TRF1 defere posse de carro apreendido até o trânsito em julgado de eventual condenação penal

A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), ao julgar recurso de apelação, determinou a restituição, ao recorrente, da posse de um veículo Mercedes Benz de alto valor, que se encontra alienado fiduciariamente ao Banco Mercedes Benz do Brasil. O pedido de devolução do bem havia sido indeferido pelo Juízo da Vara Única da Subseção Judiciária de Itaituba/PA por falta de prova da propriedade.

A fundamentação utilizada para o sequestro do automóvel consistiu na suposição de que o impetrante participaria de organização criminosa com seus parentes, e no fato de ele possuir veículo avaliado em mais de R$ 300.000,00, incompatível com a própria renda, além de que o apelante teria o fito de se desfazer do patrimônio.

O recorrente sustentou que o veículo se encontra alienado junto ao mencionado banco e que o apelante realiza o pagamento de suas parcelas mensalmente. Aduziu que não há qualquer indício de que estava a se desfazer de seu patrimônio, capaz de fundamentar “medida tão-drástica como a de deixá-lo sem seu único meio de locomoção”.

Contra a mesma sentença, o apelante impetrou também mandado de segurança, de relatoria do desembargador federal Néviton Guedes, julgado pela 2ª Seção do TRF1. Naquele processo, o Colegiado concedeu efeito suspensivo à apelação no presente processo, e determinou a restituição da posse do bem mediante a assinatura de termo de fiel depositário até que fosse decidida a apelação no processo atual.

Relator da apelação, o juiz federal convocado Bruno Apolinário, incorporou ao seu voto razões e fundamentos do magistrado Guedes no mandado de segurança (acompanhado unanimemente pela 2ª Seção). Naquele voto, o desembargador federal ressaltou que a jurisprudência do TRF1 tem se orientado no sentido de que na ausência de trânsito em julgado de sentença condenatória, e determinada a manutenção da apreensão de bens “para fazer frente a eventuais danos sofridos pelo Estado, ou mesmo para evitar o proveito pelo indivíduo do resultado de sua conduta ilícita, de regra, deve-se, em prestígio ao direito de propriedade, deferir a posse do bem ao proprietário na condição de fiel depositário do juízo, no caso, o possuidor legal (devedor fiduciante) até que sobrevenha o trânsito em julgado de eventual condenação”.

Portanto, o magistrado convocado, adotando na apreciação da apelação criminal os fundamentos invocados no julgamento do mandado de segurança, votou no sentido de dar parcial provimento à apelação “para determinar a restituição da posse, ao apelante, do veículo apreendido mediante a assinatura de termo de fiel depositário, com as consequências legais daí resultantes, mantida a restrição originariamente imposta à respectiva transferência”.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSO PENAL. RESTITUIÇÃO DE BEM APREENDIDO. VEÍCULO. MANUTENÇÃO DO INTERESSE PARA O PROCESSO PENAL. DEVOLUÇÃO AO DEVEDOR FIDUCIANTE MEDIANTE RESTRIÇÃO DE ALIENAÇÃO. POSSIBILIDADE. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE.

1. O apelante, ao mesmo tempo em que aviou o recurso ora em exame, impetrou mandado de segurança contra a decisão recorrida, formulando a esta Corte os mesmos pedidos contidos no apelo.

2. No julgamento do MS n. 1000431-80.2022.4.01.0000, a 2ª Seção, por unanimidade, concedeu em parte a ordem e atribuiu efeito suspensivo ao recurso de apelação interposto, para “determinar a restituição da posse, ao impetrante, do veículo Mercedes-Benz modelo CLA 35 4M AMG, ano 2020/2020, Renavam 01236444563, placa BEN5C35, mediante a assinatura de termo de fiel depositário, com as consequências legais daí resultantes, mantida a restrição originariamente imposta à respectiva transferência, até que decidida a apelação ou que nova decisão seja tomada pelo relator da causa no âmbito desse recurso (apelação)”.

3. Embora o provimento final tenha se restringido à atribuição de efeito suspensivo ao apelo, de modo a não prejudicar a utilidade do recurso, em seu voto, o relator apreciou na íntegra os argumentos declinados pela então impetrante, que são os mesmos esposados no recurso de apelação.

4. Adoção, na apreciação da apelação criminal, dos fundamentos invocados no julgamento do mandado de segurança.

5. “No caso em análise, o veículo objeto de discussão no writ (Mercedes-Benz modelo CLA 35 4M AMG, ano 2020/2020), não pertence ao impetrante (devedor fiduciante), mas sim ao Banco Mercedes-Benz S/A — fato, todavia, que não impede a restituição precária da posse, mediante assinatura de termo de fiel depositário, seja porque comprovada a posse direta do bem em cometo, seja porque relevante a argumentação no sentido de que o acondicionamento do bem em depósito, sem a devida manutenção, por tempo indeterminado, poderá resultar, na prática, na sua deterioração, em prejuízo, inclusive, da própria eventual futura reparação do dano ambiental investigado (precedentes). 4. Sobre o tema, já admitiu esta Corte a possibilidade de entrega do bem ao possuidor legal, como fiel depositário, quando, não sendo caso de confisco, se demonstre a posse direta do veículo decorrente de compra e venda com alienação fiduciária e o desinteresse na apreensão da coisa para o processo. 5. A jurisprudência deste Tribunal também tem acentuado que, na ausência de trânsito em julgado de sentença condenatória, mesmo se mostrando legítima a apreensão de bens para fazer frente a eventuais danos sofridos pelo Estado, ou mesmo para evitar o proveito pelo indivíduo do resultado de sua conduta ilícita, de regra, deve-se, em prestígio ao direito de propriedade, deferir a posse do bem ao proprietário, na condição de fiel depositário do juízo, no caso, o possuidor legal (devedor fiduciante), até que sobrevenha o trânsito em julgado de eventual condenação (MS 1017729-90.2019.4.01.0000, Segunda Seção, rel. des. Ney Bello, PJe de 3/8/2020, entre outros). 6. Tendo em vista que o impetrante logrou comprovar a posse direta e legítima do veículo Mercedes-Benz modelo CLA 35 4M AMG, ano 2020/2020, o caso é de confirmação do que decidido em sede liminar, de modo a autorizar, tão somente, a restituição da posse do bem em causa, mantida, todavia, a restrição imposta à respectiva transferência.” (Mandado de Segurança n. 1000431-80.2022.4.01.0000, Rel. Des. Fed. Néviton Guedes, 2ª Seção, 22/6/2022).

6. Apelação provida em parte para determinar a restituição da posse, ao apelante, do veículo apreendido, mediante a assinatura de termo de fiel depositário, com as consequências legais daí resultantes, mantida a restrição originariamente imposta à respectiva transferência.

A decisão da 3ª Turma foi unânime, nos termos do voto do relator.

Processo: 1002323-71.2021.4.01.3908

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