IRPJ e CSLL não incidem sobre valor decorrente de pagamento adiado de ICMS, decide Primeira Turma

Ao dar provimento ao recurso especial interposto por uma fabricante de refrigerantes, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é ilegal a cobrança do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) em relação aos ganhos obtidos por empresa beneficiada com pagamento adiado do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), concedido como incentivo fiscal.

Por unanimidade, o colegiado entendeu que o fisco, ao considerar esses ganhos como lucro, possibilita que a União retire, indiretamente, o incentivo fiscal concedido pelos estados, o que levaria ao esvaziamento ou à redução do benefício.

No caso dos autos, a empresa impetrou mandado de segurança para não ter que pagar os tributos federais (IRPJ e CSLL) sobre a quantia obtida com a sua participação no Programa de Desenvolvimento da Empresa Catarinense (Prodec).

O incentivo concedido pelo fisco de Santa Catarina consistiu no pagamento adiado de parte do ICMS relativo ao acréscimo resultante do estabelecimento da empresa naquele estado. Após 36 meses, a produtora de bebidas deveria pagar o imposto adiado, com juros simples, mas sem correção monetária. De acordo a Secretaria da Receita Federal, esse valor equivaleria a lucro, base de cálculo de incidência do IRPJ e da CSLL.

Crédito presumido de ICMS não é lucro

Para o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), o pagamento diferido do ICMS não é uma subvenção para investimento, o que impede a não cobrança dos dois tributos. No STJ, a empresa sustentou que subvenção para investimento é toda vantagem fiscal concedida pelo poder público.

A relatora do recurso, ministra Regina Helena Costa, lembrou que o STJ, ao julgar o EREsp 1.517.492, definiu que o crédito presumido de ICMS não pode ser incluído na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, independentemente de os créditos se enquadrarem em uma categoria específica de subvenção. Para a magistrada, a mesma tese se aplica ao pagamento diferido do ICMS, hipótese do caso julgado.

No precedente, explicou a ministra, entre outros fundamentos, a corte considerou que o crédito presumido de ICMS, uma vez que não é incorporado ao patrimônio do contribuinte, não constitui lucro – o que afasta a incidência dos tributos em questão.

“A base de cálculo do tributo haverá sempre de guardar pertinência com aquilo que pretende medir, não podendo conter aspectos absolutamente impertinentes à própria materialidade contida na hipótese de incidência”, observou.

Modelo federativo e repartição das competências tributárias

Regina Helena Costa destacou que, em decorrência do modelo federativo, a Constituição Federal distribuiu as competências tributárias, cabendo aos estados instituir o ICMS e, por consequência, outorgar isenções, benefícios e incentivos fiscais para atender a interesses estratégicos da unidade federativa.

No entender da relatora, além de desobedecer ao princípio federativo, a tributação pela União de valores relativos a incentivo fiscal concedido por estado estimula a competição indireta entre os entes da Federação.

“Não está em xeque a competência da União para tributar a renda ou o lucro, mas, sim, a irradiação de efeitos indesejados do seu exercício sobre a autonomia da atividade tributante de pessoa política diversa”, afirmou.

Interferência na política fiscal

A magistrada acrescentou que, no caso analisado, o exercício da competência tributária federal interferiu na política fiscal adotada por Santa Catarina, pois o prazo estendido para o pagamento de ICMS com redução de encargos, instituído por lei local específica, atendeu aos princípios constitucionais.

