As agências bancárias que não prestam seus serviços de atendimento presencial conforme os padrões de qualidade previstos em lei municipal ou federal, impondo à sociedade desperdício de tempo e violando o interesse social de máximo aproveitamento dos recursos produtivos, incorrem em dano moral coletivo.
O entendimento unânime, na linha de outros precedentes do colegiado, foi manifestado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso da Defensoria Pública de Sergipe originado em ação civil pública.
De acordo com a ação, agências do Banco do Estado de Sergipe (Banese) descumpriam lei municipal que previa tempo máximo de espera nas filas de 15 minutos em dias normais e de 30 minutos em dias especiais (véspera de feriados prolongados, dia de pagamento de funcionários públicos etc.). A Defensoria verificou ainda a falta de assentos especiais e de sanitários e dificuldade de acessibilidade.
O juízo de primeiro grau condenou o banco a fazer as mudanças estruturais necessárias e a disponibilizar pessoal suficiente para o atendimento nos caixas. Tudo deveria ser cumprido no prazo de 90 dias, para que fosse possível observar o tempo máximo de espera na fila de atendimento. Além disso, fixou indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 200 mil.
A decisão foi reformada pelo Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE), que considerou não ter sido demonstrado o descumprimento de determinações legais a ponto de causar “significativa agressão ao patrimônio de toda a coletividade”. Por isso, afastou o dano moral coletivo, mas manteve a imposição ao banco da obrigação de promover as mudanças estruturais e de pessoal.
Espécie autônoma
Para a relatora do caso no STJ, ministra Nancy Andrighi, o dano moral coletivo não se confunde com o somatório das lesões extrapatrimoniais singulares, por isso não se submete ao princípio da reparação integral prevista no artigo 944 do Código Civil. É uma espécie autônoma de dano que “está relacionada à integridade psicofísica da coletividade, de natureza transindividual e que não se identifica com aqueles tradicionais atributos da pessoa humana (dor, sofrimento ou abalo psíquico), amparados pelos danos morais individuais”, afirmou.
Nancy Andrighi condenou a “intolerável e injusta perda do tempo útil do consumidor” decorrente do “desrespeito voluntário das garantias legais, com o nítido intuito de otimizar o lucro em prejuízo da qualidade do serviço”.
Segundo a ministra, a violação aos deveres de qualidade do atendimento presencial, exigindo do consumidor tempo muito superior aos limites fixados pela legislação municipal pertinente (Lei 3.441/2007), “infringe valores essenciais da sociedade e possui, ao contrário do afirmado pelo acórdão recorrido, os atributos da gravidade e intolerabilidade, não configurando mera infringência à lei ou ao contrato”, sendo “suficiente para a configuração do dano moral coletivo”.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. TEMPO DE ATENDIMENTO PRESENCIAL EM AGÊNCIAS BANCÁRIAS. DEVER DE QUALIDADE, SEGURANÇA, DURABILIDADE E DESEMPENHO. ART. 4º, II, “D”, DO CDC. FUNÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE PRODUTIVA. MÁXIMO APROVEITAMENTO DOS RECURSOS PRODUTIVOS. TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR. DANO MORAL COLETIVO. OFENSA INJUSTA E INTOLERÁVEL. VALORES ESSENCIAIS DA SOCIEDADE. FUNÇÕES. PUNITIVA, REPRESSIVA E REDISTRIBUTIVA.1. Cuida-se de coletiva de consumo, por meio da qual a recorrente requereu a condenação do recorrido ao cumprimento das regras de atendimento presencial em suas agências bancárias relacionadas ao tempo máximo de espera em filas, à disponibilização de sanitários e ao oferecimento de assentos a pessoas com dificuldades de locomoção, além da compensação dos danos morais coletivos causados pelo não cumprimento de referidas obrigações.2. Recurso especial interposto em: 23⁄03⁄2016; conclusos ao gabinete em: 11⁄04⁄2017; julgamento: CPC⁄73.3. O propósito recursal é determinar se o descumprimento de normas municipais e federais que estabelecem parâmetros para a adequada prestação do serviço de atendimento presencial em agências bancárias é capaz de configurar dano moral de natureza coletiva.4. O dano moral coletivo é espécie autônoma de dano que está relacionada à integridade psico-física da coletividade, bem de natureza estritamente transindividual e que, portanto, não se identifica com aqueles tradicionais atributos da pessoa humana (dor, sofrimento ou abalo psíquico), amparados pelos danos morais individuais.5. O dano moral coletivo não se confunde com o somatório das lesões extrapatrimoniais singulares, por isso não se submete ao princípio da reparação integral (art. 944, caput, do CC⁄02), cumprindo, ademais, funções específicas.6. No dano moral coletivo, a função punitiva – sancionamento exemplar ao ofensor – é, aliada ao caráter preventivo – de inibição da reiteração da prática ilícita – e ao princípio da vedação do enriquecimento ilícito do agente, a fim de que o eventual proveito patrimonial obtido com a prática do ato irregular seja revertido em favor da sociedade.7. O dever de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho que é atribuído aos fornecedores de produtos e serviços pelo art. 4º, II, d, do CDC, tem um conteúdo coletivo implícito, uma função social, relacionada à otimização e ao máximo aproveitamento dos recursos produtivos disponíveis na sociedade, entre eles, o tempo.8. O desrespeito voluntário das garantias legais, com o nítido intuito de otimizar o lucro em prejuízo da qualidade do serviço, revela ofensa aos deveres anexos ao princípio boa-fé objetiva e configura lesão injusta e intolerável à função social da atividade produtiva e à proteção do tempo útil do consumidor.9. Na hipótese concreta, a instituição financeira recorrida optou por não adequar seu serviço aos padrões de qualidade previstos em lei municipal e federal, impondo à sociedade o desperdício de tempo útil e acarretando violação injusta e intolerável ao interesse social de máximo aproveitamento dos recursos produtivos, o que é suficiente para a configuração do dano moral coletivo.10. Recurso especial provido.
Leia o acordão.