A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) não é competente para julgar, originariamente, mandado de segurança impetrado contra ato do controlador-geral do Distrito Federal.
A relatoria foi do ministro Francisco Falcão, o qual destacou que o Decreto Distrital 36.236/2015 (revogado pelo Decreto 39.610, de 1º de janeiro de 2019) – que conferiu status de secretário de Estado ao cargo de controlador-geral – afetou apenas a organização da administração pública do DF, não influenciando na competência jurisdicional.
Com a decisão, o colegiado reconheceu a competência da Vara de Fazenda Pública do DF para julgar mandado de segurança impetrado por uma empresa de tecnologia contra ato do controlador-geral que declarou sua inidoneidade para licitar ou contratar com a administração pública.
Princípio da hierarquia das normas
Segundo os autos, o Distrito Federal, na origem, suscitou a incompetência absoluta da 2ª Câmara Cível do TJDFT para processar a demanda.
Ao acolher o recurso, o tribunal distrital reconheceu a competência da Vara de Fazenda Pública do DF, sob o fundamento de que o Decreto Distrital 36.236/2015 outorgou ao controlador-geral a independência necessária à execução das suas atribuições, mas não alterou a competência jurisdicional já fixada no artigo 26 da Lei Federal 11.697/2008 (Lei de Organização Judiciária do DF – LOJDF). Para o TJDFT, entender de outro modo violaria o princípio da hierarquia das normas.
No recurso ao STJ, a empresa impetrante sustentou que o artigo 8º do Decreto Distrital 36.236/2015 mudou para Controladoria-Geral do DF a denominação da antiga Secretaria de Transparência e Controle, de forma que o status de secretário também valeria para determinar o foro competente de julgamento em razão do cargo.
Sem ampliação do foro por prerrogativa de função
Em seu voto, Francisco Falcão, ao manter o entendimento da corte de origem, lembrou que, de fato, o artigo 8º, I, c, da LOJDF prevê a competência do TJDFT para julgar mandado de segurança contra atos de secretários de governo do DF (foro por prerrogativa de função).
Segundo ele, quando da edição do Decreto Distrital 36.236/2015, a Secretaria de Transparência foi renomeada para Controladoria-Geral. Porém, observou, a Controladoria-Geral já existia, “situação que leva ao entendimento de que teria havido, na verdade, uma absorção de um órgão por outro”. Assim, para o magistrado, não procede o argumento da recorrente de que a Controladoria-Geral seria uma secretaria para o fim de alteração da competência jurisdicional.
Além disso, tal como consignado pelo TJDFT, o relator ponderou que o artigo 26 da LOJDF define que compete ao juízo da Vara de Fazenda Pública processar e julgar os mandados de segurança contra atos de autoridades do governo distrital e de sua administração descentralizada.
Diante disso, o ministro reforçou que o decreto não tem o efeito de alterar a competência fixada por lei federal, nem o de garantir o foro por prerrogativa de função a secretários e outras autoridades do governo local.
O recurso ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. AUTORIDADE IMPETRADA. CONTROLADOR-GERAL DO DISTRITO FEDERAL. STATUS DE SECRETÁRIO DE ESTADO CONFERIDO POR DECRETO DISTRITAL. EFEITOS LIMITADOS À ESFERA ADMINISTRATIVA. SECRETARIA DA TRANSPARÊNCIA ABSORVIDA PELA CONTROLADORIA. COEXISTÊNCIA DOS DOIS ÓRGÃOS ANTERIORMENTE. ALTERAÇÃO DE COMPETÊNCIA DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. LEI FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE.I – Na origem, foi impetrado mandado de segurança, com pedido de liminar, contra ato do Controlador-Geral do Distrito Federal, sustentando a nulidade da aplicação da penalidade de declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração, por ausência de descrição objetiva dos fatos e da conduta irregular praticada pela impetrante, bem como pelo fato de que não foi obedecido o rito procedimental regular, dado que foi suprimida da requerente a oportunidade para apresentar alegações finais.II – Contra a decisão que deferiu a tutela provisória, o Distrito Federal interpôs agravo interno, suscitando a incompetência absoluta da 2ª Câmara Cível para processar e julgar o mandado de segurança. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios deu provimento ao recurso, reconhecendo a competência absoluta da Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal para processar e julgar o mandamus.III – O cerne da questão está em definir se o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios tem ou não competência para processar e julgar mandado de segurança impetrado contra ato do Controlador-Geral do Distrito Federal.IV – O art. 8º, I, c, da Lei Federal n. 11.697⁄2008, Lei de Organização Judiciária do Distrito Federal – LOJDF, prevê a competência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios para julgar mandado de segurança contra atos de Secretários de Governo do DF. Por sua vez, o art. 26 da mesma Lei Federal (LOJDF) dispõe que compete ao Juiz da Vara da Fazenda Pública processar e julgar: “III – os mandados de segurança contra atos de autoridade do Governo do Distrito Federal e de sua administração descentralizada.”V – No tocante à legislação distrital invocada e suas disposições relativas à Controladoria, tem-se que até a edição do Decreto Distrital n. 36.236⁄2015, coexistiam os órgãos da Secretaria de Estado de Transparência e Controle – STC e da Controladoria-Geral do Distrito Federal – CGDF, ambos como integrantes do sistema de Correição do Distrito Federal – SICOR⁄DF, com a finalidade de prevenir e apurar irregularidades no Poder Executivo – Lei n. 4.938, de 19⁄9⁄2012.VI – Quando da edição do referido ato, a Secretaria de Estado da Transparência foi renomeada para Controladoria-Geral do Distrito Federal (art. 8º, §1º). Ocorre que este órgão já existia, situação que leva ao entendimento de que teria havido, na verdade, uma absorção de um órgão por outro.VII – Não procede, pois, o argumento recursal de que a Controladoria-Geral se trata, em verdade, de uma Secretaria para o fim de alteração da competência jurisdicional.VIII – O entendimento do acórdão recorrido de que os efeitos desse Decreto estão limitados ao âmbito do funcionamento da Administração Pública Distrital está correto, porque confere àquele Órgão a autonomia necessária ao desempenho das suas atribuições; mas não, por óbvio, a possibilidade alterar a competência jurisdicional do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios.IX – Recurso ordinário desprovido.