Por fim, ao reformar o acórdão do TRF4, a ministra registrou que a tributação federal abala a credibilidade no programa de incentivo do ente federado, pois “é inegável que o ressurgimento do encargo, sob outro figurino, resultará no repasse dos custos adicionais às mercadorias”.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC⁄1973. NÃO OCORRÊNCIA. IRPJ. CSLL. BASE DE CÁLCULO. INCENTIVO FISCAL. REGIME ESPECIAL DE PAGAMENTO DO ICMS. PRODEC. PRETENSÃO DE CARACTERIZAÇÃO COMO RENDA OU LUCRO. PACTO FEDERATIVO. IMPOSSIBILIDADE.
I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte, na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Aplica-se, in casu, o Código de Processo Civil de 1973.
II – O Tribunal de origem apreciou todas as questões relevantes apresentadas com fundamentos suficientes, mediante apreciação da disciplina normativa e cotejo ao posicionamento jurisprudencial aplicável à hipótese. Inexistência de omissão.
III – Configura ilegalidade exigir, das empresas submetidas ao regime especial de pagamento do Programa de Desenvolvimento da Empresa Catarinense – PRODEC, a integração, à base de cálculo do IRPJ e da CSLL, do montante obtido com o incentivo fiscal outorgado pelo Estado de Santa Catarina, qual seja, o \”[…] pagamento diferido do ICMS, relativo a 60% sobre o incremento resultante pelo estabelecimento da empresa naquele Estado-membro, e que será adimplido no 36° mês, sem correção monetária, sendo devidos apenas juros simples anuais de 4% (quatro por cento) […]\”.
IV – Ao considerar tal soma como lucro, o entendimento manifestado pelo Fisco (Ato Declaratório Interpretativo SRF n. 22⁄2003), sufraga, em última análise, a possibilidade de a União retirar, por via oblíqua, o incentivo fiscal que o Estado-membro, no exercício de sua competência tributária, outorgou.
V – Tal orientação leva ao esvaziamento ou redução do incentivo fiscal legitimamente outorgado pelo ente federativo, em especial porque fundamentado exclusivamente em ato infralegal.
VI – O modelo federativo abraça a concepção segundo a qual a distribuição das competências tributárias decorre dessa forma de organização estatal e por ela é condicionada.
VII – Em sua formulação fiscal, revela-se o princípio federativo um autêntico sobreprincípio regulador da repartição de competências tributárias e, por isso mesmo, elemento informador primário na solução de conflitos nas relações entre a União e os demais entes federados.
VIII – A Constituição da República atribuiu aos Estados-membros e ao Distrito Federal a competência para instituir o ICMS e, por consequência, outorgar isenções, benefícios e incentivos fiscais, atendidos os pressupostos de lei complementar.
IX – A concessão de incentivo por ente federado, observados os requisitos legais, configura instrumento legítimo de política fiscal para materialização da autonomia consagrada pelo modelo federativo. Embora represente renúncia a parcela da arrecadação, pretende-se, dessa forma, facilitar o atendimento a um plexo de interesses estratégicos para a unidade federativa, associados às prioridades e às necessidades locais coletivas.
X – A tributação pela União de valores correspondentes a incentivo fiscal estimula competição indireta com o Estado-membro, em desapreço à cooperação e à igualdade, pedras de toque da Federação.
XI – Não está em xeque a competência da União para tributar a renda ou o lucro, mas, sim, a irradiação de efeitos indesejados do seu exercício sobre a autonomia da atividade tributante de pessoa política diversa, em desarmonia com valores éticos-constitucionais inerentes à organicidade do princípio federativo, e em atrito com o princípio da subsidiariedade, que reveste e protege a autonomia dos entes federados.
XII – O abalo na credibilidade no programa estatal proposto pelo Estado-membro acarreta desdobramentos deletérios no campo da segurança jurídica, os quais não podem ser desprezados, porquanto, se o propósito da norma consiste em descomprimir um segmento empresarial de determinada imposição fiscal, é inegável que o ressurgimento do encargo, sob outro figurino, resultará no repasse dos custos adicionais às mercadorias.
XIII – A base de cálculo do tributo haverá sempre de guardar pertinência com aquilo que pretende medir, não podendo conter aspectos absolutamente impertinentes à própria materialidade contida na hipótese de incidência.
XIV – A 1ª Seção deste Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o EREsp n. 1.443.771⁄RS, assentou que o crédito presumido de ICMS, a par de não se incorporar ao patrimônio da contribuinte, não constitui lucro, base imponível do IRPJ e da CSLL, sob o entendimento segundo o qual a concessão de incentivo por ente federado, observados os requisitos legais, configura instrumento legítimo de política fiscal para materialização da autonomia consagrada pelo modelo federativo. Axiologia da ratio decidendi que afasta, igualmente, a pretensão de caracterização, como renda ou lucro, de montante outorgado, de igual forma, no contexto de incentivo fiscal relativo ao ICMS, o qual fora estabelecido, neste caso, no bojo do Programa de Desenvolvimento da Empresa Catarinense – PRODEC.
XV – Recurso Especial provido.
 

Leia o acórdão no REsp 1.222.547.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1222547

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