquirente.
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O fato de a adquirente considerar que a obra seria garantida por uma instituição financeira sólida e idônea como a CEF foi decisivo na assinatura do contrato, de sorte que, por conta da boa-fé inerente aos contratos, sua expectativa não pode ser frustrada. Entendimento contrário implicaria ofensa ao dever de lealdade para com o consumidor, decorrência natural do princípio da boa-fé objetiva. Tratando-se de relação de consumo, é direito do consumidor a proteção contra métodos comerciais desleais (CDC, art. 6º, IV), de forma que se a CEF não assume a responsabilidade pelos prejuízos causados, lhe caber exigir a respectiva reparação em face da construtora. O consumidor é que não pode ser penalizado pelo atraso na entrega do imóvel.
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A ocorrência de chuvas e greve de funcionários são eventos inerentes à atividade da construção civil, tratando-se, pois, de fatos previsíveis no ramo de atividade, fazendo parte do risco do negócio. Ademais, não trouxe a construtora, na apelação, documentos aptos a comprovar suas alegações ou elementos concretos suficientes para infirmar os fundamentos da sentença. Dessa forma, a recorrente não se desincumbiu de seu ônus previsto no art. 373, I, do CPC/2015.
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O contrato em questão foi assinado em 22/12/2009, tendo a entrega do imóvel ocorrido somente em 26/11/2013, ou seja, quase três anos após o prazo ajustado, sendo que a CEF não cumpriu sua obrigação contratual de notificar a Companhia Seguradora, a fim de que esta desse seguimento às obras, entregando o empreendimento no prazo avençado.
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Evidencia-se a ocorrência do dano moral, pois não há como imaginar que o atraso na entrega do imóvel não tenha gerado tensão, ansiedade, frustração e angústia na mutuária, sentimentos negativos potencializados pela ausência de uma definição acerca do cronograma para conclusão e entrega do empreendimento. No caso, chega-se mesmo a dispensar a prova do prejuízo, sendo suficiente a demonstração do ato ilícito e do nexo causal para que o dano seja presumido pela força dos próprios fatos (dano “in re ipsa”), o que é admitido pela jurisprudência do eg. STJ.
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A condenação a título de danos morais foi fixada em 20% sobre o valor de aquisição do imóvel, que é de R$ 63.653,96, ou seja, tal indenização equivale a R$ 12.730,79, valor que deve ser mantido, pois fixado com base em critérios de razoabilidade e proporcionalidade.
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Apelações desprovidas.
Processo nº: 0035190-33.2012.4.01.3300