Por entender que a Justiça Federal é competente para julgar casos de exploração ilegal de produtos vegetais no interior de terras indígenas e que houve a comprovação da autoria e materialidade dos delitos apurados, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) manteve a condenação de seis homens envolvidos na extração e receptação ilegal de madeira das terras indígenas Serra Morena, Aripuanã e Parque Aripuanã, no estado de Mato Grosso.
Os fatos criminosos foram primeiramente noticiados pela Fundação Nacional do Índio (Funai), ainda em agosto de 2009, e julgados pela Justiça Federal da 1ª Região (JF1) em Mato Grosso. No TRF1, as defesas dos seis homens sentenciados pleitearam, entre outras demandas, a absolvição das práticas dos crimes do art. 180, § 1º, Código Penal (adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte) e do art. 50-A da Lei n. 9.605/1998 (destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de especial preservação). Uma das defesas alegou ainda que a Justiça Federal não tinha competência para decidir a questão.
No entanto, o relator, juiz federal convocado Saulo Casali Bahia, destacou, no voto acompanhado por unanimidade pela Turma, que a Justiça Federal tinha competência para julgar o caso tendo em vista que as condutas por eles praticadas nas terras indígenas Serra Morena, Aripuanã e Parque Aripuanã afetam e lesionam bens e interesse da União.
Também segundo o magistrado, a sentença não merece qualquer reparo, porque analisou “de forma percuciente, fundamentada e exaustiva a vasta e robusta a prova constante dos autos, demonstrando a autoria e a materialidade delitivas”.
Impactos negativos – De acordo com a denúncia, as ações do grupo criminoso causaram graves danos ao ambiente e à cultura indígena daquela região: a quadrilha qualificada na extração, transporte, manufatura e comércio ilegal de madeiras (todos acompanhados de fraudes) era responsável não só por danos ambientais como também por intenção de corromper e oprimir os indígenas daquela região, além de praticar atos de violência contra a pessoa e contra a liberdade do povo Cinta Larga.
O recurso ficou assim ementado:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. PRELIMINARES AFASTADAS. CRIME AMBIENTAL. ART. 50-A DA LEI 9.605/1998. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. ART. 180, § 1º, CP. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. DOLO DEMONSTRADO. DOSIMETRIA CORRETA. REPARAÇÃO DE DANOS. NORMA DE NATUREZA MATERIAL. EXCLUSÃO EM RELAÇÃO AOS FATOS OCORRIDOS ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI 11.719/2008. PROVIMENTO PARCIAL DA APELAÇÃO DOS ACUSADOS. FURTO QUALIFICADO. ART. 155, § 4°, IV, CP. MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO. DESPROVIMENTO DA APELAÇÃO DO MPF.
1. Não há falar em incompetência da Justiça Federal, tendo em vista que, nos termos da denúncia, os acusados estariam explorando ilegalmente produtos vegetais no interior das terras indígenas Serra Morena, Aripuanã e Parque Aripuanã, no Estado do Mato Grosso, condutas que afetam e lesionam bens e interesse da União (RSE 0004087-53.2014.4.01.4103, DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES, TRF1 – QUARTA TURMA, e-DJF1 27/09/2017).
2. No que respeita à negativa de diligências complementares (art. 402 – CPP), o juiz pode indeferir os pedidos de prova irrelevantes, impertinentes ou protelatórios (art. 400, § 1º – CPP), como o fez na espécie. Ademais, vigora no nosso sistema processual penal o princípio da pas de nullité sans grief, segundo o qual nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa (art. 563 do CPP).
3. A sentença condenatória não merece qualquer reparo, posto que analisou de forma percuciente, fundamentada e exaustiva a vasta e robusta prova constante dos autos, demonstrando a autoria e a materialidade delitivas, bem assim os elementos subjetivos do tipo do art. 180, § 1º, CP (receptação qualificada), praticado pelos acusados João, Paulo e Anderson, em face da comprovação da prática de aquisição e beneficiamento das madeiras extraídas ilegalmente da TI Serra Morena; e do delito do art. 50-A, da Lei 9.605/1998, pelos acusados Danny, Ivar e Rudemar, mediante a demonstração da conduta de desmatar, explorar economicamente ou degradar floresta no interior da referida terra indígena.
4. O delito qualificado do art. 180, § 1º, do CP busca apenar com maior rigor o agente que, no exercício de atividade comercial ou industrial, pratica uma das condutas ali tipificadas, consciente de que respeitam a produto de crime, como na hipótese, em que os proprietários das madeireiras sabiam que os produtos florestais estavas sendo extraídos de terras indígenas; o objeto que aqui se tutela é o patrimônio da União, ao passo em que o art. 46 da Lei n° 9.605/1998 visa a tutelar o meio ambiente, não havendo falar, assim, em conflito aparente de normas, e, via de consequência, em aplicação do princípio da consunção. Precedentes.
5. Deve ser mantida a absolvição dos acusados pelo crime de furto qualificado (art. 155, § 4°, IV, CP, ante a falta da elementar da “subtração” contida no referido tipo penal, tendo em vista que os elementos probatórios coligidos aos autos demonstram que os madeireiros retiravam a madeira de dentro da terra indígena com participação e conivência dos índios.
6. A pena-base, em face da textura aberta dos parâmetros da lei (art. 59 e 68 – CP), não constitui uma operação matemática rigorosa e testável em face de fórmulas preestabelecidas, senão uma avaliação razoável e justificada do magistrado, em face do caso em julgamento, devendo ser reavaliada pelo Tribunal nessa mesma premissa.
7. As apenações, devidamente individualizadas (art. 5º, XLVI – CF), foram estabelecidas com razoabilidade dentro das circunstâncias objetivas e subjetivas do processo, de forma suficiente para a reprovação e prevenção do crime (art. 59 – Código Penal), obedecida a legislação.
8. A pena de multa, adequadamente situada, não pode ser afastada, como pretendem os acusados, porque representa uma sanção de caráter penal e sua exclusão, mesmo se demonstrada a condição de pobreza do apelante, violaria o princípio constitucional da legalidade (REsp 853604/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, Quinta Turma, julgado em 19/06/2007, DJ 06/08/2007, p. 662).
9. Havendo pedido expresso na denúncia para condenação em reparação de danos, e tendo sido a questão submetida ao contraditório e à ampla defesa, uma vez que o montante fixado pelo juízo tomou por base a prova pericial produzida ao longo do feito, é cabível a condenação em danos materiais. Todavia, seus efeitos não podem retroagir para atingir fatos anteriores à vigência da Lei 11.719/2008, de vez que a jurisprudência deste TRF 1ª Região é no sentido de que a norma do art. 387, IV, do CPP, com redação dada pela referida lei, é de natureza material, pois agrava a situação do réu, estando coberta, assim, pelo princípio da irretroatividade da lei penal. Exclusão da condenação em reparação de danos no período abrangido entre o início das condutas criminosas até a entrada em vigor da Lei 11.719/2008.
10. Apelação dos acusados parcialmente provida. Apelação do MPF desprovida.
Processo: 0027318-08.2010.4.01.3600