Em cargo de confiança, ela tinha poderes semelhantes aos do dono da empresa.
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho acolheu recurso de um ex-vendedor da Capelini Indústria e Comércio de Tecidos Ltda., de Cerquilho (SP), que pedia para invalidar depoimento de testemunha da empresa em ação trabalhista. Segundo o empregado, a testemunha não tinha isenção de ânimo, pois, como gerente de vendas, tinha poder de mando e gestão.
Longa manus
O vendedor, que ajuizou ação pedindo o reconhecimento de vínculo com a empresa, disse que o gerente representava um “longa manus” (executor de ordens) do empregador e, dessa forma, não poderia dar um depoimento imparcial. Ainda, segundo ele, o depoimento poderia comprometer a verdade real, “configurando o interesse no resultado da demanda”.
Testemunha
Em contestação, a Capelini argumentou que não há lei que disponha que um gerente – com ou sem poderes para aplicar sanções a funcionário – não possa testemunhar em juízo. De acordo com a empresa, o fato de o depoente exercer o cargo não o desqualificava como testemunha.
Penalidades
O juízo da 1ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto negou o pedido, mas a sentença foi reformada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP). Segundo o TRT, o gerente, com poderes para aplicar penalidades, estaria equiparado à figura do empregador. A decisão ressalta que o depoimento foi considerado pelo juízo para formar seu convencimento em relação ao vínculo de emprego.
Isenção comprometida
O relator do recurso de revista do vendedor, ministro Alberto Balazeiro, votou pela invalidação do processo a partir da sentença. Ele observou que o exercício de cargo de confiança, por si só, não torna a testemunha parcial ou compromete sua isenção de ânimo. No caso, porém, foi constatado que ela tinha poderes similares ao do empregador. “Entende-se que a isenção de ânimo estaria comprometida, considerando-se suspeita a testemunha nesses casos”, concluiu.
O recurso ficou assim ementado:
I) AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI Nº 13.467/2017
CONTRADITA DE TESTEMUNHA QUE EXERCE CARGO DE CONFIANÇA COM PODERES SEMELHANTES AOS DO PRÓPRIO EMPREGADOR. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. Diante da possibilidade de ofensa ao artigo 447, §3º, II, do CPC, o agravo deve ser provido a fim de que se analise o agravo de instrumento.
Agravo provido.
II) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI Nº 13.467/2017. CONTRADITA DE TESTEMUNHA QUE EXERCE CARGO DE CONFIANÇA COM PODERES SEMELHANTES AOS DO PRÓPRIO EMPREGADOR . TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. Tendo em vista a possibilidade de violação do artigo 447, §3º, II, do CPC, cumpre dar provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido .
III) RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI Nº 13.467/2017. CONTRADITA DE TESTEMUNHA QUE EXERCE CARGO DE CONFIANÇA COM PODERES SEMELHANTES AOS DO PRÓPRIO EMPREGADOR . TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. 1. A jurisprudência pacífica desta Corte é no sentido de que o exercício de cargo de confiança, por si só, não torna a testemunha parcial, e tampouco compromete sua isenção de ânimo. 2. No entanto, verificado o exercício de cargo de confiança com poderes de mando e gestão análogos ao do empregador, entende-se que a isenção de ânimo estaria comprometida, considerando-se suspeita a testemunha nesses casos. 3. Na hipótese, o Tribunal Regional consigna que a segunda testemunha arrolada pela reclamada tinha poderes para aplicar penalidades, circunstância que a equipara à figura do empregador, e, por conseguinte, a torna suspeita, devendo ser acolhida a contradita. Recurso de revista conhecido e provido .
Processo: RR-10599-80.2019.5.15.0004